★★★★★
Título Original: Hable Con EllaRealização: Pedro Almodóvar
Principais Actores: Javier Cámara, Dario Grandinetti, Rosario Flores, Leonor Watling, Geraldine Chaplin
Crítica:
O BAILADO
Da morte emerge a vida. Do masculino emerge o feminino. Do terreno emerge (...)
o etéreo. O impálpável. O fantasmagórico.
Fala com Ela é, provavelmente, a mais lírica das obras de Almodóvar: uma dança vibrante, imersa em sentimento, com sede de infinito. Na verdade, consiste num bailado: o primeiro passo é dado ao som de The Fairy Queen, de Purcell, pela consagrada Pina Baush. Os restantes passos ressoam em movimentos inesperados com os avanços imprevisíveis do argumento. Os pares são formados por Marco, Lydia, Benigno e Alicia. Não importa que os elementos femininos se percam no abismo do sono profundo: o estado de coma. Mesmo de corpo imóvel, a dança far-se-á. Afinal, o cérebro das mulheres é um mistério, ainda mais neste estado, garante o dedicado Benigno.
É tão curiosa como interessante a representação da mulher nesta obra do realizador. Em Fala com Ela, a mulher prescinde da sua imagem sensual e sexual: Lydia é toureira engravatada e enfrenta destemidamente a besta, que nem um homem. Alicia, embora pratique ballet, não passa de um corpo despido que aguarda, no desconhecido, o desconhecido. Aqui, as mulheres ou se encontram desesperadas ou corroídas pelo destino. Transfiguradas pela dança.
Já a imagem do homem, como habitual em Almodóvar, carece de todo e qualquer machismo. Benigno é introvertido na sua sexualidade (latentes estão as suas preferências sexuais) e vive assumida e intensamente apaixonado pela paciente. Marco é de lágrima fácil, revelando uma exacerbada sensibilidade. São homens de sentimentos e, tal como as mulheres para a sua convencional representação, rejeitam qualquer estereótipo da figura masculina - o que nos leva a destacar a ausência clara de diferenciadores sexuais: são puras figuras humanas que amam e querem ser amadas e que tentam evitar a solidão. São, afinal, bailarinos deste grande espectáculo que é a vida, e para o qual é imprescindível um par.
O par é, note-se, um tópico fundamental nesta obra. São sucessivas as referências, a jeito de legenda, aos pares: Marco y Lydia, Alicia y Benigno, Marco y Alicia. Os pares mudam consoante as reviravoltas da vida, proporcionadas pela dança existencial do caos. Só entre pares é possível o diálogo. Habla con ella, recomenda o enfermeiro.
Outro elemento importante na análise do argumento, magnífico em toda a sua densidade criativa, é o papel do tempo: há avanços consecutivos e por meio das elipses a narrativa avança. Outras vezes recua, por meio de analepses, para uma maior compreensão da história. Há espaço, ainda, para uma breve incursão pelo cinema mudo, magistralmente orquestrado por Alberto Iglesias, onde sobressai a fulgurante obsessão pelo corpo e o erotismo inerente. Quando Benigno possui Alicia e a desperta do coma, a ética humana é posta em causa e, ao mesmo tempo, o caos como agente positivo é tomado em forte consideração. Enfim, reflexões extremamente pertinentes. Dotado de uma palete reduzida, onde abundam o vermelho, o laranja e o azul, há que destacar ainda a simples mas eficiente mise-en-scène.
Hipnótico, comovedor e encantador, Fala Com Ela é cinema em grande, onde o profundamente íntimo ascende, por identificação, ao plano universal.
É tão curiosa como interessante a representação da mulher nesta obra do realizador. Em Fala com Ela, a mulher prescinde da sua imagem sensual e sexual: Lydia é toureira engravatada e enfrenta destemidamente a besta, que nem um homem. Alicia, embora pratique ballet, não passa de um corpo despido que aguarda, no desconhecido, o desconhecido. Aqui, as mulheres ou se encontram desesperadas ou corroídas pelo destino. Transfiguradas pela dança.
Já a imagem do homem, como habitual em Almodóvar, carece de todo e qualquer machismo. Benigno é introvertido na sua sexualidade (latentes estão as suas preferências sexuais) e vive assumida e intensamente apaixonado pela paciente. Marco é de lágrima fácil, revelando uma exacerbada sensibilidade. São homens de sentimentos e, tal como as mulheres para a sua convencional representação, rejeitam qualquer estereótipo da figura masculina - o que nos leva a destacar a ausência clara de diferenciadores sexuais: são puras figuras humanas que amam e querem ser amadas e que tentam evitar a solidão. São, afinal, bailarinos deste grande espectáculo que é a vida, e para o qual é imprescindível um par.
