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quinta-feira, 20 de abril de 2017

VÍCIO INTRÍNSECO (2014)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM
★★★★ 
Título Original: Inherent Vice 
Realização: Paul Thomas Anderson
Principais Actores: Joaquin Phoenix, Katherine Waterston, Benicio Del Toro, Owen Wilson, Josh Brolin, Reese Witherspoon, Sasha Pieterse, Jena Malone, Maya Rudolph, Martin Short, Yvette Yates, Peter McRobbie

Crítica:

O HIPPIE GANZADO 

 Motto panukeiku... motto panukeiku! MOTTO PANUKEIKU! 

Termina o filme e o título, oblíquo e a neon verde, invade o fundo negro. O violino dá lugar ao mais relaxado sintetizador electrónico da Any Day Now, de Chuck Jackson. Paz e amor, paz e amor, tudo acaba bem, mas a nós o que nos invade é um sincero WHAT THE F*CK! Duas horas e meia depois de ter começado, Vício Intrínseco não nos deixa pedrados, deixa-nos para lá de confusos e seguramente arrependidos da nossa lucidez. Mas que raio de filme foi este? O que é que se passou aqui? Talvez, se tivéssemos acendido um espirituoso e bem provido charro, estivéssemos melhor preparados para assistir a um filme assim, tão... alucinado. Absolutamente rendidos à magnetizante e inesquecível moca do hippie de Phoenix e à esquisita compleição narrativa (e ao seu hilariante non-sense), a partir do romance original de Thomas Pynchon, o certo é que não conseguimos desviar o olhar até ao final. Quer dizer, talvez alguns espectadores desistam ao fim de alguns minutos. Talvez outros tantos, entre o desnorte e os bocejos, abandonem a sessão a meio, inteiramente frustrados. Não é talvez, é certamente - basta sondar algumas opiniões aqui e ali. Ainda que completamente distinto no tom e no tema, Vício Intrínseco assemelha-se ao anterior de Paul Thomas Anderson, The Master, no grau de dificuldade e exigência interpretativas levantadas ao espectador. Porventura, será ainda mais difícil, ainda mais exigente. Alguns espectadores, como eu, chegarão ao fim, orgulhosos e contentes - não negarão que se riram e que gozaram um bom bocado -, mas não farão ideia, ou muito pouca, da história a que assistiram. Eu cheguei ao final e não só não sabia da história como não sabia o que dizer do filme. Só sabia que tinha gostado. E então o que fiz? Passei dos créditos finais aos iniciais. E comecei a ver de novo.

Vício Intrínseco é um noir - o mistério adensa-se, entre nuvens de fumo, ao longo de todo o filme. E continua depois de acabar; só não sabemos se por negligência nossa. O caso é resolvido, os caminhos para lá chegar é que são bem sinuosos. Gordita Beach, Califórnia. Anos 70 do século XX. Phoenix - absolutamente camaleónico e genial, elevando-se ao nível dos maiores actores da actualidade e, provavelmente, dos lendários - é Doc Sportello, um detective particular, de cabelos compridos e fartas suíças, quase sempre de óculos de sol, descalço ou de sandálias, mas sempre sobre o efeito mais ou menos despreocupado, anestesiado ou paranóico das drogas, sobretudo do haxixe. As drogas são o seu vício maior, inerente à sua condição, à sua natureza, mas não menos o amor que sente pela ex-namorada Shasta Fay (fabulosa Katherine Waterston), que tão claramente não consegue ou não quer esquecer. Quando esta lhe propõe um caso, a investigação começa... e o filme também. Começam a aparecer personagens e mais personagens, cada uma com uma nova pista ou uma nova proposta de caso - às tantas a baralhação é tanta que até o próprio escreve o nome de todos os intervenientes num quadro e faz por estabelecer as conexões necessárias, com vista a orientar-se. As personagens e os seus relatos contradizem-se uns aos outros e até a narradora - Sortilège (Joanna Newsom), amiga de Doc e por isso muito pouco isenta e fiável - lança achas na fogueira. No fim de contas, todas as personagens revelar-se-ão de alguma forma relacionadas e todos os casos poderão ser um só grande caso, provocado pela mesma pessoa ou pela mesma organização. A história poderá nem ser a coisa mais intricada do mundo, mas a forma como está contada é que é o grande segredo - e o grande reflexo da qualidade e inteligência da obra. As personagens, repletas de particularidades, são riquíssimas e as cenas memoráveis variadíssimas. A minha preferida é a cena de sexo, num só plano, entre Doc e Shasta - absolutamente brilhante: da persistente massagem com os pés nas pernas do hippie até se deitar sobre ele e quase a tocar na câmera, desafiando o enquadramento e o tesão do protagonista.

Mas o que dizer do cómico de situação, imperioso e absurdo, de grande parte das cenas? Aquela em que Doc mira o amigo (amigo?) polícia Bigfoot (Josh Brolin) a saborear, ao volante e apaixonadamente, um fálico gelado? Ou aqueloutra em que agentes do FBI começam, um por um, a esgaravatar os seus narizes? Ou aqueloutra em que Jade (Hong Chau) se ajoelha perante a colega Bambi e, demonstrando a promoção para detectives, naquele bordel de esvoaçantes bandeirolas vermelhas no meio do nada, começa a dar à língua? E aqueloutra em que o Dr. Rudy Blatnoyd (Martin Short), entre snifadas e tresloucadamente, abandona o consultório, desapertando as calças? E o que dizer da excelência do serviço da empregada de Sloane (Serena Scott Thomas), mulher do desaparecido Mickey Wolfmann, que a servir uma bebida a Doc esbarra a sua curtíssima mini-saia a dois dedos da sua cara? O que dizer do agressivo e repetitivo pedido de panquecas de Bigfoot? Do encontrão propositado dos bófias, quando Doc vai a caminho da esquadra? Da representação da Última Ceia, entre pizzas e colares floridos? Vício Intrínseco é um valoroso filme de momentos e de personagens. Absolutamente seguro da sua forma. Tem a confusão de The Big Sleep de Hawks, o disparate e o ridículo comum a tantos dos filmes dos Coen (Doc lembra inevitavelmente o Dude de Jeff Bridges), as longas conversas (e os pés, tantos pés!) de Tarantino... mas, referências à parte, Vício Intrínseco é tanto as marcas do P. T. Anderson, o autor: na arte de filmar, na complexidade da trama, na profundidade e tremenda dimensão dos seus protagonistas, no retrato de uma determinada década da cultura americana. Sobressaem os azúis e os amarelos entre a iluminação de Robert Elwist, Leslie Jones é mais ou menos simples mas sempre eficaz ao leme da edição e Jonny Greenwood, também ele habitual colaborador, é responsável por uma banda sonora por demais contagiante, que reúne também algumas das icónicas canções da época, entre as quais Journey Through The Past, de Neil Young, Vitamin C dos Can e a minha predilecta, a gloriosa Les Fleurs, de Minnie Riperton.

P. T. Anderson não repete um filme que seja. A cada filme, uma aposta ganha. Não falha uma vez que seja. Não admira, pois, que seja um dos artistas mais estimulantes, interessantes e consistentes do panorama cinematográfico actual. O que é Vício Intrínseco? Sobre todas as coisas, mais um filme para a vida, que cresce a cada visualização. Para um verdadeiro cinéfilo, de nada serve abandoná-lo, pois ele jamais nos abandonará.

domingo, 16 de abril de 2017

O MENTOR (2012)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM
★★★★ 
Título Original: The Master
Realização: Paul Thomas Anderson
Principais Actores: Joaquin Phoenix, Philip Seymour Hoffman, Amy Adams, Laura Dern, Rami Malek, Jesse Plemons, Price Carson, Mike Howard, Katie Boland, Ambyr Childers, Jillian Bell, Joshua Close, Madisen Beaty

Crítica:

O SABRE DIVIDIDO 

 I don't think Freddie is as committed to the cause
as the cause is committed to him. 

Por vezes, podemos encontrar mais verdade numa apreciação negativa do que numa positiva. A internet é um universo por demais vasto e rico, onde abunda a leitura copiosa e superficial e escasseia, definitivamente, o pensamento próprio. Entre a crítica dita profissional e o exercício da cinefilia mais apaixonada ou dedicada, considerada amadora, podemos encontrar um oceano de opiniões contraditórias acerca de um determinado filme. É assim com todos os filmes. É assim com tudo. Alguns filmes, todavia, pela sua natureza ambígua e, decididamente, mais vaga, tendem a clivar posições de forma ainda mais categórica e contundente. É o caso objectivo de The Master.

Paul Thomas Anderson é um nome consensual no panorama cinematográfico actual - a sua filmografia não abrange, ainda, muitos títulos, mas a genialidade de obras como Magnólia ou Haverá Sangue fala por si e não deixa espaço para dúvidas. Talvez por isso mesmo o fascínio sobre The Master seja maior. É um objecto de interpretações memoráveis, de imagens altamente magnéticas e, no entanto, ao fim da primeira visualização, estranhamente bizarro e profundamente enigmático... se nos perguntarem - ou se nos perguntarmos - qual o tema do filme, o que raio respondemos nós? Este sentimento é comum à generalidade dos espectadores, críticos ou não críticos, aquando da primeira visualização. Assistido o filme, ainda que não compreendido ou inteira e devidamente percepcionado (se é que isso é possível num filme como este), é o momento para considerações, comentários e opiniões. O que dizer, então, de um filme como este? Admitimos que nos aborreceu e que nos alheámos, durante a sua exibição, em pensamentos distantes? Que P. T. Anderson se perdeu nas suas ideias e que não lhes encontrou o rumo, o sentido? Não, isso seria assumir a nossa incompetência intelectual. Concluimos então que gostámos da proposta, que é um filme complexo, mas que P. T. Anderson é um magistral realizador, ainda que o I didn't get it nos assombre a consciência? Não podemos dizer que não gostámos de um filme do cineasta; afinal, somos cinéfilos de culto. Passada a ironia, eis-me chegado ao ponto crucial do meu raciocínio: há mais verdade em dizer que não se gostou quando efectivamente não se gostou ou não se compreendeu do que dizer que se gostou meramente por uma questão de moda ou de pertença. A maioria dos textos que encontrei sobre o filme derivam de uma primeira visualização e, repito os adjectivos, são tão copiosos e superficiais que não lhes encontro, neles, qualquer verdade. Serei o único a partilhar desta sensação?

Eu assisti a The Master, sei como pode ser tedioso e maçador; não posso negá-lo. Não é um filme para todos e não é um filme para todos os dias. Com isto não quero dizer que seja um mau filme, da mesma forma que um filme divertido e empolgante não é, só por isso, um bom filme. Mas percebo o julgamento detractor - na minha opinião leviano - que recai sobre o filme. Mais vale, neste caso e humildemente, creio, admitir a nossa pequenez perante o génio e assumir a necessidade de mais visualizações para um melhor entendimento da obra. Até porque The Master não tardará a chamar-nos para mais encontros. Talvez tenhamos algo a dizer quando o filme crescer em nós, se porventura crescer em nós, um dia. Ou então, mais vale ficarmos calados. Não temos que opinar sobre tudo o que vemos ou experienciamos - e muitas vezes esquecemo-nos disso. Sobretudo se não temos nada a acrescentar. Por isso, não escrevo sobre todos os filmes que vejo. E quando o faço, procuro pensar, reflectir, pesquisar, estudar e novamente pensar e formular. Por vezes, à segunda ou terceira visualização e perante o prazer da redescoberta, chego a reformular. Os filmes, como nós, são organismos vivos - e ganham vida precisamente pelo diálogo. Sob esse prisma, The Master assemelha-se a uma fonte inesgotável. E à medida que envelhecemos, sabemos, esse é um sinal inequívoco de que estamos perante um muito bom filme.

Tecido o breve manifesto sobre a pertinência da crítica, continuemos a dissertação sobre a natureza intricada da obra. Na verdade, The Master é um filme sobre a dualidade e sobre a frustração de expectativas, pelo que propicia naturalmente este tipo de discussão. A maior parte das suas cenas começa in media res e desvanece na seguinte sem que seja propriamente concluída. A narrativa ignora a tradicional estruturação em três actos e escapa a um clímax claro, pelo que o filme acaba elusivamente. Nunca é tácito, o rumo dos acontecimentos ou o tema da abordagem, dado que todo o filme espelha as suas personagens: seres à deriva, com o futuro imprevisível. Falo mormente de Freddie Quell, fenomenal desempenho de Joaquim Phoenix - mais magro, semi-curvado e de mãos na anca, braços arqueados, a falar sobretudo por um dos lados da boca, absolutamente irascível e agressivo, assolado pelo desnorte. De perturbado veterano de guerra a fotógrafo temperamental e problemático, de agricultor fracassado e tóxico a céptico e depois aplicado discípulo, sempre mergulhado no álcool, sempre viciado em sexo. Mas não falo menos de Lancaster Dodd, intensa e brilhante performance de Philip Seymour Hoffman, carismático líder d'A Causa, um novo culto religioso e filosófico, criado pelo próprio, mais ou menos baseado na Cientologia. Os dois, Freddie e Dodd, são como opostos e, ao mesmo tempo, o espelho um do outro. São como dois gumes de uma mesma espada. O primeiro representa o ser humano mais selvagem e animalesco, que se deixa dominar pelo impulso, desejo ou instinto, pelas necessidades mais fisiológicas. Dodd chega a compará-lo com um dragão, possante e indomável. No entanto, é do seu dragão interior que Dodd tenta escapar, pelo pensamento, pela palavra. O pensamento e a palavra são, portanto, a sua espada, capaz de matar o monstro e de purificar o espírito. Esse é o secret to living in these bodies that we hold, que o próprio afirma ter descoberto, e a essência d'A Causa. A sua doutrina não é, portanto, senão um escape à sua essência natural, pelo auto-controlo, procurando não ser escravo das emoções: Man is not an animal. Man is an enternal spirit.

A partir do momento em que as vidas de ambos se cruzam, nasce uma relação de fascínio mútuo. O primeiro, que simplesmente vive o seu ego sem se preocupar com os outros, jamais se auto-questionou - e, se alguma vez o fez, satisfez-se e saciou-se rapida ou momentaneamente, pela masturbação. O segundo criou uma ilusão, procurou atribuir-lhe um sentido e, na sua hipocrisia fundamentalista, encontrou conforto e apaziguamento às suas dúvidas existenciais. Na sua necessidade de evangelizar a humanidade, como se ditasse a verdade, amainou o ego. Ao primeiro agrada-lhe a companhia do segundo porque finalmente cessa a sua errância, estabiliza e encontra alguém que consigo se preocupa, decidido a curá-lo. Como se fosse encontrar a salvação ao se tornar quem não é. Este é o princípio da atracção de novos fiéis e seguidores para um determinado culto. O segundo agrada-lhe a companhia do primeiro porque 1) poderá fazer dele uma cobaia para os seus métodos curativos e 2) sabe que Freddie é tudo o que não consegue ser ou não tem coragem para ser, na sua organização simulada: genuíno e visceral. Isto lembra-me, de certa forma, os heterónimos de Pessoa, Alberto Caeiro e Bernardo Soares - o primeiro o anti-metafísico e o segundo, tal como o ortónimo, amaldiçoado por pensar demais e condenado pela consciência de todas as coisas.

Por se tratar de um debate interior, suscitado por Dodd, a maior parte dos planos são fechados e fixos, ou de movimentos muito subtis. Ainda assim, de uma simetria impressionante, ao melhor estilo de Wes Anderson. Como os dois gumes da espada, perpetuando a dualidade. Quando a câmera se move mais é sobretudo num plano ou outro em que Freddie se movimenta ou caminha. E quando raramente o plano abre é como se uma lufada de ar reanimasse um corpo arquejante, lembrando-nos a beleza da natureza: em campo aberto, fugindo Freddie desenfreadamente, ou em pleno deserto, desaparecendo de mota e a alta velocidade no horizonte. Como se na natureza encontrasse o caminho da libertação ou o caminho para casa, longe do confinamento dos espaços fechados. Freddie, sabemos, não é um animal de cativeiro. O azul profundo do mar, que ciclicamente pontua a obra, enche-nos da mesma sensação de liberdade ou de plenitude - perante a beleza e a redentora simplicidade da natureza, qual a pertinência dos métodos exaustivos d'A Causa? A religião é um porto de abrigo para todos os que consigam viver sobre essa alçada. Todos os restantes, se tentados, enfrentarão um teste à paciência e à sanidade mental. Não são necessariamente sem-abrigo. Simplesmente prosperam noutro tipo de construção. Até determinado ponto, Freddie e Dodd são perfeitamente incompatíveis. Simultaneamente, é como se uma espécie de afecto e ligação emocional - animalesca, completamente animalesca e pura e incontrolável - os unisse. Note-se como os dois rebolam pelo chão, como cães, quando Freddie é libertado da prisão. Ali rebola a verdade. Desse ensinamento poderá Dodd tirar as suas próprias conclusões: nem sempre as ideias são mais importantes. Do mais básico sentimento resulta o motivo da união entre os seres humanos - e a real felicidade. Quem é o mestre de quem, às tantas, já não se sabe.

As insólitas composições de Jonny Greenwood - uma vez mais repetitivas e compulsivas, como em Haverá Sangue - acompanham, gozam, satirizam, ridicularizam e expõem. A fotografia de Mihai Malaimare Jr. é um prodigioso portento de enquadramentos, atribuindo a tonalidade à viagem aos saudosos anos 50 do século XX, para a qual contribuem decisivamente também a cenografia e decoração de David Crank, Jack Fisk e Amy Wells e o guarda-roupa de Mark Bridges. Cenas memoráveis são mais do que muitas, abrilhantadas pelo formato 65/70mm e pela excelência dos actores, a que se junta Amy Adams. Podia referir a primeira sessão frente-a-frente entre Freddie e Dodd, mas a minha cena de eleição é a da prisão. Uma vez mais, dividida ao meio: do lado direito, a cela de Dodd - cabisbaixo, meditativo - e do lado esquerdo a cela de Freddie - explosivo, cheio de raiva e força, quebrando ao pontapé a sanita em cacos... Que momento emblemático e por demais representativo da essência do filme. É a sinédoque perfeita.

Tenho a certeza de que ainda vou assistir a The Master mais vezes. A cada vez que o vejo, é ainda mais hipnótico e fascinante e revelador sem deixar nunca de ser misterioso. Um filme singular e de puro deleite; em tudo, extraordinário.

_________________________________________
Nota especial para o lamentável título português.
É daqueles que me recuso, inevitavelmente, a utilizar.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

HAVERÁ SANGUE (2007)

PONTUAÇÃO: EXCELENTE
★★★★★
Título Original: There Will Be Blood
Realização: Paul Thomas Anderson

Principais Actores: Daniel Day-Lewis, Dillon Freasier, Paul Dano, Ciarán Hinds, Kevin J. O’Connor

Crítica:

A EDIFICAÇÃO DO ÓDIO


Haverá Sangue é pura arte. É o grande épico da ambição humana, da incessante busca material ao oportunismo eloquente e à manipulação retórica, da ascenção do nada à riqueza insaciável, à angústia existencial, à solidão e à final constatação da nossa miserável condição. É sobre a religião e o capitalismo que, na grande farsa hipócrita, sustentam uma ilusão às custas da própria sociedade. O petróleo é um prenúncio de guerra e sangue. E pode jorrar sangue negro de uma terra perfurada pela ganância, mas a grande ferida é a da alma: a avidez cega-nos por dentro, seca-nos por inteiro e extingue o melhor que há em nós.

I have a competition in me.
I want no one else to succeed.

O mínimo que se poderá dizer de Paul Thomas Anderson é que, uma vez mais, arquitectou e concretizou uma obra visionária, arrojada no seu conceito e desconcertante na sua forma. A sua arte de filmar é premeditada, rigorosa e detalhista. O seu denso argumento (livremente baseado no romance Oil!, de Upton Sinclair) é um autêntico concentrado metafórico, submerso numa fascinante e poderosa atmosfera sufocante, centrado na edificação do ódio, é certo, mas também no estimulante combate entre forças económicas e religiosas - respectivamente simbolizadas pelas personagens de Daniel Day-Lewis (Daniel Plainview, o magnata do petróleo) e de Paul Dano (Eli Sunday, o profeta evangélico). É curioso perceber como duas dimensões que aparentemente estariam nos antípodas uma da outra têm tantas afinidades e semelhanças: ambas são motivadas pela crença exacerbada e pelo fanatismo, ambas se prostituem em nome dos seus interesses e dos seus interesses apenas (contrariando os valores que defendem e apregoam), ambas crescem perante a conquista e aproveitamento de novos adeptos. Ambas se impõem por jogos de fé e triunfam numa relação de interdependência dissimulada. No entanto, ambas se degladiarão sempre, com orgulho e rancor, pela autoridade. Notem-se cenas fulcrais como a do baptismo de Plainview:

Eli Sunday: Daniel, you have come here and you have brought good and wealth, but you have also brought your bad habits as a backslider. You've lusted after women, and you have abandoned your child. Your child that you raised, you have abandoned all because he was sick and you have sinned. So say it now- I am a sinner.
Plainview: I am a sinner. Eli Sunday: Say it louder - I am a sinner!
Plainview: I am a sinner.
(...)
Plainview: I've abandoned my child! I've abandoned my child! I've abandoned my boy!
(...)
Plainview
: There is a pipeline.

Ou a visceral cena que precede o espancamento e a vingança final, na sala de bowling:

Eli Sunday: Daniel, I'm asking if you'd like to have business with the Church of the Third Revelation in developing this lease on young Bandy's thousand acre tract. I'm offering you to drill on one of the great undeveloped fields of Little Boston!
Plainview: I'd be happy to work with you.
Eli Sunday: You would? Yes, yes, of course. Wonderful.
Plainview: But there is one condition for this work.
Eli Sunday: Alright.
Plainview: I'd like you to tell me that you are a false prophet... I'd like you to tell me that you are, and have been, a false prophet... and that God is a superstition.
Eli Sunday: ...but that's a lie... it's a lie, I cannot say it.
(...)
Eli Sunday: I am a false prophet! God is a superstition! I am a false prophet! God is a superstition! I am a false prophet! God is a superstition!


Haverá Sangue tem uma essência marcadamente ontológica, ou não buscasse as origens do capitalismo e, por consequência, os valores basilares das sociedades ocidentais para tentar compreender a realidade contemporânea. Afinal, a religião e a economia decidem o futuro dos Homens. Nelas se espelham e por elas se multiplicam os piores defeitos da humanidade: o egoísmo, a soberba, a vingança ou a indiferença e menosprezo para com os outros. O ódio para com os outros. Tanto Daniel como Eli apresentam estes traços de personalidade. Quais são as causas de tamanha e perigosa desumanização? A frustração pessoal e a falta de afectos. E ambos os factores são partilhados pelos vigaristas empreendedores. São dois homens destruídos e sedentos por destruição, às tantas incapazes de confiar em alguém senão neles próprios e incapazes de reconhecer o amor genuíno: note-se como Eli trata o pai ou como Daniel abanona o filho - surdo e, aos seus olhos, agora inútil. Não esqueçamos que ainda a explosão de fogo ascendia aos céus e o jovem H.W. se resguardava do acidente e Plainview já dizia:

There's a whole ocean of oil under our feet! No one can get at it except for me!

Lembremos também, por exemplo, como o pai trata o filho nos últimos instantes:

You have none of me in you. You're just a bastard from a basket. You're a bastard from a basket!

Ao irmão Henry, o depressivo oportunista que é incapaz de atingir o sucesso, Daniel confessa:

I hate most people.

I see the worst in people. (...) I've built my hatreds up over the years, little by little.

If it's in me, it's in you. There are times when I look at people and I see nothing worth liking. I want to earn enough money that I can get away from everyone.

De que valerá a ambição e a riqueza perante a ruína das relações, a decadência moral e a derradeira queda na solidão? Pois bem, essa é a questão central de todo o filme. Fica sugerida a reflexão.

Tanto Daniel Day-Lewis como Paul Dano, tenho a dizer, são absolutamente extraordinários na construção das suas personagens. O Daniel Plainview de Day-Lewis é um verdadeiro assombroso, um dos mais geniais papéis da carreira do actor.

A nível técnico, a obra é irrepreensível. Desde a primorosa fotografia de Robert Elwist (sublime em todas as cores e enquadramentos e revisitando a mítica paisagem do werstern: na aridez do deserto, nos moinhos de vento, nas pequenas vilas empoeiradas, nos caminhos de ferro, na exploração dos ranchos e na expansão pelo oeste americano) à aterrorizante, operática e desoladora banda sonora (Jonny Greenwood, Brahms, Arvo Pärt), o retrato é frio e desconcertante... à semelhança da história e das personagens. A cena de abertura, imersa em estranheza e circular na forma, confronta-nos com uma experiência que se adivinha única e irrepetível, tão impressionante nos silêncios como na excelência da retórica e da eloquência narrativa. Ainda brilhante na encenação e na mise-en-scène e exímio na reconstituição histórica, todo o filme é um milagre de erudição, de auto-glorificação artística e um prodigioso pedaço de perfeição. Em suma, uma obra-prima como poucas.

Plainview: I'm finished.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

BOOGIE NIGHTS - JOGOS DE PRAZER (1997)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM
Título Original: Boogie Nights
Realização: Paul Thomas Anderson
Principais Actores: Mark Wahlberg, Burt Reynolds, John C. Reilly, Julianne Moore, Heather Graham, Don Cheadle, Luis Guzmán, Philip Seymour Hoffman, William H. Macy, Alfred Molina, Philip Baker Hall, Robert Ridgely

Crítica:

SEXO, DROGAS E ROCK'N ROLL

I'm gonna be a great big bright, shining star.

You don't know what I can do! You don't know what I can do, what I'm gonna do, or what I'm gonna be! I'm good! I have good things and you don't know about! I'm gonna be something! I am! And don't fucking tell me I'm not!

É desta forma, impulsiva e revoltada, que o jovem Eddie Adams (Mark Wahlberg) se dirige à mãe, no culminar de uma discussão intensa e descontrolada. Eddie deixou os estudos, curte com uma miúda de má fama e trabalha num clube nocturno, do qual regressa cada vez mais tarde, dia após dia. No clube brilham letreiros luminosos, a música alta faz-se soar numa explosão de cores e de ritmos. Desfila um exuberante figurino, uma moda completamente excêntrica. Enfim, resquícios dos (também eles) loucos Anos 70. Mais concretamente 1977. Eddie é um mero lava-pratos-fã-de-karaté, mas por cinco dólares apenas mostra a sua giant cock a quem se dispuser a pagar. Um dia, cruza-se no seu caminho o famosíssimo Jack Horner (Burt Reynolds), realizador de filmes pornográficos, e a sua vida muda para sempre.

I got a feeling that behind those jeans is something wonderful just waiting to get out.

Abandonando a casa dos pais e destemido a vencer na vida, Eddie torna-se Dirk Diggler, um garanhão possante à frente das câmeras, capaz de distrair qualquer técnico da equipa de produção com a sua performance e com o seu... enorme talento.

O elenco, todo ele com excelentes interpretações, é absolutamente monumental: Julianne Moore é Amber Waves, uma mãe marcada pela perda da custódia do filho, e que, no meio daquela indústria, espalha o seu amor maternal pelos mais jovens. Philip Seymour Hoffman é Scotty J., um assistente homossexual frustradíssimo, que desde cedo se rende aos encantos do atraente Dick Diggler. Heather Graham é a rollergirl, a eterna patinadora, uma estudante fracassada que também se torna uma estrela porno. Don Cheadle é Buck Swope, também actor de acção mas cujo sonho é abrir uma loja para a comercialização de Hi-Fi. William H. Macy é Little Bill, um marido igualmente frustrado, que passa os dias a cruzar-se com a mulher a fornicar pelos quartos, pelos ruas... em todo o lado, com qualquer um. John C. Reilly rapidamente se torna o melhor amigo de Dick, é também actor e com ele formará uma dupla de sucesso, mas os seus hobbies passam inevitavelmente pelo ilusionismo. Robert Ridgely é o Coronel James, o produtor dos milhões, mas não passa de um pedófilo pervertido. Philip Baker Hall é Floyd Gondolli, um investidor ambicioso, ansioso por lucrar com as videotapes - as mais recentes novidades tecnológicas do meio cinematográfico. Mas Jack Horner, o realizador, é mais conservador:

You come into my house, my party, to tell me about the future? That the future is tape, videotape, and not film? That it's amateurs and not professionals? I'm a filmmaker, which is why I will never make a movie on tape.

Todas as personagens são distintas, mas todas elas têm muito em comum. É por isso que a passagem de ano de 79 para 80 marca muito mais do que a passagem de ano ou do que a viragem de década. Marca a reviravolta na acção de todas essas vidas. Little Bill cansa-se do despudor da mulher e mata-a. Em seguida, dispara sobre si mesmo e põe fim à vida. E aquela que era, até agora, uma imparável ascenção para o estrelato sem limites, torna-se numa assustadora e vertiginosa viagem de decadência e de perdição. Dick Digler, à semelhança de todos os seus colegas de profissão, torna-se um viciado em drogas, a impotência sexual manifesta-se, a arrogância sobe-lhe à cabeça e é despedido. Por mais que, no exterior daquela elite, as pessoas consumam pornografia, o preconceito e a hipocrisia denigre a actividade. Quando Dick sai à rua, é brutalmente espancado. A Buck Swope, é-lhe negado um empréstimo, pelo mesmo motivo. Com a agravante do consumo de drogas, o tribunal jamais permitirá que o filho de Amber cresça perto da mãe. E a patinadora, por fim, é amplamente humilhada pelos fantasmas do passado, que jamais lhe dignificarão o corpo ou a alma.

Boogie Nights começa a brilhar de imediato, quando Paul Thomas Anderson rompe com a tão-pouco estimulante música dos créditos iniciais e marca o contraste com um tema completamente enérgico, ao melhor estilo dos 70's. A discoteca, a dança, os travellings... inicia-se uma arte de filmar sobejamente audaz, magistral, incrivelmente sublime. P. T. Anderson aborda o argumento como um Altman, concebe a encenação como um Tarantino, filma inspirada, metódica ou freneticamente que nem um Scorsese de Tudo Bons Rapazes ou de Touro Enraivecido (a cena final do espelho é uma clara homenagem). Ainda assim e apesar de tão notórias e prestigiadas influências, P. T. Anderson emana autenticidade, rasgos de uma genialidade muito própria e única. Afinal, ninguém filma as personagens como ele, com tamanha noção de colectivo, com tamanho respeito por cada uma das individualidades que, no todo e no final, formam um painel tão multifacetado e tão rico. Em Boogie Nights (como mais tarde em Magnolia) todas as personagens partilham momentos de protagonismo, todos têm uma existência e personalidade própria. São tremendamente bem modeladas, inclusivé as mais secundárias. Podem ser tanto heróis como desgraçados. Há um não-sei-quê de trágico e de profundamente humano nos seus trajectos, que é progressivamente potenciado e elevado a um poderoso clímax, como se de uma ópera se tratasse, como se de um épico se tratasse, tanto pela câmera, como pela extasiante combinação de canções, como pela montagem (Dylan Tichenor, incrivelmente excepcional). Na escrita, na direcção de actores ou na realização... isto é Paul Thomas Anderson: complexo, sagaz e provocador.

Boogie Nights? Clássico absoluto, pelo incomensurável talento de um dos melhores e mais estimulantes cineastas da actualidade.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

EMBRIAGADO DE AMOR (2002)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM
Título Original: Punch-Drunk Love
Realização: Paul Thomas Anderson
Principais Actores: Adam Sandler, Emily Watson, Philip Seymour Hoffman, Luis Guzmán

Crítica:

AMOR PARA INADAPTADOS

É, provavelmente, um dos mais estranhos e alucinados filmes que já vi. Um pequeno grande filme. Adam Sandler é Barry Egan: um homem simples, modesto, humilde, sincero, justo, tremendamente tímido e fechado sobre si próprio, lunático e inadaptado, mas nunca estúpido, completamente. Veste um fato azul-luminoso. E é solitário, sobretudo solitário. I don't know if there is anything wrong because I don't know how other people are. Sometimes I cry a lot... for no reason. Tal como o Donnie Smith de Magnolia, Barry é uma personagem cheia de amor para dar.

O plano inicial é por demais revelador: Barry está a um canto da sala, só e em silêncio, inteiramente dedicado às promoções dos produtos Healthy Choice, os anúncios para ganhar passagens aéreas. E eis que sai do armazém, como que impelido misteriosamente, e se abeira à estrada: um carro capota e uma carrinha pára à sua frente, deixando-lhe um harmónio e arrancando de seguida. O harmónio é puro simbolismo: trar-lhe-á a verdadeira música, o amor. Acabar-se-ão as refeições só para um ou as chamadas para linhas eróticas. A história deste Embriagado de Amor é, pois, uma história simples, como a das demais comédias românticas. Só que estamos perante um filme do genial P. T. Anderson. E isso faz toda a diferença. Por isso, Embriagado de Amor tem uma história simples, mas contada da mais complexa das formas, repleta de pormenores deliciosos (como os coloridos e constantes reflexos luminosos), os longos takes, os enquadramentos meticulosos, uma mise-en-scène cuidada e fabulosa, uma montagem sincronizada com a banda sonora de Jon Brion que oscila entre o discreto e o massacrante consoante a pressão e o estado de nervos do protagonista, magnificamente desempanhado por Adam Sandler. Quando nervoso demais, Barry explode em ataques de fúria; o que lhe é constrangedor. Virá o dia em que usará essa violência para defender a sua namorada, enfrentando finalmente medos e obstáculos: I have a love in my life. It makes me stronger than anything you can imagine. Barry Egan apaixona-se e a sua vida nunca mais será a mesma. Ele mudará para sempre. Afinal, não nos muda o amor, a todos?

Não há melhor forma de concluir do que a forma com que me iniciei: é, provavelmente, um dos mais estranhos e alucinados filmes que já vi. Um pequeno grande filme. Uma autêntica lição de cinema.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

MAGNOLIA (1999)

PONTUAÇÃO: EXCELENTE
★★★★★
Título Original: Magnolia
Realização: Paul Thomas Anderson

Principais Actores: Julianne Moore, Tom Cruise, Philip Seymour Hoffman, William H. Macy, Philip Baker Hall, John C.Reilly, Melora Walters, Jason Robards, Melinda Dillon

Crítica:

O DILÚVIO DO PERDÃO

We may be through with the past,
but the past ain't through with us.

De uma orquestração magistral que se estende do âmago a cada uma das suas pétalas, Magnolia é a obra de arte perfeita.
É daqueles pedaços do éter que desabrocha em nós o mais profundo e sentido encantamento. O seu alimento é, somente e apenas, um dos melhores argumentos da História do Cinema, personificado por um elenco todo ele sublime. E o seu Deus Criador é um só, de génio puro e de nome Paul Thomas Anderson.

Magnolia fala-nos, de forma arrebatadora e com a maior eloquência, da dor e do caos universal resultantes do ressentimento e da quase natural incapacidade humana para o perdão: porventura, a mais intemporal das doenças que afecta e corrói a nossa espécie. É por isso que Magnolia está tão próximo de nós, quiçá em cada um de nós. Perdoar é, tantas vezes, um milagre tão impossível quanto um milagre bíblico; e dessa impossibilidade, a vida sai claramente a perder, fingida e ferida por detrás de máscaras e de orgulho. O arrependimento mata: é o cancro da psique. Life ain't short, it's long, it's long, God damn it! Não admira que o velho e impertinente Earl Partridge, às portas da morte, admita:

Don't ever let anyone ever say to you, 'You shouldn't regret anything.' Don't do that, don't! You regret what you fucking want! And use that, use that, use that regret for anything, any way you want. You can use it, okay?

Aliás, às tantas, as personagens de Magnolia parecem precisar todas de um psicológo ou de um psiquiatra: umas arrependidas e outras cheias de amor para dar, vítimas de uma incomunicabilidade que tem tanto de coincidência como de culpa humana. Como lutar contra a incomunicabilidade? Falando, com a verdade de nós próprios. E eis meio caminho percorrido para curar a doença e ser feliz.

A câmera de P. T. Anderson filma com uma mestria irrepreensível, que nem um olho irreverente e implacável, assaz dinâmico, que se espelha em todos os planos meticulosos, nos zooms, na perseguição deambulatória pelos corredores do estúdio de televisão, nos planos estáticos ou na grande confluência estética ambicionada e por demais conseguida. Magnolia é, ainda, um grande exercício de manipulação: na excepcionalidade e originalidade do argumento (na narração do prólogo e do epílogo ou nas informações meteorológicas apresentadas, que denunciam uma forte personalidade autoral), na tão planificada realização (a fluída e rápida apresentação das personagens ou a cena em que as personagens, em conjunto, parecem sair da diegese para cantar o tema Wise Up) ou na montagem prodigiosa de Dylan Tichenor. Outra coisa impressionante e na qual P. T. Anderson triunfa completamente é a direcção de actores: Julianne Moore, Tom Cruise, Philip Saymour Hoffman, William H. Macy, Philip Baker Hall, John C. Reilly, Melora Walters, Jason Robards, Melinda Dillon; todos perfeitos nos seus papéis, servindo os propósitos do drama, da comédia e/ou da tragédia.

A fotografia de Robert Elswit, com os seus tons soturnos, serve a magnificência do projecto; projecto que vive também - e tanto - da banda sonora: os momentos musicais a partir das canções de Aimee Mann são inesquecíveis assim como o eterno Also Sprach Zaratustra, de Richard Strauss. A persistente e tensa composição de Jon Brion tem, é evidente, um uso bastante singular: é obssessivo e por vezes massacrante - o que já se tornou uma marca autoral na obra do realizador.

Magnolia é, pois, a sinfonia operática da condição humana, a jeito de turbilhão de emoções, com um final de redentores efeitos catárticos. Sometimes people need a little help. Sometimes people need to be forgiven. E, às vezes, os milagres acontecem mesmo. This happens. This is something that happens. Perdoar é então possível. O mau tempo passa e o sol raia novamente.

Conslusão? Uma obra monumental. Um dos melhores filmes de sempre.


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CINEROAD ©2020 de Roberto Simões