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Título Original: Det sjunde insegletRealização: Ingmar Bergman
Principais Actores: Max von Sydow, Gunnar Björnstrand, Bengt Ekerot, Nils Poppe, Bibi Andersson, Åke Fridell, Maud Hansson, Gunnel Lindblom
Crítica:
Quem és tu?
O JOGO DE XADREZ
Sou a Morte.
Passada uma década de sangrentas e distantes cruzadas, o cavaleiro Antonius Block (Max von Sydow) torna a casa. Na viagem de regresso, encontra um país assolado pela peste e pelo medo, pela superstição e pela repressão da Igreja. O cenário é o dos Dias do Fim. O Apocalipse, anunciado na Bíblia, parece ter chegado. Na praia, enquanto medita a existência, cruza-se um dia com a imponente e altiva figura de negro: a própria Morte acabara de aparecer, tencionando levá-lo para sempre. O cavaleiro propõe-lhe, contudo, uma partida de Xadrez. A condição é continuar a viver se a derrotar, pois gostaria de descobrir, antes de partir, o real sentido da vida. A Morte, segura de si, aceita o desafio e permite-lhe um adiamento.
Quero confessar-me, mas tenho o coração vazio - confessa o cruzado. - Vazio, como um espelho virado para a minha própria cara. Vejo a minha imagem e sinto nojo e medo. Pela minha indiferença para com os meus semelhantes, fui marginalizado quanto ao companheirismo. Agora vivo num mundo assombrado, prisioneiro dos meus sonhos e fantasias.
Quero obter o Conhecimento. (...) É tão inconcebível chegar a Deus apenas pelos sentidos. Porque é que ele se esconde numa atmosfera de promessas vagas e de milagres invisíveis? Como podemos ter fé nos fiéis, se não a temos em nós próprios? Que acontecerá àqueles que não podem ter fé ou àqueles que não a querem ter? Porque não posso eu destruir o Deus que há em mim? Porque é que Ele vive em mim, penosa e humilhantemente, ainda que O maldiga e O queira arrancar do coração? Porque é que, apesar de tudo, Ele é uma realidade para mim? (...) Não quero fé, nem presunção, mas Conhecimento. Quero que Deus me estenda a mão, se mostra e me fale.
Há que criar uma imagem do nosso medo e chamar-lhe Deus. (...) A minha vida tem sido de perseguição, caça e movimento, de conversas sem significado ou sentido. Tem sido um nada.
Quero obter o Conhecimento. (...) É tão inconcebível chegar a Deus apenas pelos sentidos. Porque é que ele se esconde numa atmosfera de promessas vagas e de milagres invisíveis? Como podemos ter fé nos fiéis, se não a temos em nós próprios? Que acontecerá àqueles que não podem ter fé ou àqueles que não a querem ter? Porque não posso eu destruir o Deus que há em mim? Porque é que Ele vive em mim, penosa e humilhantemente, ainda que O maldiga e O queira arrancar do coração? Porque é que, apesar de tudo, Ele é uma realidade para mim? (...) Não quero fé, nem presunção, mas Conhecimento. Quero que Deus me estenda a mão, se mostra e me fale.
Antonius adopta, pois, um forte e determinado posicionamento crítico, questionando os alicerces e as fundações da fé. Denota, por isso, uma tremenda angústia existencial. Creio que é compreensível: durante anos batalhou em nome da cruz e da religião dos Homens, mas nunca teve provas do divino. Que evidências sustentarão a sua atitude e justificarão os actos que praticou? Que absolvição terá? Afinal, muitas foram as vezes em que chamou por Deus na escuridão. O infindável e misterioso Silêncio foi a única resposta que sempre obteve.
Há que criar uma imagem do nosso medo e chamar-lhe Deus. (...) A minha vida tem sido de perseguição, caça e movimento, de conversas sem significado ou sentido. Tem sido um nada.
(...) Não se pode viver enfrentando a Morte, sem possuir qualquer conhecimento.
Mal sabia o cavaleiro que o ouvinte do outro lado era traiçoeiro e desonesto. A Morte perseguia-o e procurava escutar a sua estratégia de jogo. Quantas vezes mais não teria a sua esperteza que superar a da Morte para conseguir vencer a partida? Ou melhor, seria possível alguma vez levar a melhor sobre a Morte? Qual Dom Quixote, também a sua viagem será de perguntas e respostas, de profundas indagações teológicas e filosóficas. E qual personagem quixotesca, também o contraponto deste plano etéreo se fará, a jeito de comic relief, com um terreno e pragmático Sancho Pança, cheio de graça e de bom humor:
Von Sydow, Bengt Ekerot e cada elemento do elenco secundário é absolutamente excepcional. Grandes performances, grande história. Notas especiais para o subtil trabalho de montagem (Lennart Wallén), para a imprescindível banda sonora (Erik Nordgren), para a extraordinária concepção cénica (P.A. Lundgren) e para o incrível preto e branco (Gunnar Fischer).
O Conhecimento em vida far-se-á apenas pela máxima horaciana carpe diem; é esse o único conhecimento do qual o cavaleiro se apercebe: regido por tamanho princípio, cada momento da sua vida valerá muito mais e saberá muito melhor, que nem morangos silvestres no alto de uma colina, ao entardecer. Nada irrita mais a Morte do que um sorriso sincero ou a ideia de um dia bem passado. O fim de todas as coisas, esse, é inevitável e tudo o resto jamais será atingido. A Ceifeira ou o ser metafórico, como é chamado uma vez por uma das personagens, espera-nos a todos, mais tarde ou mais cedo - e, sabemo-lo, os peões são mesmo os mais susceptíveis ao adeus da partida. Seguem-se-lhes as torres, os cavalos e os bispos, a rainha e o rei. À eternidade somente ascendem os artistas, como preconiza o magnífico final, pleno de simbolismo. Para esses, o jogo far-se-á no Tempo que há-de vir. Talvez por isso não constem artistas no jogo de Xadrez.
O Sétimo Selo transcende, igualmente, qualquer partida do Tempo e da Morte. É eterno e uma das obras máximas do cinema mundial. De uma sublimidade inquestionável. Xeque-mate.
Sou o escudeiro Jons. Escarneço da Morte, rio-me de nosso Senhor e de mim próprio e sorrio para as raparigas! (...) As cruzadas são um disparate, só um tolo ou um idealista as poderia ter inventado.
A obra-prima de Ingmar Bergman equilibra-se magistralmente sobre estas duas dimensões: de um lado o erudito, o filosófico, o existencial, de outro o mundano e as trevas da ignorância, de quem quer simplesmente viver - há quem se divirta entre o álcool e as mulheres das estalagens, quem cante e dance até cair de cansaço, quem ceda ao pranto e às lamúrias, quem roube os mortos e quem queime as bruxas e quantos dormem com o diabo, como se pelo fogo purificassem o espírito dos profanos. Morreremos todos com a Peste Negra: é esse o castigo de Deus e é esse o augúrio dos monges profetas, que se aproveitam das gentes espalhando o medo e o terror. Os populares interiorizam-no sem cepticismos, deleitando-se no pecado e nos prazeres da vida. As suas sepulturas abrir-se-ão, com o tempo. E tanto para Antonius Block como para as outras personagens, os encontros com a Morte suceder-se-ão, muitas vezes definitivos.Von Sydow, Bengt Ekerot e cada elemento do elenco secundário é absolutamente excepcional. Grandes performances, grande história. Notas especiais para o subtil trabalho de montagem (Lennart Wallén), para a imprescindível banda sonora (Erik Nordgren), para a extraordinária concepção cénica (P.A. Lundgren) e para o incrível preto e branco (Gunnar Fischer).
O Conhecimento em vida far-se-á apenas pela máxima horaciana carpe diem; é esse o único conhecimento do qual o cavaleiro se apercebe: regido por tamanho princípio, cada momento da sua vida valerá muito mais e saberá muito melhor, que nem morangos silvestres no alto de uma colina, ao entardecer. Nada irrita mais a Morte do que um sorriso sincero ou a ideia de um dia bem passado. O fim de todas as coisas, esse, é inevitável e tudo o resto jamais será atingido. A Ceifeira ou o ser metafórico, como é chamado uma vez por uma das personagens, espera-nos a todos, mais tarde ou mais cedo - e, sabemo-lo, os peões são mesmo os mais susceptíveis ao adeus da partida. Seguem-se-lhes as torres, os cavalos e os bispos, a rainha e o rei. À eternidade somente ascendem os artistas, como preconiza o magnífico final, pleno de simbolismo. Para esses, o jogo far-se-á no Tempo que há-de vir. Talvez por isso não constem artistas no jogo de Xadrez.
O Sétimo Selo transcende, igualmente, qualquer partida do Tempo e da Morte. É eterno e uma das obras máximas do cinema mundial. De uma sublimidade inquestionável. Xeque-mate.
O meu preferido é o Persona, mas num top 3 tinha lugar com o Morangos Silvestres. Mais uma obra-prima ;)
ResponderEliminarSão os 3 mais míticos do realizador.
ResponderEliminarO meu preferido também é o Persona, que aliás já disse muitas vezes estar no meu top3 ever.
Mas este também é grande, um portento de filme!
O jogo de xadrez com a Morte é daquelas imagens eternas do Cinema.
ResponderEliminarÁLVARO MARTINS: É o meu primeiro filme de Bergman. Amei, amei, amei. Espero surpreender-me com a mesma intensidade e encontrar tamanhas relíquias, das próximas vezes. Grande filme.
ResponderEliminarNEUROTICON: Um portento, realmente. Assombroso.
BACK ROOM: ... ... Completamente. Um filme que me extasiou como poucos...
Cumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
Então continua Roberto, porque Bergman é quase todo assim, cinema existencial. O cinema europeu tem tantas obras-primas que merecem ser vistas e revistas, tanto filme muito melhor que tanta americanada. O que é preciso é libertarmo-nos do preconceito de ver cinema não-americano. E o asiático também, o sul-americano começa a dar cartas, etc ;)
ResponderEliminarÁLVARO MARTINS: Mas com certeza. Eu sei disso. Não sou dos que tem o preconceito, sou daqueles cuja estrada chegou até aqui agora, naturalmente. Cada um com o seu caminho, a seu tempo ;)
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
CINEROAD – A Estrada do Cinema
Não disse que tinhas esse preconceito Roberto, aliás, está-se a notar pelo cinema que ultimamente tens visto ;)
ResponderEliminarFoi mais um desabafo, sei lá...
ÁLVARO MARTINS: Pois compreendo-te. Mas olha que já há muito e não só ultimamente que nomes como Almodóvar, Lars Von Trier, Jeunet, Fellini, Kar Wai, Chan-Wook Park, Rohmer, Haneke, Tornatore, Meirelles, Steve McQueen, Kusturica, Ang Lee, Zhang Yimou, Kurosawa, Bertolucci, Tati ou Miyazaki, entre outros, engrossam a lista de críticas do blogue. A descoberta continua... sempre.
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
CINEROAD – A Estrada do Cinema
Eu acho que mais do que ver cinema não americano deve ver-se cinema!
ResponderEliminarDeve apreciar-se a arte pelo que é, o bom pelo bom e distinguir-se do mau!
Cinema bom não pode ter conotações geográficas, isso é DEMASIADO redutor!
Artistas há-os em todo o lado :)
NEUROTICON: Pois, com certeza!
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
CINEROAD – A Estrada do Cinema
Por vezes chega-se ao extremo de rejeitar tudo o que é americano, norte-americano neste caso, e isso acaba por não ser justo para com tantos e tão bons filmes que Hollywood oferece. Nem sempre nos chegam as grandes obras. Chegam-nas as menos boas,as fracas. Cabe a cada um saber identificar. Afinal, estamos a falar das ramificações da Golden Era, de uma altura em que o cinema norte americano influenciou meio mundo, influenciou a nouvelle vague, o neo realismo, Kurosawa, Cluzout, e tantos tantos outros realizadores europeus e asiáticos. E claro, nem tudo o que não é americano é bom. Existem filmes franceses, alemães, coreanos, japoneses, argentinos... péssimos que nem sequer merecem o nosso tempo.
ResponderEliminarAcima de tudo é preciso haver moderação e aí concordo com o Neuroticon quando nos diz sabiamente "Cinema bom não pode ter conotações geográficas, isso é DEMASIADO redutor!".
Há espaço para tudo e todos. O cinema começou como entretenimento e dentro desse entretenimento pode haver arte (só para mencionar um exemplo norte-americano, veja-se Paul Thomas Anderson). Nem sempre a intelectualidade representa qualidade. Woody Allen mostra-nos isso mesmo.
Como referi, há espaço para tudo. Cabe ao cinéfilo (ou pelo menos ao que se entende como tal) perceber isso mesmo, alargar horizontes e a partir descobrir a sua essência.
Fugi ao tópico da fita (que já agora aproveito para referir ser um filme notável) mas foi também "um desabafo".
É um filme muito bom mesmo!! Adoro-o. Engraçado, só vi os preferidos do Álvaro, há já algum tempo, e consigo dizer-te com segurança que Persona é uma obra que te vai deixar abismado. É, eu sei lá..., a síntese de um grande cineasta que nos deu muitos e bons filmes, que mais temos de ver, Roberto. Olha, aproveito para te dizer (o meu tempo escasseia ultimamente...) que gostei muito dos teus textos do Andrei Rublev e d'A Infância. Fogo, até me emocionei. Andrei Tarkovsky é aquele cineasta intemporal, que me disse aquilo que fui procurando durante tempos. Bergman é um desses, também. Fico atento ao Cineroad, e estou feliz pelas tuas descobertas, depois voltarei mais activo eheh :D
ResponderEliminarAbraços e bons filmes
FILIPE COUTINHO: Estou de acordo contigo. Mais um testemunho sensato.
ResponderEliminarFLÁVIO GONÇALVES: Até te emocionaste? ;$ Muito me lisonjeias, fico contente que tenhas gostado. Têm sido grandes descobertas, atenderei a PERSONA nos próximos tempos, certamente. Obrigado ;)
Gostaria de contar com comentários teus ao A INFÂNCIA DE IVAN e ao ANDREI RUBLIOV, fica então para quando tiveres mais tempo; sei que viste os filmes, ficaríamos desse modo com os teus testemunhos imprescindíveis.
Cumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
O que na verdade me espanta, caro Roberto, é constatar que alguém que fala tão apaixonamente desta obra-prima intemporal (belissimo naco de prosa por sinal, parabéns) goste também muito de produtos "pirotécnicos" como o tal dos aneis.
ResponderEliminarEnfim, nada que o tempo não se encarregue de colocar nos devidos eixos.
RATO: Como imaginas, poderia facilmente dizer-te o mesmo, mas não me fica bem ;) Não gostava que encarasses a minha apreciação sobre O SENHOR DOS ANÉIS como uma prova de insensatez ou de irreflexão, porque não o é. Aliás, se fores parar a outras críticas que escrevi, constatarás que teremos muitos mais gostos em comum. Mas na verdade tenho um gosto pessoal muito eclético que não descura, jamais, os meus valores do que é ou não digno de qualidade. Jamais te direi que "nunca" mudarei de ideias seja sobre o que for - isso sim seria insensato da minha parte. O que queria deixar bem claro é a minha capacidade de reconhecer qualidade tanto a este O SÉTIMO SELO, por exemplo, e a uma trilogia como O SENHOR DOS ANÉIS. Tudo isto depende das formas de expressão que aceitamos como arte. E é por aí que nos diferenciamos, provavelmente. Ou certamente. Se verificares toda a minha lista total de críticas, aliás, perceberás que nem são muitos os filmes com muitos efeitos especiais. O SENHOR DOS ANÉIS é muito mais do que os efeitos especiais. Se não estás aberto às possibilidades desse tipo de arte, jamais poderemos concordar. E enfim ;) Não haverá muito mais a acrescentar sobre o assunto, creio.
ResponderEliminarQuanto a este O SÉTIMO SELO, estamos absolutamente de acordo. Uma obra-prima. "Intemporal"? Julgo que sim.
Obrigado pelo elogio e pelo comentário.
Cumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
Obrigatório a qualquer cinéfilo que se preze.
ResponderEliminarJMAbreu
É indubitavelmente um naco de cinema de se lhe tirar o chapéu. Do início ao fim são vários os pensamentos, as reflexões e as conclusões, seja através dos diálogos ou de pequenos acontecimentos. É arte na narrativa pura e simplesmente.
ResponderEliminarDepois tem ainda e como referes uma fotografia, um trabalho de realização e interpretações magníficas. Acho que talvez a banda sonora podia ter sido mais explorada, sobretudo com a presença de tamanha figura negra em várias cenas.
Em suma, gostei, talvez não tanto como tu, a ver pela nota e respectiva crítica. Mas enfim, esta não é uma obra para se adorar na primeira visualização. É necessário depurá-la, entendê-la e com isso ir apreciando pouco a pouco e cada vez mais. Como primeiro contacto com Bergman gostei bastante. O esforço e a concentração ao longo da película são grandes, mas no fim a recompensa é gigantesca.
abraço