quarta-feira, 26 de maio de 2010

A PRAIA (2000)

PONTUAÇÃO: BOM
Título Original: The Beach
Realização: Danny Boyle
Principais Actores: Leonardo DiCaprio, Virginie Ledoyen, Tilda Swinton, Robert Carlyle, Guillaume Canet

Crítica:

O PARAÍSO PERDIDO

A imperfeição das sociedades humanas suscitou, ao longo da nossa existência, as mais variadas e aprofundadas reflexões e efabulações, sejam elas de ordem política, filosófica, religiosa, antropológica ou poética. Já a mitologia clássica alimentava o impossível retorno à Idade do Ouro e ao estado primordial das coisas. Constate-se, a título de exemplo, a poética de Ovídio, nas Metamorfoses, inspirada no conceito de Hesíodo. Mais tarde, as tradições islâmica e judaico-cristã profetizaram um Reino dos Céus, a eterna renovação e a plenitude da alma. Thomas More arquitectou a Utopia, cujas conotações modernas elevaram o conceito da sociedade pura e perfeita ao idealismo e à fantasia. Milton, em resposta às sagradas escrituras, anunciou o Paradise Lost. E esta introdução só para referir os nomes mais sonantes na edificação do mito e as suas mais conhecidas variantes que, ciclicamente, o revigoraram e revitalizaram.

A obra de Alex Garland, na qual John Hodge se baseia para a adaptação do argumento deste A Praia, não é de modo algum alheia a este fenómeno marcadamente literário (aceite que está a própria evolução do conceito do que é ou não literário, ao longo dos séculos). Assim sendo, A Praia não é senão mais uma variação do mito, desta vez impregnado nos meandros da pop culture.

Richard (Leonardo DiCaprio, a irradiar talento e carisma) é um jovem turista americano recém-chegado à Tailândia. Como todos os jovens, sonha com a evasão, com o mundo ideal e perfeito, com o escape ao cancro e aos vírus de uma sociedade consumista, capitalista e individualista.

My name is Richard. So what else do you need to know? Stuff about my family, or where I'm from? None of that matters. Not once you cross the ocean and cut yourself loose, looking for something more beautiful, something more exciting and yes, I admit, something more dangerous. So after eighteen hours in the back of an airplane, three dumb movies, two plastic meals, six beers and absolutely no sleep, I finally touch down; in Bangkok.

Beleza, excitação, perigo. O jovem procura, afinal, uma experiência marcante e irrepetível, totalmente nova. I just feel like everyone tries to do something different, but you always wind up doing the same damn thing.

Banguecoque funciona, pois, como sinédoque da vida moderna e Danny Boyle filma-a de forma electrificante e ultra-dinâmica, a um ritmo pulsante e vertiginoso e com uma banda sonora absolutamente contagiante. Até que, num hotel da cidade, Richard conhece Daffy, o maluco e drogado do quarto do lado, e toma conhecimento da praia: um local puro, belo, fascinante... um lugar escondido do mundo, absolutamente secreto, totalmente proibido. Quando Richard encontra o maníaco morto, no dia seguinte, depara-se com um mapa, que aponta o destino com precisão e que reclama autenticidade para a história que julgara apenas uma lenda ou uma alucinação.

Lança o convite a dois desconhecidos do mesmo corredor do hotel, um casal de namorados franceses cuja beleza da rapariga já o intrigara, e faz-se à aventura. You hope, and you dream. But you never believe that something's gonna happen for you. Not like it does in the movies. And when it actually does, you want it to feel different, more visceral, more real. E, a cada passo do paraíso, o sonho ganha contornos cada vez mais reais. A ideia da existência de um mundo perfeito é, simplesmente, magnetizante e não se medem os perigos do desconhecido. Por aí se vê também a ingenuidade e a imaturidade da juventude perante as fáceis e por demais atractivas e ilusórias propostas da vida:

Trust me, it's paradise. This is where the hungry come to feed. For mine is a generation that circles the globe and searches for something we haven't tried before. So never refuse an invitation, never resist the unfamiliar, never fail to be polite and never outstay the welcome. Just keep your mind open and suck in the experience. And if it hurts, you know what? It's probably worth it.

