sexta-feira, 8 de outubro de 2010

APOCALYPSE NOW (1979)

PONTUAÇÃO: EXCELENTE
★★★★★
Título Original: Apocalypse Now
Realização: Francis Ford Coppola
Principais Actores: Martin Sheen, Marlon Brando, Robert Duvall, Laurence Fishburne, Frederic Forrest, Sam Bottoms, Albert Hall, G.D. Spradlin, Harrison Ford, Aurore Clément, Christian Marquand, Dennis Hopper

Versão Redux

Crítica:

O CORAÇÃO DAS TREVAS

There's a conflict in every human heart, between the rational and irrational, between good and evil. And good does not always triumph.

Devastar o paraíso, manchar de sangue a exuberância da vegetação, descobrir na selva a própria selvajaria do ser humano. O absurdo da guerra condena os homens à morte e à loucura e para o capitão Willard (Martin Sheen, numa brilhante interpretação), a experiência do horror da guerra faz-se, pari passu, com a meditação e com a reflexão, que tão profunda e traumaticamente se inscrevem no seu profundo consciente e inconsciente. Aquilo que Francis Ford Coppola concebe, aqui tão genialmente, é um extraordinário filme de guerra, de uma densidade psicológica impressionante, dotado de uma encenação inspirada e de um primor técnico ambicioso e arrojado, que jamais descura uma crítica mordaz à postura americana no confronto - tanto por meio de metáforas, como de dissestações filosóficas, como de poesia. A reflexão pessoal de Willard representa, afinal, o exame de consciência de toda uma nação.

A fotografia, do lendário Vittorio Storaro, é absolutamente magistral: o trabalho de iluminação é preciosamente sublime e a composição dos frames, de naturezas várias, faz-se tanto pela beleza das paisagens filmadas e pela audácia estética na conjugação das cores como pela sobreposição de imagens que Lisa Fruchtman, Gerald B. Greenberg e Walter Murch tão criativamente montam e possibilitam. Aquelas mágicas horas do amanhecer, mas sobretudo do entardecer - durante as quais decorreu grande parte da rodagem da obra - conferem-lhe um tom cristalino e quase etéreo.

A sonoridade esotérica da banda sonora (Carmine Coppola, Francis Ford Coppola) potencia a distopia e o carácter neurótico que tanto a narrativa (a partir do romance de Joseph Conrad) como as performances dos actores perpetuam, em crescendo, até ao fim da perigosa e intrigante missão do capitão Willard. Lembro especialmente o início, aquando da agonia no quarto, onde a distorção do barulho das hélices dos helicópteros, possantes, se confunde habilmente com a música. Bandas emblemáticas como The Doors ou The Rolling Stones protagonizam, igualmente, algumas das mais inesquecíveis e joviais sequências do filme.

Destaquem-se, a propósito de elenco, as memoráveis prestações de Robert Duvall como coronel Bill Kilgore ou a assustadora entrega de Marlon Brando ao papel de coronel Walter E. Kurtz, que tão eloquentemente profere uma das melhores passagens do argumento:

Kurtz: I've seen horrors... horrors that you've seen. But you have no right to call me a murderer. You have a right to kill me. You have a right to do that... but you have no right to judge me. It's impossible for words to describe what is necessary to those who do not know what horror means. Horror... Horror has a face... and you must make a friend of horror. Horror and moral terror are your friends. If they are not, then they are enemies to be feared. They are truly enemies! I remember when I was with Special Forces... seems a thousand centuries ago. We went into a camp to inoculate some children. We left the camp after we had inoculated the children for polio, and this old man came running after us and he was crying. He couldn't see. We went back there, and they had come and hacked off every inoculated arm. There they were in a pile. A pile of little arms. And I remember... I... I... I cried, I wept like some grandmother. I wanted to tear my teeth out; I didn't know what I wanted to do! And I want to remember it. I never want to forget it... I never want to forget. And then I realized... like I was shot... like I was shot with a diamond... a diamond bullet right through my forehead. And I thought, my God... the genius of that! The genius! The will to do that! Perfect, genuine, complete, crystalline, pure. And then I realized they were stronger than we, because they could stand that these were not monsters, these were men... trained cadres. These men who fought with their hearts, who had families, who had children, who were filled with love... but they had the strength... the strength... to do that. If I had ten divisions of those men, our troubles here would be over very quickly. You have to have men who are moral... and at the same time who are able to utilize their primordial instincts to kill without feeling... without passion... without judgment... without judgment! Because it's judgment that defeats us.

Francis Ford Coppola dirige todo o filme com uma mestria notável, digna das maiores glórias. Que filme bem filmado. A cena do colossal e espectacular ataque da cavalaria aérea sobre a praia vietnamita, ao som da majestosa ópera de Wagner, não é senão uma das melhores e mais carismáticas cenas da História do Cinema.

Enfim, excelente pedaço de cinema, fenomenal obra-prima: a cada cena sofisticada e refinada e a cada sopro cheia de alma, eternamente. Vários filmes americanos se debruçaram sobre a Guerra do Vietname, tantos deles tão bons e tão distintos. Este Apocalypse Now é, no entanto e no meu entender, perante todos eles superior.
The horror, the horror...

20 comentários:

  1. Acho é que o devias ter "catagolado", como muitas vezes fazes, de "as grandes obras-primas". Porque o é.

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  2. "Apocalypse Now" não é o melhor filme sobre o Vietnam. "Apocalypse Now" é "O" filme sobre o Vietnam. Quer na variação redux quer na edição original, visto no grande écran ou no (in)conforto do lar, a conclusão será sempre essa, não há volta a dar-lhe. Eu vi-o de todas essas maneiras e feitios, por variadissimas vezes, e sempre acabei a odisseia vergado ao peso deste monumento ao Cinema.
    Coppola no auge de toda a sua criatividade e no limite da luta titânica contra os senhores de Hollywood. Chegaria pouco depois ("One From The Heart") a caír mesmo no precipício. Mas regressaria dos mortos para continuar a fazer o que melhor sabe - filmes.
    "Apocalypse Now" faz com que nunca mais encaremos a travessia de um rio ou que ouçamos "As Valquírias" de Wagner da mesma maneira do que antes. E foi com ele que aprendemos que "helicóptero" é afinal um sinónimo de "guerra".
    Todas as peripécias que envolveram o filme deram origem a outro filme, um documentário realizado por Eleanore Coppola intitulado "Heart of Darkness / No Coração das Trevas" e que também é obrigatório ver para nos apercebermos de toda a loucura que foi a rodagem deste filme.
    Enfim, Roberto, não poderias ter feito melhor escolha para regressares enfim ao convívio de todos os seguidores deste Cineroad.

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  3. EMMANUELA: Bem-vinda ao CINEROAD! Volte sempre e muito obrigado pela congratulação.

    ÁLVARO MARTINS: Ainda não o fiz mas pondero fazê-lo. É de facto uma obra-prima de nos deixar verdadeiramente abismados. Que perfeição, que iluminação, que montagem.

    RATO: Os deveres profissionais obrigaram-me a um breve interregno que não sei se não se repetirá até ao final do ano, mas esperam-me grandes filmes e, claro, esta existência partilhada pela internet. APOCALYPSE NOW é um dos maiores se não o maior filme de guerra de sempre, de um Francis Ford Coppola no auge (como de resto bem dizes). Prefiro, pessoalmente, este APOCALYPSE NOW a qualquer um dos PADRINHOs, embora admire tanto o 2º capítulo da trilogia.

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD – A Estrada do Cinema «

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  4. Eu queria dizer "catalogado" ;) Este é, na minha opinião, o melhor filme do Coppola seguido do Rumble Fish.

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  5. Era o mínimo esperado, o EXCELENTE.
    É mesmo uma obra-prima de nos deixar sem palavras.

    Abraço

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  6. Bom vou destoar um pouco da opinião geral, e isto não quer dizer que não gostei ou que não lhe reconheço muitas qualidades. Reside no que muitas vezes digo, revela-se cansativo. Pelo menos na única vez que o vi, na versão redux.

    Posso dizer que numa primeira parte, o filme me agradou e muito, com especial destaque para a performance de Robert Duvall, magnífica. Toda a sequência da batalha é muito boa e hilariante. Depois o começo da viagem rio acima também está conseguido e com toques de genialidade. Coppola demonstra imensa competência e até inovação, mais que em toda a trilogia Godfather.

    Entediei-me numa segunda (ou terceira) parte, em que a acção, a narrativa anda às voltas com os tormentos dos passageiros, dos combatentes, revelando imenso dramatismo. Cansativo, às tantas dá a sensação de ser demais, demais para a mensagem. Então a entrada de Marlon Brando se por um lado é enigmática, fascinante e filosófica, por outro é muito, demasiado rebuscada. O topo do cansaço. Enfim serei eu, o estado de espírito da altura ou o excesso de duração. Vi-o todo de uma assentada, talvez não tenha sido o melhor modo de o visionar. Fica a vontade de o ver de novo, contudo.

    Porque acima de tudo notei e fascinou-me a irreverência de Coppola, as interpretações, a banda sonora, o ambiente criado e a forma peculiar e diferente na abordagem à guerra. Fica o meu testemunho, ainda que divergente e não tão entusiasta.

    abraço

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  7. Ah, estás de volta. Gostei muito da tua crítica, descreves bem a magnanimidade deste filme. É absolutamente esmagador, e aquela música ...

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  8. PS: Não hesito em classifica-lo como "obra-prima" ;)

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  9. É uma obra prima sem dúvida! No entanto a minha referência a nível de filmes sobre o vietname é o Full Metal Jacket do Kubrick, uma vez que faz um retrato dos soldados americanos apresentando-os tipo miúdos que não sabem o que andam a fazer, o que já é diferente em Platoon ou no Apocalypse.

    Cumprimentos

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  10. RUI FRANCISCO PEREIRA: Verdadeiramente, de nos deixar sem palavras ;)

    JORGE: Realmente temos opiniões distintas, não achei o filme cansativo. Achei-o fascinante a cada cena, até ao último momento.

    DIOGO F: Obrigado ;) Eu também não hesito em considerá-lo uma obra-prima. Para mim é evidente. Que filmaço.

    ALAN RASPANTE: É imprescindível. Não posso deixar de recomendá-lo.

    DEZITO: Também gosto imenso de FULL METAL JACKET - NASCIDO PARA MATAR, do Kubrick, mas na minha opinião este APOCALYPSE é claramente superior. PLATOON será o mais fraco dos três, ainda que um bom filme.

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - A Estrada do Cinema «

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  11. Pois para mim é muito difícil a escolha entre este e Rumble Fish. Diria mesmo que optava pelo segundo, uma questão de gostos, porque na realidade são ambos filmes geniais.

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  12. Já agora uma palavra para o infeliz episódio que sucedeu nas gravações com o Martin Sheen: ia lhe dando uma coisa mas felizmente recuperou :)

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  13. MANUELA COELHO: Ainda não vi o RUMBLE FISH, mas está na mira.

    DEZITO: Já agora, partilha connosco o episódio a que te referes, para que todos tomemos conhecimento.

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - A Estrada do Cinema «

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  14. Durante as filmagens que duraram mais de 2 anos, o Martin Sheen com apenas 36 anos sofreu um ataque cardíaco quase fatal, mas felizmente voltou cinco semanas depois. Não sei se esse episódio aparece no documentário já aqui referido.

    Cumprimentos

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  15. Há algum tempo que não vinha cá, mas é com muito prazer que comprovo que as tuas excelentes críticas cá continuam.

    Que dizer mais de "Apocalypse Now" que já não tenham os restantes comentadores dito? É um filme excepcional e um que confirma que o génio de Coppola, além de assinalável, é ímpar.

    E se é verdade que "The Godfather" é que será sempre a pedra basilar da sua filmografia e que o vai fazer ser sempre lembrado, é na verdade este "Apocalypse Now" que mostra todas as qualidades da sua forma de fazer filmes.


    Abraço,

    Jorge Rodrigues
    Dial P For Popcorn

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  16. Muito bom. Creio que é o meu filme preferido desse realizador!

    Excelente crítica!

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  17. É um monumento e, sim, é fenomenal. É "o Vietname". Mas do Coppola prefiro o "The Conversation"..

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