★★★★
Título Original: Land of PlentyRealização: Wim Wenders
Principais Actores: John Diehl, Michelle Williams, Burt Young, Shaun Toub, Wendell Pierce, Richard Edson, Jeris Poindexter
Crítica:
UM RETRATO DA AMÉRICA
PÓS-11 DE SETEMBRO
PÓS-11 DE SETEMBRO
A América sabe bem, talvez como nenhuma outra nação desde há décadas, vender a sua imagem. É o país da liberdade, da riqueza, onde é possível a concretização de todos os sonhos. Porém, sabemo-lo, é um país que, internamente, lida com imensos fantasmas e assimetrias: a pobreza, o racismo, o preconceito, o complexo de superioridade. United we stand, afirmam. Ironicamente. Hipocritamente.
As feridas da Guerra do Vietname e a vergonha da derrota mantiveram-se, até aos dias que correm, bem acesas no seu quotidiano. Com o 11 de Setembro de 2001, a ameaça do terrorismo tornou a realidade americana num autêntico cenário de medo e de pavor. Generalizaram-se obsessões, com a segurança pública ou com a segurança individual. Aterrar de avião, por exemplo, pode agora revelar-se uma experiência agonizante. Passear pela rua sem conferir, de quando em vez, as alturas e o topo dos arranha-céus é quase inevitável. Encontrar sacos, caixas ou pacotes abandonados faz temer - imediatamente - a pior explosão. O cruzamento com um árabe, mesmo que apenas árabe em aspecto, faz temer - imediatamente - um estrondoso homem-bomba. O simples facto de receber, pelo correio, um envelope anónimo faz temer - imediatamente - um atentado bio-químico. É claro que muitos destes procedimentos tenderão a atenuar-se com o tempo; é normal que assim seja. Mas o certo é que o ataque da Al-Qaeda acertou em cheio no coração e na alma dos norte-americanos. Manchou uma cultura de sangue, precipitando - a grande escala - o impulso de guerra, dificultando a diplomacia e as tentativas de coexistência pacífica.
Terra da Abundância não é um hino nacional ou uma propaganda de bandeira; depreenda-se a ironia do título. Também não é, propriamente, uma tentativa de exorcismo ou de catarse. É mais como um retrato, frontal e realista, dessa perturbada e ansiosa existência americana deste início de século. Não é totalmente pretensioso ou moralista, funciona mais como um exame de consciência.
John Diehl é Paul, um ex-combatente do Vietname, traumatizado pelo confronto e pela solidão. Vive o seu dia-a-dia numa carrinha equipada, armado em detective por conta própria e achando-se capaz de desmantelar conspirações internacionais, que lhe permitirão evitar assim futuros atentados. They're trying to destroy our country. They're trying to infect us. I'm not going to let them. A base das suas investigações passa por suspeitas infundadas, preconceitos e congeminações ultra-criativas. Michelle Williams é Lana, a sua sobrinha. Regressada do Médio Oriente, procura o tio, mas o reencontro mostra-se difícil. Integra uma missão de ajuda aos pobres quando um tiroteio às portas do centro aniquila Hassan, um sem-abrigo para quem home is not a place, it is people. É nessa altura e por causa dessa morte que tio e sobrinha se unem (mais por ela, que vê no trágico acontecimento uma forma de se aproximar do familiar). Juntam-se numa investigação para descobrir as ligações de Hassan ao mundo do terrorismo, mas Lana tem o espírito e a visão livres de ideias pré-concebidas. Há-de desvendar o mistério com a maior das simplicidades, longe dos secretismos e procedimentos estratégicos do tio, confrontando-o com a verdade e com a necessidade fundamental da desconstrução dos estereótipos.
Wim Wenders, ladeado por excepcionais operadores de câmera e por brilhantes profissionais da arte de fotografar (Franz Lustig) e de montar (Moritz Laube), concretiza um filme profundamente humanista e excepcionalmente bem feito, com o dúbio condão de parecer tão genuinamente americano como estrangeiro, tal é o olhar tanto intimista e próximo como distante com que trata, simultaneamente, o tema e a questão. Talvez o facto se deva ao próprio Wim Wenders: cineasta alemão que, no entanto, conhece tão de perto a realidade americana. John Diehl e Michelle Williams lideram o elenco, com performances seguras e sólidas. As canções, de sonoridades distintas mas fabulosas, embebem a obra com os seus ritmos e cadências, num todo fluído e pleno de harmonia.
No fim, fica-nos mesmo a canção... e a esperança...
As feridas da Guerra do Vietname e a vergonha da derrota mantiveram-se, até aos dias que correm, bem acesas no seu quotidiano. Com o 11 de Setembro de 2001, a ameaça do terrorismo tornou a realidade americana num autêntico cenário de medo e de pavor. Generalizaram-se obsessões, com a segurança pública ou com a segurança individual. Aterrar de avião, por exemplo, pode agora revelar-se uma experiência agonizante. Passear pela rua sem conferir, de quando em vez, as alturas e o topo dos arranha-céus é quase inevitável. Encontrar sacos, caixas ou pacotes abandonados faz temer - imediatamente - a pior explosão. O cruzamento com um árabe, mesmo que apenas árabe em aspecto, faz temer - imediatamente - um estrondoso homem-bomba. O simples facto de receber, pelo correio, um envelope anónimo faz temer - imediatamente - um atentado bio-químico. É claro que muitos destes procedimentos tenderão a atenuar-se com o tempo; é normal que assim seja. Mas o certo é que o ataque da Al-Qaeda acertou em cheio no coração e na alma dos norte-americanos. Manchou uma cultura de sangue, precipitando - a grande escala - o impulso de guerra, dificultando a diplomacia e as tentativas de coexistência pacífica.
Terra da Abundância não é um hino nacional ou uma propaganda de bandeira; depreenda-se a ironia do título. Também não é, propriamente, uma tentativa de exorcismo ou de catarse. É mais como um retrato, frontal e realista, dessa perturbada e ansiosa existência americana deste início de século. Não é totalmente pretensioso ou moralista, funciona mais como um exame de consciência.
John Diehl é Paul, um ex-combatente do Vietname, traumatizado pelo confronto e pela solidão. Vive o seu dia-a-dia numa carrinha equipada, armado em detective por conta própria e achando-se capaz de desmantelar conspirações internacionais, que lhe permitirão evitar assim futuros atentados. They're trying to destroy our country. They're trying to infect us. I'm not going to let them. A base das suas investigações passa por suspeitas infundadas, preconceitos e congeminações ultra-criativas. Michelle Williams é Lana, a sua sobrinha. Regressada do Médio Oriente, procura o tio, mas o reencontro mostra-se difícil. Integra uma missão de ajuda aos pobres quando um tiroteio às portas do centro aniquila Hassan, um sem-abrigo para quem home is not a place, it is people. É nessa altura e por causa dessa morte que tio e sobrinha se unem (mais por ela, que vê no trágico acontecimento uma forma de se aproximar do familiar). Juntam-se numa investigação para descobrir as ligações de Hassan ao mundo do terrorismo, mas Lana tem o espírito e a visão livres de ideias pré-concebidas. Há-de desvendar o mistério com a maior das simplicidades, longe dos secretismos e procedimentos estratégicos do tio, confrontando-o com a verdade e com a necessidade fundamental da desconstrução dos estereótipos.
Wim Wenders, ladeado por excepcionais operadores de câmera e por brilhantes profissionais da arte de fotografar (Franz Lustig) e de montar (Moritz Laube), concretiza um filme profundamente humanista e excepcionalmente bem feito, com o dúbio condão de parecer tão genuinamente americano como estrangeiro, tal é o olhar tanto intimista e próximo como distante com que trata, simultaneamente, o tema e a questão. Talvez o facto se deva ao próprio Wim Wenders: cineasta alemão que, no entanto, conhece tão de perto a realidade americana. John Diehl e Michelle Williams lideram o elenco, com performances seguras e sólidas. As canções, de sonoridades distintas mas fabulosas, embebem a obra com os seus ritmos e cadências, num todo fluído e pleno de harmonia.
No fim, fica-nos mesmo a canção... e a esperança...
Já vi esse filme aqui hás uns anos atrás pelo TVCine (ou Lusomundo Premium na altura) e é daqueles filmes que amarram gradualmente e se desenvolve como se fosse uma situação da realidade que cresce em nós pela empatia destes dois parentes solitários. Recordo-me vivamente de ela ter um iPod e nunca o largar. Aliás bastou a imagem que colocada no fim do post e saber de imediato qual era o filme mesmo que não te soubesse identificar no instante o título ou outros dados.
ResponderEliminarDevido á distância do tempo que o vi não me ficou na memória por ser muito bom ou fraco mas sim pela forma como se desenvolve esta história muito mundana e sobre um manto de temor pelo próximo e pela vontade de apontar culpados sem se saber quais.
Contudo, já vi alguns filmes de Wim Wenders e não posso dizer que me é sedutor o cinema dele mas tem alguns filmes importantes. Ahhh... e há aquele com os Madredeus e dedicado a Lisboa, que é muito melhor do que parece.
Puxa, com tantas reviews excelentes... já pensaste em fazer uma publicação? Poderia até ser em PDF... desconfio que seria uma iniciativa que iria percorrer o país e o mundo.
Como sempre: Well done!
(Não precisas de pagar cafés... bebe um por mim!)
ARMINDO PAULO FERREIRA: Heish! Elogio exagerado ;) Eu não aprecio café, logo somam à dívida.
ResponderEliminarNão é um filme extraordinário, nem todos podem sê-lo, mas é muito interessante está bem feito. Quem o assistir, não perderá certamente o seu tempo, acredito.
Cumps.
Roberto Simões
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