Quando chegam à ilha, nem querem acreditar: praia de areia branca, vegetação exuberante, água cristalina, cascata e céu estrelado, canabis para o resto da vida, restante natureza abastada e graciosa e um silêncio apaziguador e purificante. Mal sabiam os jovens que, no entanto, o paraíso e a perfeição existem, mas a um preço muito alto e por muito pouco tempo. Rapidamente serão confrontados com a impossibilidade do recomeço e com a verdade para lá da aparência: uma sociedade ameaçada por agricultores e traficantes de droga, hipócrita e fundamentalista, tão contaminada como qualquer outra à face da terra, capaz de sacrificar valores e vidas humanas em nome de um ideal e de uma visão do mundo. In the perfect beach resort, nothing is allowed to interrupt the pursuit of pleasure, not even dying. O sonho depressa se converterá no pior dos pesadelos... e no fim da inocência.

A fotografia de Darius Khondji é belíssima, o trabalho de montagem portentoso (Masahiro Hirakubo) e a banda sonora, ainda que bastante eclética, alia-se harmoniosamente na exaltação soberana das sensações. Destaque para o tema Porcelain, de Moby, para sempre associado ao filme. O elenco revela-se à altura do desafio, nomeadamente DiCaprio, Paterson Joseph e a rígida líder da aldeia, excepcionalmente interpretada por Tilda Swinton. Há cenas icónicas e inesquecíveis, como a assustadora apresentação de Daffy, a chegada à ilha, o salto na cascata, o confronto com o tubarão, o mágico e romântico mergulho por entre o plâncton resplandecente ou uma frenética sequência de loucura na selva, com influências de videogame. Cá para mim houve um certo desiquilíbrio dramatúrgico e formal neste acto - passámos do feel-good movie para o drama e para o thriller psicológico num ápice - mas nada que prejudique crassamente o todo. A Praia pode não ser o filme perfeito, mas concretiza um irresistível compêndio de fascínio e de inspiração.

I still believe in paradise. But now at least I know it's not some place you can look for, 'cause it's not where you go. It's how you feel for a moment in your life when you're a part of something, and if you find that moment... it lasts forever...

Game over.

26 comentários:

  1. Hmm, fico à espera, guardo uma enorme curiosidade relativamente ao filme e ainda não tive a vontade total de o ver. Vamos ver se a tua crítica me convence ;P

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  2. Gostei imenso deste filme, apesar da critica dividida... Transmite um sentimento de liberdade que me faz lembrar a minha adolescencia. O local das filmagens e um autentico paraiso!

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  3. um grande filme. talvez o ultimo bom exemplo do senhor Danny

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  4. Confesso que este filme apesar de não ser muito bem visto pela crítica, é para mim um guilty pleasure e um filme que marcou a minha adolescência.

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  5. Adorei este filme... Caprio estava magnifico, a fotografia/cenário é maravilhosa(o).
    Muito bom, mesmo!

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  6. Um dos meus guilty pleasures absolutos. Tem falhas? sem dúvida que as tem, mas há qualquer coisa neste filme que me faz sentir a liberdade tal e qual como ela é. gosto da filosofia do filme e tudo aquilo que ele transmite.

    Fico à espera da crítica

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  7. Jackson,

    É um filme de Boyle. Muita música, boa disposição e exaltação das sensações. A minha crítica fala por si. É daqueles filmes que, apesar de tudo, são deliciosos.

    Cumps.


    Filipe Machado,

    Sim, quando muito não seja pela utopia e pelos ideiais exacerbados de um mundo perfeito... também já fui esse adolescente.

    Cumps.


    Luís,

    Penso que SLUMDOG MILLIONAIRE é muito mais equilibrado, e isso reflecte-se no resultado final. Obrigado pela visita! VOlta sempre!

    Cumps.


    Tiago Ramos e João,

    Compreendo os Guilty Pleasures. :b
    A PRAIA é mais uma flor a constar no Jardim das Delícias.

    Cumps.


    Gema,

    Não gostei tanto assim do filme, mas os filmes de Danny Boyle são sempre de uma natureza fascinante.

    Cumps.

    Obrigado a todos pelas visitas e comentários!

    Roberto F. A. Simões
    CINEROAD

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  8. Também gostei do filme e concordo com o Luís quando disse que talvez tivesse sido o último bom filme de Boyle. É bom filme, mas não é nenhuma obra-prima, muito pelo contrário. Mas a obra-prima do Boyle já foi feita à muito, Trainspotting.

    Abraços

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  9. Pode ser uma delícia para muitos, mas não me pareceu nada de especial.

    6/10.