O par é, note-se, um tópico fundamental nesta obra. São sucessivas as referências, a jeito de legenda, aos pares: Marco y Lydia, Alicia y Benigno, Marco y Alicia. Os pares mudam consoante as reviravoltas da vida, proporcionadas pela dança existencial do caos. Só entre pares é possível o diálogo. Habla con ella, recomenda o enfermeiro.
Outro elemento importante na análise do argumento, magnífico em toda a sua densidade criativa, é o papel do tempo: há avanços consecutivos e por meio das elipses a narrativa avança. Outras vezes recua, por meio de analepses, para uma maior compreensão da história. Há espaço, ainda, para uma breve incursão pelo cinema mudo, magistralmente orquestrado por Alberto Iglesias, onde sobressai a fulgurante obsessão pelo corpo e o erotismo inerente. Quando Benigno possui Alicia e a desperta do coma, a ética humana é posta em causa e, ao mesmo tempo, o caos como agente positivo é tomado em forte consideração. Enfim, reflexões extremamente pertinentes. Dotado de uma palete reduzida, onde abundam o vermelho, o laranja e o azul, há que destacar ainda a simples mas eficiente mise-en-scène.
Hipnótico, comovedor e encantador, Fala Com Ela é cinema em grande, onde o profundamente íntimo ascende, por identificação, ao plano universal.
É, talvez para mim, o filme mais diferente de Almodóvar. Talvez até o que mais se distancia do estilo do realizador, mas que resulta numa agradável surpresa. Um excelente e comovente filme. Muito, muito bom. Tem um problema: se não me dizessem que era de Almodóvar, eu não acreditava.
ResponderEliminarFilme excelente do Almodovar, um dos meus favoritos dele!
ResponderEliminarAbs! Diego!
Estavas inspirado, Roberto. Excelente crítica! ;)
ResponderEliminarTIAGO RAMOS: Estamos de acordo, excepto numa coisa: penso que é fácil atribuir o filme a Almodóvar.
ResponderEliminarQuanto à inspiração, tenho-te a admitir, não faltou ;) Fiquei muito satisfeito com a crítica.
DEWONNY: Também dos meus! ;)
Cumps.
Roberto Simões
CINEROAD - A Estrada do Cinema
Também acho que é fácil de notar a mão de Almodóvar. Para mim, Fale com Ela é a melhor obra do diretor.
ResponderEliminarSim, concordo que com o Tiago Ramos: distancia-se muito do estilo definido e redifinido de Almodóvar ao longo da sua carreira. Mas não creio que seja um aspecto negativo - muito pelo contrário, só demonstra a flexibilidade do mesmo. Um dos melhores da filmografia, sem dúvida.
ResponderEliminarAbraço!
IT WAS RED: Uma das melhores, sem dúvida. A par de MÁ EDUCAÇÃO e EM CARNE VIVA.
ResponderEliminarMARCELO PEREIRA: Sim... estou de acordo. Mostra a versatilidade do realizador e - não será por acaso - as suas virtudes sublimadas. Grande filme.
Cumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
'Hipnótico' é, mesmo, um adequadíssimo adjetivo para esse filme.
ResponderEliminarGUSTAVO: Sim, às tantas, é mesmo hipnótico ;) Que filme.
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
É uma das obras-primas de Almodóvar. A união perfeita das artes (cinema, musica e dança).
ResponderEliminarhttp://peliculacriativa.blogspot.com/2010/10/pedro-almodovar-melhores-filmes.html
PELÍCULA CRIATIVA: Inteiramente de acordo. Um filme de mestre! Bem-vinda ao CINEROAD e volte sempre! ;)
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
» CINEROAD – A Estrada do Cinema «
Roberto,
ResponderEliminardescobri o seu blog através de um amigo e desde então venho sempre ler as críticas dos filmes que vejo, caso existam.
Gosto de as ler mesmo que às vezes não concorde. No entanto, por vezes, fico com esta pergunta: o que o leva a atribuir a nota "muito bom" e não "excelente"? Essa diferença nem sempre é explícita nos seus textos e não estou com isto a dizer que deveria ser, mas fico curiosa. Exemplo disso é precisamente este texto, que considero ser uma crítica excelente ao Fala com Ela.
Cumprimentos.
FILIPA LEITE ROSA: Obrigado e bem-vinda ao CINEROAD ;) Para responder à sua questão, sugiro que consulte o campo IV sobre as classificações, na página das condições do blogue: http://cineroad.blogspot.com/2010/07/condicoes.html
ResponderEliminarCreio que o mais importante é aquilo que é dito a respeito do filme e o filme em si, não tanto a classificação. Certamente concordará comigo, ainda que compreenda a pertinência da sua questão. Mas creio que a página para onde a re-direcciono responderá à sua pergunta.
Volte sempre!
Roberto Simões
CINEROAD