★★★★★
Título Original: Yadon ilaheyya Realização: Elia Suleiman
Principais Actores: Elia Suleiman, Manal Khader, Nayef Fahoum Daher
Crítica:
A TRAGICOMÉDIA
DE DEUS E DOS HOMENS
DE DEUS E DOS HOMENS
Deus esqueceu-se dos Homens e os Homens enlouqueceram. Entre Israel e a Palestina, o conflito perdura há tanto tempo que não há mais esperança de paz, de coexistência pacífica e muito menos de Paraíso. O medo extinguiu as hipóteses de humanidade e o absurdo apoderou-se da realidade quotidiana. Apesar da seriedade e da sensibilidade que o tema exige, é preciso sabermos rir-nos de nós próprios. E é certo que o absurdo inspira e potencia o humor, do mais satírico e genuíno. Pois bem, é essa a fonte e a razão de ser deste magnífico Intervenção Divina, pelas mãos de Elia Suleiman, ele próprio israelo-palestino. Absolutamente brilhante, inteligente e provocador, de resoluções narrativas irreverentes e desconcertantes e dotado de uma imagética poderosíssima, o filme revela-se uma surpreendente e admirável obra de mestre.
Jerusalém é tomada pela loucura. Uma série de sequências mirabolantes concretiza a hipérbole de uma civilização assombrada por ódios culturais: um homem desempenha a tarefa épica de abrir a sua correspondência, carta por carta, um outro, que nem o diabo, é obececado pelo número 6, há um velho que colecciona garrafas de cerveja vazias no terraço, outros dois que, inalteráveis, assistem a tudo o que se passa com a maior atenção, há um homem que atira o lixo para o jardim do vizinho, há uma mulher que, por mania, aglomera a lenha do seu quintal, há um jovem que corre as ruas dando toques numa bola, há quem espere um autocarro que sabe que não vem, há carros mal-estacionados, obras públicas que importunam a consciência alheia, um povo altamente viciado em tabaco, mesmo que na cama do hospital, e que acena na rua sem trocar palavras, mas que se ofende mutuamente no silêncio. Enfim, nem o Pai Natal escapa a este devaneio colectivo, perseguido e assassinado nos campos da Nazaré.
Este é o estranhíssimo contexto para Uma Crónica de Amor e Sofrimento (como o subtítulo adianta) - a história do romance, senão impossível pelo menos improvável, entre o israelita E.S. e uma lindíssima mulher palestina. De notar que E.S. são as iniciais do próprio realizador e argumentista, Elia Suleiman, que também protagoniza o filme; detalhe que não é de todo ocasional, como é evidente. Intervenção Divina é um filme riquíssimo em simbologias, nem sempre de fácil descodificação. Um estacionamento na fronteira entre Jerusalém e Ramallah é o único local onde os dois amantes podem ter algum contacto, ainda que o desejo se fique apenas pelo intenso toque de mãos. Todavia, nem o único local para os encontros é perfeito. A poucos metros dali, com uma brutalidade e autoridade arrogante e abusiva, vários tropas inspeccionam os viajantes e os civis que transitam entre as duas regiões.
Formalmente eclética, Intervenção Divina caracteriza-se, grosso modo, pelas suas cenas demoradas e repetitivas, plenas de silêncios humanos, filmadas em planos estáticos e com uma mise en scène de minúcia e detalhe. A fotografia de Marc-André Batigne é, aliás, verdadeiramente excepcional e a arte de filmar e de abordar a comédia faz-se ao jeito hilariante de Jacques Tati. Mas há também todo um lado surreal, marcadamente ritmado pelas sonoridades de Mirwaise, Natacha Atlas, Mohammed Abdel Wahab, Amon Tobin, A. R. Rahman, entre outros. Um caroço basta para fazer explodir um tanque de guerra. Um andar de mulher, pleno de sensualidade, faz suspender as atenções dos guardas e inebriá-los em delicadeza. A mesma mulher que, qual Deus ex machina, transvia as balas inimigas numa milagrosa intervenção, arrumando os inimigos como ninjas de uma sequência de artes marciais, com efeitos especiais à la Matrix. Um balão vermelho, com o busto de Yasser Arafat, atravessa a fronteira e esvoaça pelo éter da poesia e dos prodígios semânticos, naquela que é, porventura, a sequência mais genial e erudita de toda a obra.
