sexta-feira, 17 de setembro de 2010

KUNDUN (1997)

PONTUAÇÃO: EXCELENTE
★★★★★
Título Original: Kundun
Realização: Martin Scorsese
Principais Actores: Tenzin Thuthob Tsarong, Gyurme Tethong, Tulku Jamyang Kunga Tenzin, Tenzin Yeshi Paichang, Tsewang Migyur Khangsar, Tencho Gyalpo, Sonam Phuntsok, Gyatso Lukhang, Tenzin Trinley, Jigme Tsarong, Robert Lin

Crítica:

A RODA DO TEMPO
E O GRANDE SILÊNCIO

I am a reflection, like the moon, on water.
When you see me, and I try to be a good man, see yourself.


Sob o espectro da eternidade, ao longo do qual a natureza renasce e reincarna, ciclicamente, os budistas acreditam no nirvana, um estado sublime de pureza e de libertação, no qual as almas superam a existência, os sentidos e o material e atingem a paz absoluta no imaterial. Só a meditação e a introspecção, no grande silêncio e na serenidade deles próprios, lhes permitirá essa iluminação. Kundun não é senão um épico visionário e magistral, dotado de uma sensibilidade extraordinária, que nos conduz pela transcendência dessa espiritualidade.

O estilizado argumento de Melissa Mathison conta-nos a história de Tenzin Giatso, a criança que, com apenas dois anos e meio, foi encontrada e escolhida para liderar os deveres religiosos e políticos do seu país, o Tibete, e que desde então se apresentou ao mundo como o sucedâneo de uma adorada e inspiradora linhagem: a linhagem do Dalai Lama.

I will liberate those not liberated. I will release those not released. I will relieve those unrelieved. And set living beings in nirvana.
Dalai Lama

Tenzin Giatso cresce entre os monges, no Palácio de Potala, desde os tempos em que foi encontrado em criança e nos quais não teve oportunidade, efectivamente, para ser criança (I am only a boy); ressoam as reminiscências de O Último Imperador, de Bertolucci. Tenzin torna-se um estudioso e um pensador erudito, fascinado por sapatos, cinema e por todas as invenções do ocidente às quais tem acesso, e um representante máximo da não-violência. Dalai Lama doesn't believe in war. Quando a ameaça comunista da China de Mao Tse-Tung reclama o Tibete como parte integrante do seu território e impõe a guerra, a missão de zelar pela espititualidade e pela paz de um mundo em sangue revela-se tremendamente dificultada. O império chinês intensifica a opressão, o conflito invade as suas fronteiras, alastrando-se na sua moral e consciência.

Religion is poison. It undermines the race and it retards the progress of the people. Tibet has been poisoned by religion.
Mao Tse-Tung

Tibet has never been part of China. We are different races. We are different cultures. We need change, we know that. But we could do it alone. We were just about to do it alone. (...) If we agree that we are part of China, nothing else will matter. Not trade, not defense. We will be lost.
Dalai Lama

Como lutar com um inimigo quando a nossa religião tem como arma apenas e só o silêncio e a meditação? A menos que deles resulte a acção essencial, o entendimento entre os diferentes povos não será possível. Às tantas, só o exílio lhe é possível, em Dharamsala, na Índia. A profundidade da história, essa, sentimo-a a cada instante.

Kundun atinge níveis de uma perfeição técnica aos quais raríssimas obras se poderão igualar. A fotografia de Roger Deakins, por exemplo, é de uma beleza não só impressionante e desarmante como de cortar a respiração, verdadeiramente. É como poesia pintada a ouro. Por vezes, ecoa Kurosawa na composição do plano. A banda sonora de Philip Glass é absolutamente magnífica e lança-nos um feitiço inesquecível. Como uma melopeia, plena de harmonia e en
volvência, une-se com o genial trabalho de montagem de Thelma Schoonmaker na criação de uma cadência hipnótica, que nos inebria durante toda a experiência e que faz com que a estrutura episódica do argumento flua com virtuosa densidade poética. Poesia, poesia, poesia. O guarda-roupa e todos os cenários (Dante Ferretti) são de um detalhe, exuberância e requinte notáveis - daí o filme reclamar uma autenticidade poucas vezes conseguida - e a câmera de Scorsese, por fim, num movimento contínuo e inspirado, atinge momentos de uma subtileza, maturidade e simbolismo assinaláveis. Note-se, a respeito do simbolismo, toda a carga semântica que a construção e destruição daquela colorida mandala, já no final, potencia.

É neste Kundun, um dos filmes menos citados do mestre Martin Scorsese, curiosamente, que encontro a plenitude da excelência e o reflexo da genialidade. Creio que será porventura numa obra como esta que Scorsese concretiza a expiação da violência que tão frequentemente assombra os seus filmes. Pessoalmente, considero Kundun um dos seus melhores filmes. Puro deleite cinematográfico, do melhor cinema que pode existir.

14 comentários:

  1. O filme mais inesperado de Martin Scorsese, e absolutamente imperdível. Fico a aguardar a crítica :)

    Abraço.

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  2. Oi Roberto,

    Belo filme, concordo com Sam inesperado, mas bonito e imperdível...

    Abraços

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  3. Um Scorsese completamente diferente do restante da carreira, mas com a qualidade do trabalho intacto.

    Ótimo filme, de uma beleza plástica imperdível e uma história que todos deveriam conhecer.

    Abraço

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  4. É um Scorsese inusitado, vamos ver o que dirá sobre o filme.

    Abs!

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  5. SAM: E, talvez por isso, um dos que mais gosto dele. Gostava mesmo que Scorsese fizesse mais épicos destes.

    DAN: Belíssimo! ;)

    HUGO: Sim, sim, Completamente. Foi um filme que já não revia há muitos anos e que me arrebatou completamente. Quando acabei de ver o filme, pensei para comigo mesmo: "podia morrer agora, que morria feliz". Excelente filme.

    PEDRO HENRIQUE: Inusitado, sim, raro em toda a filmografia do Scorsese. Mas, de igual modo, dos mais refinados.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  6. Concordo Excelente Filme..

    P.S - deixo aqui alguns filmes que podem ser interessantes para reviews:

    Funny Games 1997
    Aguirre, der Zorn Gottes 1972
    Spoorloos 1988
    O Cheiro do Ralo 2006
    Das Leben der Anderen 2006
    Doctor Zhivago 1965
    Ed Wood 1994
    Glengarry Glen Ross 1992
    Little Children 2006
    Lolita 1962
    Mar Adentro 2004
    Memories of Murder 2003
    Serpico 1973
    Seven Pounds 2008
    The Counterfeiters 2007
    The Day of the Jackal 1973
    The Fall 2006
    The Game 1997
    The Omen 1976
    The People vs Larry Flynt 1996



    Deep Water 2006
    Home 2009
    Planet Earth 2006
    The Cove 2009
    Touching the Void 2003

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  7. ALEX: Estamos então de acordo em relação ao filme. Quanto às recomendações, agradeço-as. Conheço muitos desses filmes, efectivamente, sendo que obras como THE FALL, FUNNY GAMES ou LITTLE CHILDREN já estão criticadas neste blogue.

    Volte sempre.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  8. Nunca vi, possivelmente pelo tema não me ser muito apelativo. Vou ver se o encontro um dia destes, de preferência em blu-ray

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  9. RATO: Acredito seriamente que vais gostar bastante do filme. Em Blu-ray então, e dada as suas potencialidades visuais, deve ser ainda mais extraordinário ;)

    Cumps.
    Roberto Simões
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  10. Preciso rever este, acho um filme "menor" do Scorsese. Bom, mas esperava mais.

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  11. WALLY: Não estamos de acordo. Não considero KUNDUN um dos menores, mas sim um dos maiores e melhores. BRINGING OUT THE DEAD, esse sim, é um filme menor, apesar da sua qualidade evidente, mas em comparação com os títulos da sua restante carreira não está ao mesmo nível.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  12. Muito surpreendente de facto! Não esperava nada gostar tanto do filme, superou imenso as minhas expectativas. Mais que recomendável ;)

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  13. Z5: Muito obrigado ;) Volte sempre.

    SARAH: Também a mim me surpreendeu imenso. Arrebatou-me por completo. Que pedaço de arte!

    Cumps.
    Roberto Simões
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