★★★★★
Título Original: Far From HeavenRealização: Todd Haynes
Principais Actores: Julianne Moore, Dennis Quaid, Dennis Haysbert, Patricia Clarkson, Viola Davis, James Rebhorn, Bette Henritze, Michael Gaston, Ryan Ward, Lindsay Andretta, Jordan Puryear
Crítica:FOLHAS CAÍDAS
Longe do Paraíso é uma virtuosa homenagem ao melodrama americano dos anos 50, nomeadamente aos clássicos de Douglas Sirk: em constante diálogo com All That Heaven Allows, assegura, na sua cadência hipnótica e envolvente, o que de melhor tem a tradição e o cânone do subgénero. Todd Haynes - filmando com mestria, pureza e apaixonante delicadeza e mantendo a moralidade e a aura artística da época - mostra ser perfeitamente possível fazer em 2002 um melodrama tão genuíno e poderoso, pertinente e actual, como aqueloutros que, em meados de 50, tocavam o íntimo dos seus espectadores. Na sua imensidão de encantos, Longe do Paraíso emana, por isso, tanto de nostalgia como de absoluta vitalidade.
Cathy e Frank são o casal perfeito: vários anos de casamento, dois filhos, uma mansão de sonho numa rua de sonho. Ele é um empresário de sucesso, ela a dona de casa ideal, dedicada e prestável, socialmente solidária e exemplar. Tem, por assim dizer, a vida que qualquer uma das suas amigas gostaria de ter. Não creio cair em exagero: Julianne Moore é como um astro luminoso - se para o realizador é uma musa, em cena assume a presença de uma deusa - que irradia talento e que absorve a plenitude da representação e a complexa essência da sua personagem. O seu desempenho enquanto Cathy Whitaker é magnífico!
A questão é que tamanha perfeição não passa de uma construção vistosa e aparente. Por outros termos: a relação de Cathy e Frank é, na privacidade do lar, uma relação distante, cada vez mais disfuncional, sem relações sexuais e sem diálogos maiores. Frank (Dennis Quaid) leva uma vida dupla, motivada por desejos homossexuais reprimidos e com os quais dificilmente sabe lidar: I know it's wrong because it makes me feel despicable. Em meados do século XX, a homossexualidade era ainda considerada uma doença, de tratamentos violentos e radicais. A mentira entra em crise com o choque, quando Cathy dá de caras com o marido, no escritório da empresa, aos beijos com um outro homem. É o princípio do fim da ilusão. E a tragédia abate-se sobre ela.
Por outro lado, temos Raymond Deagan, o jardineiro lá de casa, negro, que se aproxima de Cathy neste momento particularmente adverso e que se revela um bom ouvinte e confidente, um verdadeiro amigo. Cathy deixa-se levar e nasce uma amizade que, aos olhos dos outros, é simplesmente mal-vista. Afinal, ele é negro, ela é branca, casada e mãe de filhos. A relação evolui e o falatório também. Os boatos começam a circular e o escândalo iminente ameaça a estabilidade e a reputação dos Withaker. Até que ponto não serão as forças da sociedade, do racismo e da discriminação, imperativas nas nossas decisões pessoais? Até que ponto não dominam a hipocrisia e as feridas do passado o amanhã dos nossos destinos? I've learned my lesson about mixing in other worlds. I've seen the sparks fly. All kinds. Às vezes, as estações da vida mostram-se demasiado rigorosas. Às vezes, é preciso assistir ao adeus das folhas velhas, secas e douradas pelo tempo, e esperar que novas nasçam verdes e cheias de esperança...
Todd Haynes é, para além de realizador, o autor do argumento. E o seu trabalho é extraordinário, de grande contenção, intensidade e profundidade dramática. A banda sonora de Elmer Bernstein é, ao jeito das composições de há décadas atrás, verdadeiramente prodigiosa. Assim como a fotografia de Edward Lachman, excelente e repleta de tonalidades quentes: vermelho, verde, azul. Nota especial para os créditos (iniciais ou finais), que completam a homenagem ao cinema de outrora.
No seu todo, eis pois uma obra sublime, com a graciosidade dos trejeitos classicistas, mas com o fascínio daquela deslumbrante e perfumada arte que dura para sempre. Grande, grande filme.
Cathy e Frank são o casal perfeito: vários anos de casamento, dois filhos, uma mansão de sonho numa rua de sonho. Ele é um empresário de sucesso, ela a dona de casa ideal, dedicada e prestável, socialmente solidária e exemplar. Tem, por assim dizer, a vida que qualquer uma das suas amigas gostaria de ter. Não creio cair em exagero: Julianne Moore é como um astro luminoso - se para o realizador é uma musa, em cena assume a presença de uma deusa - que irradia talento e que absorve a plenitude da representação e a complexa essência da sua personagem. O seu desempenho enquanto Cathy Whitaker é magnífico!
A questão é que tamanha perfeição não passa de uma construção vistosa e aparente. Por outros termos: a relação de Cathy e Frank é, na privacidade do lar, uma relação distante, cada vez mais disfuncional, sem relações sexuais e sem diálogos maiores. Frank (Dennis Quaid) leva uma vida dupla, motivada por desejos homossexuais reprimidos e com os quais dificilmente sabe lidar: I know it's wrong because it makes me feel despicable. Em meados do século XX, a homossexualidade era ainda considerada uma doença, de tratamentos violentos e radicais. A mentira entra em crise com o choque, quando Cathy dá de caras com o marido, no escritório da empresa, aos beijos com um outro homem. É o princípio do fim da ilusão. E a tragédia abate-se sobre ela.
That was the day I stopped believing in the wild ardor of things. Perhaps in love, as well. That kind of love. The love in books and films. The love that tells us to abandon our lives and plans, all for one brief touch of Venus. So often we fail at that kind of love. The world just seems too fragile a place for it. And of every other kind, life remains full. Perhaps it's just we who are too fragile.
Cathy Whitaker
Por outro lado, temos Raymond Deagan, o jardineiro lá de casa, negro, que se aproxima de Cathy neste momento particularmente adverso e que se revela um bom ouvinte e confidente, um verdadeiro amigo. Cathy deixa-se levar e nasce uma amizade que, aos olhos dos outros, é simplesmente mal-vista. Afinal, ele é negro, ela é branca, casada e mãe de filhos. A relação evolui e o falatório também. Os boatos começam a circular e o escândalo iminente ameaça a estabilidade e a reputação dos Withaker. Até que ponto não serão as forças da sociedade, do racismo e da discriminação, imperativas nas nossas decisões pessoais? Até que ponto não dominam a hipocrisia e as feridas do passado o amanhã dos nossos destinos? I've learned my lesson about mixing in other worlds. I've seen the sparks fly. All kinds. Às vezes, as estações da vida mostram-se demasiado rigorosas. Às vezes, é preciso assistir ao adeus das folhas velhas, secas e douradas pelo tempo, e esperar que novas nasçam verdes e cheias de esperança...
Todd Haynes é, para além de realizador, o autor do argumento. E o seu trabalho é extraordinário, de grande contenção, intensidade e profundidade dramática. A banda sonora de Elmer Bernstein é, ao jeito das composições de há décadas atrás, verdadeiramente prodigiosa. Assim como a fotografia de Edward Lachman, excelente e repleta de tonalidades quentes: vermelho, verde, azul. Nota especial para os créditos (iniciais ou finais), que completam a homenagem ao cinema de outrora.
No seu todo, eis pois uma obra sublime, com a graciosidade dos trejeitos classicistas, mas com o fascínio daquela deslumbrante e perfumada arte que dura para sempre. Grande, grande filme.
Acho que vais gostar muito deste. É um bom filme.
ResponderEliminarEu gostei, é muito classicista e com uma grande interpretação da Julianne Moore.
ResponderEliminarJá me falaram de uma grande Moore aqui, mas ainda não o vi. Onde arranjaste?
ResponderEliminarAbraço
FLÁVIO GONÇALVES: Com certeza. É mais do que um bom filme. É verdadeiramente magistral!
ResponderEliminarÁLVARO MARTINS: Grande mesmo. Que complexa e intensa interpretação.
MARCELO PEREIRA: Vê. Vais adorar. Arranjei num sítio precioso, mas consta que por aí o têm à venda na MediaMarkt.
Cumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
Um filme de profunda carga emocional, acompanhado pela sua arrepiante fotografia que homenageia os dramas dos anos 50, sobretudo (e tal como referiste) ao cinema de Douglas Sirk.
ResponderEliminarDe visualização obrigatória.
Abraço.
Este filme é adorávelmente bom.
ResponderEliminarTem uma produção muito cuidada e rica em detalhes de época e com boas interpretações, especialmente a de Julianne Moore (mas sou suspeito pois admiro-a -old-crush- e sigo-a).
É um drama que toca em muitas e diferentes "feridas" e no meio de tudo isto ainda se persegue o "amor" com um sincero romance.
Belo texto e muito poético.
Julianne Moore em um belo momento aqui, com uma belo retrato da época e história bem estruturada. ;)
ResponderEliminarSAM: É um melodrama à antiga, absolutamente imperdível. Incrível, como em poucos filmes Todd Haynes se revelou um dos mais notáveis e versáteis realizadores americanos da actualidade.
ResponderEliminarARMINDO PAULO FERREIRA: Obrigado ;) Em suma, partilho inteiramente da tua opinião e estamos, uma vez mais, em sintonia.
MAYARA BASTOS: Muito bem estruturada e Julianne ganha uma aura de diva! Grande papel, num filmaço daqueles.
Cumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «