sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

HAVERÁ SANGUE (2007)

PONTUAÇÃO: EXCELENTE
★★★★★
Título Original: There Will Be Blood
Realização: Paul Thomas Anderson

Principais Actores: Daniel Day-Lewis, Dillon Freasier, Paul Dano, Ciarán Hinds, Kevin J. O’Connor

Crítica:

A EDIFICAÇÃO DO ÓDIO


Haverá Sangue é pura arte. É o grande épico da ambição humana, da incessante busca material ao oportunismo eloquente e à manipulação retórica, da ascenção do nada à riqueza insaciável, à angústia existencial, à solidão e à final constatação da nossa miserável condição. É sobre a religião e o capitalismo que, na grande farsa hipócrita, sustentam uma ilusão às custas da própria sociedade. O petróleo é um prenúncio de guerra e sangue. E pode jorrar sangue negro de uma terra perfurada pela ganância, mas a grande ferida é a da alma: a avidez cega-nos por dentro, seca-nos por inteiro e extingue o melhor que há em nós.

I have a competition in me.
I want no one else to succeed.

O mínimo que se poderá dizer de Paul Thomas Anderson é que, uma vez mais, arquitectou e concretizou uma obra visionária, arrojada no seu conceito e desconcertante na sua forma. A sua arte de filmar é premeditada, rigorosa e detalhista. O seu denso argumento (livremente baseado no romance Oil!, de Upton Sinclair) é um autêntico concentrado metafórico, submerso numa fascinante e poderosa atmosfera sufocante, centrado na edificação do ódio, é certo, mas também no estimulante combate entre forças económicas e religiosas - respectivamente simbolizadas pelas personagens de Daniel Day-Lewis (Daniel Plainview, o magnata do petróleo) e de Paul Dano (Eli Sunday, o profeta evangélico). É curioso perceber como duas dimensões que aparentemente estariam nos antípodas uma da outra têm tantas afinidades e semelhanças: ambas são motivadas pela crença exacerbada e pelo fanatismo, ambas se prostituem em nome dos seus interesses e dos seus interesses apenas (contrariando os valores que defendem e apregoam), ambas crescem perante a conquista e aproveitamento de novos adeptos. Ambas se impõem por jogos de fé e triunfam numa relação de interdependência dissimulada. No entanto, ambas se degladiarão sempre, com orgulho e rancor, pela autoridade. Notem-se cenas fulcrais como a do baptismo de Plainview:

Eli Sunday: Daniel, you have come here and you have brought good and wealth, but you have also brought your bad habits as a backslider. You've lusted after women, and you have abandoned your child. Your child that you raised, you have abandoned all because he was sick and you have sinned. So say it now- I am a sinner.
Plainview: I am a sinner. Eli Sunday: Say it louder - I am a sinner!
Plainview: I am a sinner.
(...)
Plainview: I've abandoned my child! I've abandoned my child! I've abandoned my boy!
(...)
Plainview
: There is a pipeline.

Ou a visceral cena que precede o espancamento e a vingança final, na sala de bowling:

Eli Sunday: Daniel, I'm asking if you'd like to have business with the Church of the Third Revelation in developing this lease on young Bandy's thousand acre tract. I'm offering you to drill on one of the great undeveloped fields of Little Boston!
Plainview: I'd be happy to work with you.
Eli Sunday: You would? Yes, yes, of course. Wonderful.
Plainview: But there is one condition for this work.
Eli Sunday: Alright.
Plainview: I'd like you to tell me that you are a false prophet... I'd like you to tell me that you are, and have been, a false prophet... and that God is a superstition.
Eli Sunday: ...but that's a lie... it's a lie, I cannot say it.
(...)
Eli Sunday: I am a false prophet! God is a superstition! I am a false prophet! God is a superstition! I am a false prophet! God is a superstition!


Haverá Sangue tem uma essência marcadamente ontológica, ou não buscasse as origens do capitalismo e, por consequência, os valores basilares das sociedades ocidentais para tentar compreender a realidade contemporânea. Afinal, a religião e a economia decidem o futuro dos Homens. Nelas se espelham e por elas se multiplicam os piores defeitos da humanidade: o egoísmo, a soberba, a vingança ou a indiferença e menosprezo para com os outros. O ódio para com os outros. Tanto Daniel como Eli apresentam estes traços de personalidade. Quais são as causas de tamanha e perigosa desumanização? A frustração pessoal e a falta de afectos. E ambos os factores são partilhados pelos vigaristas empreendedores. São dois homens destruídos e sedentos por destruição, às tantas incapazes de confiar em alguém senão neles próprios e incapazes de reconhecer o amor genuíno: note-se como Eli trata o pai ou como Daniel abanona o filho - surdo e, aos seus olhos, agora inútil. Não esqueçamos que ainda a explosão de fogo ascendia aos céus e o jovem H.W. se resguardava do acidente e Plainview já dizia:

There's a whole ocean of oil under our feet! No one can get at it except for me!

Lembremos também, por exemplo, como o pai trata o filho nos últimos instantes:

You have none of me in you. You're just a bastard from a basket. You're a bastard from a basket!

Ao irmão Henry, o depressivo oportunista que é incapaz de atingir o sucesso, Daniel confessa:

I hate most people.

I see the worst in people. (...) I've built my hatreds up over the years, little by little.

If it's in me, it's in you. There are times when I look at people and I see nothing worth liking. I want to earn enough money that I can get away from everyone.

De que valerá a ambição e a riqueza perante a ruína das relações, a decadência moral e a derradeira queda na solidão? Pois bem, essa é a questão central de todo o filme. Fica sugerida a reflexão.

Tanto Daniel Day-Lewis como Paul Dano, tenho a dizer, são absolutamente extraordinários na construção das suas personagens. O Daniel Plainview de Day-Lewis é um verdadeiro assombroso, um dos mais geniais papéis da carreira do actor.

A nível técnico, a obra é irrepreensível. Desde a primorosa fotografia de Robert Elwist (sublime em todas as cores e enquadramentos e revisitando a mítica paisagem do werstern: na aridez do deserto, nos moinhos de vento, nas pequenas vilas empoeiradas, nos caminhos de ferro, na exploração dos ranchos e na expansão pelo oeste americano) à aterrorizante, operática e desoladora banda sonora (Jonny Greenwood, Brahms, Arvo Pärt), o retrato é frio e desconcertante... à semelhança da história e das personagens. A cena de abertura, imersa em estranheza e circular na forma, confronta-nos com uma experiência que se adivinha única e irrepetível, tão impressionante nos silêncios como na excelência da retórica e da eloquência narrativa. Ainda brilhante na encenação e na mise-en-scène e exímio na reconstituição histórica, todo o filme é um milagre de erudição, de auto-glorificação artística e um prodigioso pedaço de perfeição. Em suma, uma obra-prima como poucas.

Plainview: I'm finished.

21 comentários:

  1. De acordo. Repleto de cenas memoráveis, enredo denso em singificados e um tour de force de Day-Lewis. Uma obra que veio a ficar.

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  2. Muito bom filme. A única questão que me incomodou de facto foi o nao reconhecimento de Paul Dano e pelo seu papel que realmente este brilhante. nunca hei'de esquecer a cena de "exorcismo" na igreja...genial!

    Daniel Day-Lewis...enfim, sem palavras. um dos, senao O melhor actor da actualidade!

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  3. devo dizer que vi uma hora e meia deste filme e cansou-me.
    não consegui ver mais
    não percebo o fenomeno

    abraço

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  4. É muito bom - não um excelente. Tem uma ambiência incomum, sufocante e de génio. Uma interpretação magistral, claro. Muito bom.

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  5. Confesso que o desfecho da relação com o filho me escapou um bocado. Compreendo a ideia, mas soou-me um pouco forçado.
    Grande filme e grande interpretação de todos os actores. Um olhar marcante sobre a história da América.

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  6. Não consegui ver o filme até ao fim. Fiquei sem paciência. Á semelhança do Jackie Brown, não entendo este fenómeno...

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  7. Que filme espectacular! É por este e por outros que P.T.Anderson pode ser considerado um génio cinematográfico!


    Abraço
    Cinema as my World

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  8. Um dos melhores filmes de todos os tempos.

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  9. Para mim este é o melhor filme dos anos 00's :)

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  10. Magistral. Day-Lweis está soberbo e Paul Dano é uma revelação. Clássico. Grande P.T. Anderson.

    Cumprimentos.

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  11. Um dos melhores filmes que já vi...com certeza Top 5.
    A ora prima de P. T. Anderson que é genial na verdade em todos seus poucos filmes.
    Haverá Sangue é maravilhoso, tudo, fotografia, roteiro, trilha sonora, interpretações,perfeito.
    Perfeito!

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  12. GUSTAVO: Muito denso, o argumento. Um desempenho inesquecível numa obra-prima colossal. Veio para ficar, mesmo!

    CLOSE-UP: Sim, Paul Dano tem uma performance avassaladora, digna dos maiores méritos! Estamos absolutamente de acordo!

    RAFHAEL VAZ: PTA tem piores? ;D É um génio!

    JACKIE BROWN: Não percebes? Muito me surpreendem as tuas palavras. O filme é um colosso! De nos deixar sem palavras!

    FLÁVIO GONÇALVES: Concordo com tudo o que dizes, mas nunca com o "muito bom". É - sem a mais sombra de dúvida - um excelente filme. Obra-prima absoluta.

    CLÁUDIA GAMEIRO: Não achei o final com o filho forçado, tendo em conta a estrutura narrativa que o filme apresentou desde início. 1898, 1902, 1911... 1927... os saltos temporais foram vários desde o início. É mais do que um grande filme, é puro génio.

    RICARDO VIEIRA: A sério? :O Recomendo-to vivamente. Pode custar a entrar no espírito do filme, mas penso que depois não há como não nos cairmos de amores por tamanha obra-prima.

    NEKAS: E este é um dos seus geniais feitos! ;)

    WALLY: Subscrevo.

    NEUROTICON: Senão "O", com certeza um d"Os"! ;D Brilhante, brilhante, brilhante.

    THE MOVIE MAN: Subscrevo também.

    CAROLL: E não tenho, mais uma vez, como não subscrever. Em tudo!

    Obrigado a todos pelos comentários!

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - A Estrada do Cinema «

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  13. Obra-prima. Gosto muito do filme e não me canso de rever.

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  14. Pois eu não consigo gostar do filme, unicamente porque o acho demasiado longo e penoso na narrativa, é certo que depende sempre do gosto e da capacidade de apreciar certos pormenores e relevâncias...eu simplesmente não consigo, embora reconheça as metáforas constantes e a forte mensagem subjacente.
    Um filme para se ver, para aprender, mas, e na minha opinião, nunca para rever com o fervor de outros faltando a capacidade de entreter diferentes faixas etárias e diferentes estados de conhecimento (nunca sendo obrigatório aqui, mas a acontecer melhor ainda).

    abraço

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  15. PEDRO HENRIQUE: É como eu. Também não me canso de o ver. É irresistível. Obra-prima absoluta.

    JORGE: Pois, desta vez não estou nada de acordo. Creio que se trate somente de uma questão de gostos. Adorei a narrativa.

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - A Estrada do Cinema «

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  16. È um daqueles filmes que surgem de década em década.É ÉPICO!!

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  17. PISSARRA: De acordo. Mas ser "épico" nem é a característica mais sonante, numa obra tão tão GENIAL! ;)

    Cumps.
    Roberto F. A. Simões
    CINEROAD – A Estrada do Cinema

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  18. Na minha opinião, a grande obra-prima do século.

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  19. Há por aqui muito exagero e pelos vistos a descoberta de mais um "génio" a juntar a uma lista que não pára de crescer. O termo "genialidade", de tanto usado, começa a saturar um pouco, e desvirtua o que deveria ser a excepção e não a regra.
    Trata-se de um bom filme, sem dúvida, mas um pouco cansativo. O melhor são realmente as interpretações, essas sim, excelentes. Mas é curto para o chorrilho de elogios que por aqui abunda.
    3 estrelas em 5

    O Rato Cinéfilo

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  20. WALLY: Ainda agora o século começou :D Há-de haver lugar para mais umas quantas.

    RATO: Poder-se-á desgastar o termo "genialidade" por aí, concordo, e até por aqui, discordo. Sei muito bem quando aplico o termo pelo que, na melhor ou pior das hipóteses, estaremos muitas vezes em desacordo. HAVERÁ SANGUE, a mim, não me cansa. É fascinante do início ao final, em todas as vezes que o rejevo. As interpretações são efectivamente muito boas, especialmente a de Day Lewis, mas o filme prima por tantas virtudes que o filme parece apenas, pelas tuas palavras, uma acumulação de bocejos, salteados com interpretações excelentes. Não estamos de acordo, uma vez mais, caro Rato.
    5 estrelas em 5

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - A Estrada do Cinema «

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  21. Ele nao abandonou o filho pelos motivos que vc pensa. Ele fez com que o filho fosse estudar fora, face a sua condiçao (nova) de surdo e depois o buscou de volta. Tanto que, o rapaz desenvolveu tambem atributos e casou-se, feliz.

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