Nota especial para a cena final que, talvez melhor do que qualquer outra, metaforiza a explosiva situação vivida no Médio Oriente: mãe e filho esperam, sentados calmamente num sofá, que uma panela de pressão rebente ao lume. Excelente metáfora!...
Mais palavras para quê? Grande, grande filme. Politicamente mordaz, artisticamente sublime e humanamente audaz. Conquistou-me por inteiro.
Este é o estranhíssimo contexto para Uma Crónica de Amor e Sofrimento (como o subtítulo adianta) - a história do romance, senão impossível pelo menos improvável, entre o israelita E.S. e uma lindíssima mulher palestina. De notar que E.S. são as iniciais do próprio realizador e argumentista, Elia Suleiman, que também protagoniza o filme; detalhe que não é de todo ocasional, como é evidente. Intervenção Divina é um filme riquíssimo em simbologias, nem sempre de fácil descodificação. Um estacionamento na fronteira entre Jerusalém e Ramallah é o único local onde os dois amantes podem ter algum contacto, ainda que o desejo se fique apenas pelo intenso toque de mãos. Todavia, nem o único local para os encontros é perfeito. A poucos metros dali, com uma brutalidade e autoridade arrogante e abusiva, vários tropas inspeccionam os viajantes e os civis que transitam entre as duas regiões.
Formalmente eclética, Intervenção Divina caracteriza-se, grosso modo, pelas suas cenas demoradas e repetitivas, plenas de silêncios humanos, filmadas em planos estáticos e com uma mise en scène de minúcia e detalhe. A fotografia de Marc-André Batigne é, aliás, verdadeiramente excepcional e a arte de filmar e de abordar a comédia faz-se ao jeito hilariante de Jacques Tati. Mas há também todo um lado surreal, marcadamente ritmado pelas sonoridades de Mirwaise, Natacha Atlas, Mohammed Abdel Wahab, Amon Tobin, A. R. Rahman, entre outros. Um caroço basta para fazer explodir um tanque de guerra. Um andar de mulher, pleno de sensualidade, faz suspender as atenções dos guardas e inebriá-los em delicadeza. A mesma mulher que, qual Deus ex machina, transvia as balas inimigas numa milagrosa intervenção, arrumando os inimigos como ninjas de uma sequência de artes marciais, com efeitos especiais à la Matrix. Um balão vermelho, com o busto de Yasser Arafat, atravessa a fronteira e esvoaça pelo éter da poesia e dos prodígios semânticos, naquela que é, porventura, a sequência mais genial e erudita de toda a obra.
Nota especial para a cena final que, talvez melhor do que qualquer outra, metaforiza a explosiva situação vivida no Médio Oriente: mãe e filho esperam, sentados calmamente num sofá, que uma panela de pressão rebente ao lume. Excelente metáfora!...
Mais palavras para quê? Grande, grande filme. Politicamente mordaz, artisticamente sublime e humanamente audaz. Conquistou-me por inteiro.
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De resto, ficam - num aparte - os desejos para que Deus, se é que existe, desperte e intervenha, realmente. O quanto antes, se possível. E se não for pedir muito.
De resto, ficam - num aparte - os desejos para que Deus, se é que existe, desperte e intervenha, realmente. O quanto antes, se possível. E se não for pedir muito.
Não conhecia esse filme. Seu texto certamente me intrigou.
ResponderEliminarAinda não vi, e sou-te sincero, comprei-o sem grandes expectativas. Mas pode ser que me surpreenda como a ti ;)
ResponderEliminarWALLY: Assista, é um grande, grande filme. Vale muito a pena ;)
ResponderEliminarÁLVARO MARTINS: Também eu o comprei sem grandes expectativas. Só o aspecto da capa... Não sei se gostarás tanto do filme como eu, mas tenho a certeza de que vais gostar.
Cumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
Mesmo. Darei em breve uma oportunidade. Gostei de ler o texto :)
ResponderEliminarFLÁVIO GONÇALVES: Ainda bem ;) Vais gostar, certamente. Bom filme!
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «