quarta-feira, 19 de maio de 2010

IMPERDOÁVEL (1992)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM
★★★★★
Título Original: Unforgiven
Realização: Clint Eastwood
Principais Actores: Clint Eastwood, Gene Hackman, Morgan Freeman, Richard Harris, Jaimz Woolvett, Saul Rubinek, Frances Fisher, Anna Thomson

Crítica:

O MITO
E A ORIGEM DO MITO

All right, I'm coming out. Any man I see out there, I'm gonna shoot him. Any sumbitch takes a shot at me, I'm not only gonna kill him, but I'm gonna kill his wife, all his friends, and burn his damn house down.
Bill Munny

Em Imperdoável há todo um passado que assombra o presente; o que ecoa e se dimensiona, essencialmente, a dois níveis. Primeiramente, a um nível diegético. Depois, a um nível conceptual, de género.

1. A nível diegético.

A personagem de Clint Eastwood, William Munny, recalca a essência do seu ser assassino na construção de uma vida campestre e pacata, em família e sem whisky. O seu fiel companheiro dos velhos tempos, Ned Logan (Morgan Freeman), também se encontra aposentado; sabendo que consegue acertar no olho de um pássaro em pleno vôo, hesita agora em acertar no alvo. I guess I'd rather be blind and ragged than dead. Little Bill, o cherife desempenhado por Gene Hackman, há muito que renunciou às armas e se reconfortou confiantemente no poder da Lei. Na sua vila, Big Whiskey, não permite qualquer tipo de confronto ou violência e de forma pacífica assume a figura do justiceiro. Serve-se de Bob English (Richard Harris), aliás, para ditar o exemplo. The Schofield Kid, interpretado por Jaimz Woolvett, é o jovem no meio de tantos senhores do western, que, sem noção do que é matar, vive do mito e sonha tornar-se um grande pistoleiro. Será um elemento essencial para o confronto geracional que se estabelecerá e se fortalecerá. Finalmente, o mito e a origem do mito encontram-se... a personagem de Saul Rubinek, o escritor, simboliza a entidade responsável pelo mito: o western virou história em livro e repercute-se em edições - mas num registo fantasioso, com bons e maus e onde a violência não tem consequências morais. Beauchamp vive, como muitos ficcionistas, mais da própria mitologia do que da dura e crua realidade do western. O mito e os demónios do passado persistem e perseguem as personagens até ao último fôlego.

I ain't like that no more. I ain't the same (...) Just 'cause we're goin' on this killing, that don't mean I'm gonna go back to bein' the way I was. I just need the money, get a new start for them youngsters.
Bill Munny

Clint Eastwood mostra-se irrepreensível na direcção de actores; é evidente a sublimidade atingida pelas performances.


2. A nível conceptual, de género.

O argumento de David Web Peoples, de uma qualidade dramatúrgica inegável, permite que o western se confronte a si mesmo, se questione, amadureça e se transforme. A figura do escritor, aliás, configura a mise-en-abyme, através da qual o género se espelha a si mesmo e se auto-critica. É com Imperdoável, pois, que se dá a reconversão da fórmula que definia o género e se emancipam notórias diferenças:

- não há mais romance; a figura da mulher de Munny, por exemplo, é assumidamente fundamental para o filme, embora ausente: note-se a pertinência do prólogo e do epílogo e a carga emotiva que a sua imagem acarreta no dia-a-dia do cowboy. A própria figura feminina, representada pelas prostitutas, desencadeia a trama e assume protagonismo, não sendo mais um mero acessório.
Just because we let them smelly fools ride us like horses don't mean we gotta let 'em brand us like horses. Maybe we ain't nothing but whores but we, by god, we ain't horses.
Strawberry Alice

- não há sentido de espectacularidade no gunplay. A acção desenfreada, as cavalgadas e a gritaria, outrora constantes, perdem o protagonismo para dar lugar à profundidade psicológica dos cowboys; não mais maniqueístas, mas agora vítimas de uma violência imperdoável, angustiados pela consciência que lhes corrompe a alma. A violência emana, mas não mais ao acaso; agora, com conflito moral. Não há mais o matar por matar.

Eis a introspecção e consciência crítica da essência do western. Daí o estatuto especial que o filme de Eastwood tem para a reconfiguração do género: lida com o remorso, faz a catarse e honra a memória como nenhum outro.

I've killed women and children. I've killed everything that walks or crawls at one time or another. And I'm here to kill you, Little Bill, for what you done to Ned.

It's a hell of a thing, killin' a man. Take away all he's got, and all he's ever gonna have.
Bill Munny

Magnificamente fotografado (Jack N. Green) e montado (Joel Cox), Imperdoável reclama autenticidade a cada cena, imerso numa atmosfera histórica de detalhe e bom gosto. Eis, pois, e desta feita assombrado pelo futuro, um clássico absoluto. Magistralmente bem feito.

21 comentários:

  1. Muito fraquito este filme, na minha opinião.

    Aliás, eu não gosto nada do velho Eastwood, mas este Imperdoável foi uma especial desilusão.
    2.5/ 3* quanto a mim..

    Abraço

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  2. Bem, já consigo ver que não concordas comigo...

    Abraço

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  3. JACKIE BROWN: Não só não concordo como estou absolutamente convencido de que não percebeste a essência e relevância do argumento ;)

    Cumps.
    Roberto Simões
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  4. Pois eu garanto-te que o argumento não tem qualquer essência e relevancia que tem, perde-a ao fim de meia hora.
    Claramente, estás a ver coisas onde não existem, acho eu...

    Abraço

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  5. JACKIE BROWN: Garantes-me? Enfim... Não tenho muito mais a dizer. Creio que devias ter estudado a lição. 'Claramente', não a estudaste. Podes nem gostar do filme, mas dizeres que estou a ver coisas onde não existem é 'claramente' uma provocação :) Vai por mim, revê o filme, lê umas coisinhas sobre ele, e depois voltamos a falar. Boa?

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    Roberto Simões
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  6. Oh pah, não leves a mal ;)
    Simplesmente, para mim o Imperdoável é um vazio. E o mais irritante é ser um vazio sobrevalorizado.

    Se tu, por um lado e no teu direito, dizes que não percebi a essencia do argumento, eu, por outro lado e no meu direito(apesar de este ser o teu espaço :)), penso que não existe nada para ver e, seguindo esta linha de raciocínio, estás a ver coisas onde não existem.

    No entanto(e estou a ser honesto) penso que, neste caso, a tua opinião tem mais credibilidade, visto que apenas vi o filme uma vez, e hà mais de um ano.

    De qulquer maneira, peço desculpa por qualquer ofensa, e vou-me tentar moderar ;)

    Abraço

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  7. JACKIE BROWN: Não levo a mal, não foste de todo ofensivo, apenas provocatório. Discordamos, pois, em relação a IMPERDOÁVEL. Nunca ouses deixar de exprimir a tua opinião só por ela ser diferente. Aqui a tua opinião terá sempre espaço.

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    Roberto Simões
    CINEROAD – A Estrada do Cinema

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  8. FOTOGRAMA DIGITAL: Muito provavelmente ;) Ainda conheço infeliz e relativamente pouco o universo do western.

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    Roberto Simões
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  9. Te blog é muito bom mesmo. Parabéns. E quanto a Os imperdoáveis, é um dos maiores clássicos do cinema. Parabéns por esse fim de semana especial Clint Eastwood.

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  10. REINALDO GLIOCHE: Muito obrigado ;) E muito bem-vindo ao CINEROAD! Quanto a IMPERDOÁVEL, estamos totalmente de acordo: um clássico!

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    Roberto Simões
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  11. Confesso que não sou adepta de westerns, mas vi esse filme e devo confessar que adorei.
    Achei o filme francamemte bem feito, a historia igualmente bem feita e o elenco fantastico.
    De acordo com a tua nota ;)
    Bjs

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  12. De acordo, excelente crítica, aliás como sempre. Este filme é de facto um prazer para os amantes do Western, especialmente aqueles que esperaram tanto tempo para voltar a ver bons Westerns. Aqui o caso, tal como dizes, é uma espécie de Western psicológico, introspectivo, quase totalmente nostálgico aos seus homónimos antigos, referenciando-se constantemente em personagens também elas mitológicas e nostálgicas (este Munny inspirado ou até mesmo a versão da velhice do Homem sem Nome!, tal como o filme uma homenagem a Leone).

    Um filme que me dá prazer do início ao fim, la está como digo muitas vezes, realização à Clint, linear, tocante, particular, coerente, bem contada com apoios técnicos e sonoros de elogiar, então a banda sonora é uma delícia.
    Era de esperar que sendo, à partida um fã deste género, que gostasse deste filme, no entanto sendo um ensaio mais reflexivo, moral e calmo, em vez de acção desenfreada, podia ter-se desmoronado num drama cansativo...ainda bem que não, acaba por ser uma espécie do filme que todos temos na cabeça quando pensamos que já não existem Westerns como antigamente e blablabla...aqui está directamente de Clint Eastwood (logo ele :P) a obra de nostalgia do passado Oeste por excelência!

    abraço

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  13. GEMA: Estamos, então, inteiramente de acordo ;)

    JORGE: Ah, muito obrigado pela simpatia ;) Fico bastante contente por apreciares o meu trabalho. Quanto a IMPERDOÁVEL, estamos totalmente de acordo - uma vez mais.

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    Roberto Simões
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  14. Vejo aqui opiniões bem opostas. Pessoalmente até gosto de "Imperdoável" enquanto obra de culto a um género defunto, mas é um filme sobrevalorizado que com certeza teria sido arrasado caso tivesse sido lançado meia-dúzia de anos antes.

    Limitando-me ao género, creio que Eastwood fez um trabalho mais interessante em "High Plains Drifter - O Pistoleiro do Diabo". E nem vou entrar em polémicas sobre a usurpação ou não do filme de Sergio Garrone, "Django il bastardo". Porque são ambos grandes filmes!

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  15. PEDRO PEREIRA: Sobrevalorizado, se tivermos em conta aqueles que o proclamam como uma obra-prima ou como um dos melhores filmes de sempre. Mas é um filme muito bom.

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    Roberto Simões
    CINEROAD – A Estrada do Cinema

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  16. High Plains Drifter é uma boa recomendação, assim como The Outlaw Josey Wales e Two Mules for Sister Sara. Todos com Eastwood claro.

    Este Imperdoável, é imperdoável alguém não gostar pelo menos :P

    abraço

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  17. JORGE: Ficam as recomendações ;) Agradeço.

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    Roberto Simões
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  18. Tenho acompanhado toda a carreira de Clint Eastwood a par e passo, desde os tempos dos «western-spaghetti» (ah grande, grande Leone) e depois que enveredou também pela carreira de realizador (uma estreia em força com o hoje também clássico "Play Misty For Me").
    Pois é, já levo uns anos largos disto e por isso mesmo considero Clint Eastwood o último resistente dos grandes realizadores clássicos americanos. Houve outros que tiveram altos e baixos (Coppola e Scorsese são os que me dizem mais) mas Eastwood não sabe realizar filmes menores - toda a sua obra reflecte uma maturada arte fílmica, mesmo que se trate de um "simples" «western» como "High Plains Drifter". Neste "Unforgiven" essa "simplicidade" é obviamente largamente ultrapassada na quase re-invenção do género.

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  19. RATO: Estamos uma vez mais de acordo ;) Porém, não penso que haja aqui uma "quase-reivenção". Há, isso sim, o reencontro com a mitologia do western, mas agora com um olhar moral contemporâneo. Aí reside a principal diferença.

    Cumps.
    Roberto Simões
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