    Abraço.

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  10. Estava a dar uma vista de olhos na imensa lista de filmes dos quais já falaste e descobri este The Beach, ficou na minha mente quando o vi para aí aos 12 anos ou assim. Vou rever, tem tudo para ser um "guilty pleasure", que pelos vistos é o que acontece com muita gente.

    Obrigado.

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  11. ÁLVARO MARTINS: Ainda estou para ver TRAINSPOTTING ;)

    RED DUST: Eu sou dos que o considera uma delícia! ;)

    BACK ROOM: Também o vi quando tinha essa idade e marcou-me. Já o revi e considero-o absolutamente irresistível. Um guilty pleasure? Provavelmente ;D

    Cumps.
    Roberto Simões
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  12. Este filme foi re-avaliado a 26 de Maio de 2010.

    Roberto Simões
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  13. Fraco!

    Não percebo como é que ainda não viste Trainspotting :O

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  14. NEUROTICON: Não é, de facto, uma obra sublime ou um pedaço de arte extraordinário. Tem uma ou outra virtude, mas no geral vale mais pelo condão de guilty pleasure, ao qual não resisto.

    Quanto ao TRAINSPOTTING, cada um segue a sua estrada, a seu tempo. Ainda não o vi, mas conto fazê-lo.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  15. Considero-o, de facto, fraco (2*).
    Sempre tive um enorme, enorme fascínio por este filme.

    E quando finalmente o vi... desiludiu-me imenso.

    A recta inicial é excelente, cativante e com uma fotografia soberba. A bangecoque de Boyle lembra-me, inclusive, de Blade Runner.


    Mas depois, o filme torna-se, numa palavra... estranho. Começa a ceder ao drama sem sentido e forçado -quer pela insensiblidade, quer pelas aventuras sexuais de DiCaprio.
    E no final, o filme fica demasiado surreal.

    Enfim, acho que é um filme com um embrulho atraente, só isso :D

    Abraço ;)

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  16. Certamente preciso rever, mas acho o filme mais fraco de Danny Boyle, e uma das atuações mais irregulares de Di Caprio.

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  17. JACKIE BROWN: É o que acontece quando temos fascínio a mais, muitas vezes. Nem é bem fascínio, é mais expectativa.
    A segunda parte do filme compreende-se melhor se tivermos em conta o romance, do qual parte o argumento, não é. Mas de facto a mudança de registo é assinalável e inesperada, de facto. O argumento podia ser mais consistente por essa altura.

    WALLY: Ainda me faltam ver vários filmes do realizador, não sei se concordarei com você. Quanto a DiCaprio não estou de acordo.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  18. Lindo blog, cara! Ótimos textos! Sou inciante no assunto... Estou começando... Parabéns! Estou seguindo... Abraços! http://diarioilustradodebordo.blogspot.com

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  19. É um dos mais fracos filmes do Danny Boyle. Tem suspiros de um cinema-verdade, mas isso não faz dele um bom filme. Tenho que rever pra refrescar a memória.

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  20. GUTO NASCIMENTO: Bem-vindo então! ;) Agradecia apenas usasse as fichas dos filmes para falar sobre eles e o Fórum para coisas genéricas.

    PEDRO HENRIQUE: Não é nada de extraordinário, longe disso, mas também não é nada de intragável. Pessoalmente, não lhe resisto.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  21. Bom...talvez. Pessoalmente, cativa pela banda-sonora e pela praia, a realização também está interessante, mas pouco mais

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  22. CLÁUDIA GAMEIRO: Concordo inteiramente contigo. Mas mesmo assim opto pelo BOM ;) Creio que sou mais justo.

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    Roberto Simões
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  23. Para mim, este foi um dos piores filmes que já vi numa sala de cinema! Ainda hoje me arrependo de ter pago 500 escudos para o ver. Achei tudo muito superficial, sem nexo e nada interessante! As paisagens são de longe o melhor do filme! Filmes deste género não são do meu agrado...

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  24. EMANUEL NETO: Pois, quanto a mim, nem tanto ao mar, nem tanto à terra ;)

    Cumps.
    Roberto Simões
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  25. Paraíso é a busca de um lugar interior, não de um lugar externo, um lugar físico.

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    1. REDONDO: Bem-vindo ao CINEROAD! No filme não é apenas um lugar interior, como terá notado. Volte sempre!

      Roberto Simões
      CINEROAD

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