★★★★★
Título Original: Requiem for a DreamRealização: Darren Aronofsky
Principais Actores: Ellen Burstyn, Jared Leto, Jennifer Connelly, Marlon Wayans, Christopher McDonald, Louise Lasser, Marcia Jean Kurtz, Janet Sarno, Suzanne Shepherd, Joanne Gordon, Charlotte Aronofsky, Mark Margolis
Crítica:
AS TRÊS ESTAÇÕES
AS TRÊS ESTAÇÕES
DE UM CAMINHO PARA A PERDIÇÃO
In the end it's all nice.
In the end it's all nice.
Absolutamente hipnótico, contagiante e electrizante, A Vida Não É Um Sonho é o reflexo perfeito de uma alma genial, um universo de transfiguração do real, alucinante e psicadélico, que se concretiza triunfalmente. Darren Aronofsky é o prodigioso e visionário realizador que, num trabalho de tão impressionante quanto rara confluência estética, arrisca um mergulho vertiginoso no lado negro da condição humana e sai glorioso naquela que é, sem sombra de dúvida, uma das mais estimulantes e perturbadoras obras-primas da sétima arte.
Os primeiros destaques vão desde logo para a intensa e poderosíssima banda sonora de Clint Mansell (em parceria com o Kronos Quartet) e para a fotografia de Matthew Libatique. Depois, é claro, para a frenética realização: orquestração magistral do split screen (vertical ou horizontal), de planos rodopiantes, de ângulos extremos e de lentes que distorcem que nem um olhar consumido pela agonia, de fast e slow motion ou de planos únicos mas a duas velocidades, de zooms e de uma espécie de steadicam (mas fixa nas personagens, acompanhando os seus percursos), da manipulação de som não-diegético em jogo permanente com a extraordinária montagem hip-hop de Jay Rabinowitz e da repetição sucessiva e angustiante, em ritmo crescente, de trechos musicais, sons e imagens. A imaginação, antecipada à acção, dá-nos a conhecer o pensamento interior das personagens. Enfim, um misto de combinações originais e de ritmos explosivos.
O argumento, a partir da obra de Hubert Selby Jr., revela-se um exercício de autêntico fascínio criativo e de ferveroso poder crítico: acompanha a destruição física e psicológica de quatro personagens, cuja crise de valores e de afectos fez sucumbir na solidão, desespero e fracasso existencial. Ellen Burstyn é Sara Goldfarb: está velha e sem qualquer auto-estima, e representa toda uma geração abandonada pela família e irremediavelmente entregue à televisão. Por isso mesmo, a oportunidade de ir parar à caixa mágica (ilusão de felicidade) fá-la entrar numa luta desenfreada para caber num vestido vermelho que não via a luz do dia há muitos anos. Purple in the morning, blue in the afternoon, orange in the evening.
A dieta rapidamente se transforma num caminho sem apatente retorno, uma tortura de alucinações que a desgastarão até à exaustão. A performance de Ellen Burstyn é, em palavras que bastam, assombrosa e transfiguradora. A relação ingénua que mantém com o filho Harry (Jared Leto, soberbo) também não resistirá às malhas fatais da droga. É crucial aquela cena em que o filho volta a casa e, sem se conseguir espelhar na mãe, a repreende por causa do consumo excessivo de comprimidos. Os percursos de Harry, o amigo (Marlon Wayans) e a namorada (Jennifer Connelly) - todos com sólidas prestações - estarão igualmente destinados à perdição (prostituição da alma, perda de honra e de identidade), à medida que as estações avançam (Verão, Outono e Inverno) e com elas se adensa a escuridão. Na estação mais rigorosa, o sofrimento será implacável.
A magnífica construção do filme, em cada uma das categorias, leva-nos, inteiramente rendidos, até um final orgíaco - de quase crucifixação - tão massacrante para nós, espectadores, como para cada um dos protagonistas. Um desfecho verdadeiramente epifânico e no qual não parece haver espaço para qualquer Primavera. Se eventualmente há esperança para uma reconversão, isso é-nos totalmente deixado em aberto: no sonho do abismo ou no regresso à posição fetal, como que a jeito de prenúncio de um hipotético renascimento... ou... quiçá... no som do mar, do vento e das gaivotas que enaltecem e elevam os créditos finais a um autêntico processo de pacificação. Enfim, arte pura!
Os primeiros destaques vão desde logo para a intensa e poderosíssima banda sonora de Clint Mansell (em parceria com o Kronos Quartet) e para a fotografia de Matthew Libatique. Depois, é claro, para a frenética realização: orquestração magistral do split screen (vertical ou horizontal), de planos rodopiantes, de ângulos extremos e de lentes que distorcem que nem um olhar consumido pela agonia, de fast e slow motion ou de planos únicos mas a duas velocidades, de zooms e de uma espécie de steadicam (mas fixa nas personagens, acompanhando os seus percursos), da manipulação de som não-diegético em jogo permanente com a extraordinária montagem hip-hop de Jay Rabinowitz e da repetição sucessiva e angustiante, em ritmo crescente, de trechos musicais, sons e imagens. A imaginação, antecipada à acção, dá-nos a conhecer o pensamento interior das personagens. Enfim, um misto de combinações originais e de ritmos explosivos.
O argumento, a partir da obra de Hubert Selby Jr., revela-se um exercício de autêntico fascínio criativo e de ferveroso poder crítico: acompanha a destruição física e psicológica de quatro personagens, cuja crise de valores e de afectos fez sucumbir na solidão, desespero e fracasso existencial. Ellen Burstyn é Sara Goldfarb: está velha e sem qualquer auto-estima, e representa toda uma geração abandonada pela família e irremediavelmente entregue à televisão. Por isso mesmo, a oportunidade de ir parar à caixa mágica (ilusão de felicidade) fá-la entrar numa luta desenfreada para caber num vestido vermelho que não via a luz do dia há muitos anos. Purple in the morning, blue in the afternoon, orange in the evening.
I'm somebody now, Harry. Everybody likes me. Soon, millions of people will see me and they'll all like me. I'll tell them about you, and your father, how good he was to us. Remember? It's a reason to get up in the morning. It's a reason to lose weight, to fit in the red dress. It's a reason to smile. It makes tomorrow all right. What have I got Harry, hm? Why should I even make the bed, or wash the dishes? I do them, but why should I? I'm alone. Your father's gone, you're gone. I got no one to care for. What have I got, Harry? I'm lonely. I'm old.
Sara Goldfarb
A dieta rapidamente se transforma num caminho sem apatente retorno, uma tortura de alucinações que a desgastarão até à exaustão. A performance de Ellen Burstyn é, em palavras que bastam, assombrosa e transfiguradora. A relação ingénua que mantém com o filho Harry (Jared Leto, soberbo) também não resistirá às malhas fatais da droga. É crucial aquela cena em que o filho volta a casa e, sem se conseguir espelhar na mãe, a repreende por causa do consumo excessivo de comprimidos. Os percursos de Harry, o amigo (Marlon Wayans) e a namorada (Jennifer Connelly) - todos com sólidas prestações - estarão igualmente destinados à perdição (prostituição da alma, perda de honra e de identidade), à medida que as estações avançam (Verão, Outono e Inverno) e com elas se adensa a escuridão. Na estação mais rigorosa, o sofrimento será implacável.
A magnífica construção do filme, em cada uma das categorias, leva-nos, inteiramente rendidos, até um final orgíaco - de quase crucifixação - tão massacrante para nós, espectadores, como para cada um dos protagonistas. Um desfecho verdadeiramente epifânico e no qual não parece haver espaço para qualquer Primavera. Se eventualmente há esperança para uma reconversão, isso é-nos totalmente deixado em aberto: no sonho do abismo ou no regresso à posição fetal, como que a jeito de prenúncio de um hipotético renascimento... ou... quiçá... no som do mar, do vento e das gaivotas que enaltecem e elevam os créditos finais a um autêntico processo de pacificação. Enfim, arte pura!
Infelizmente ainda não tive oportunidade de ver.
ResponderEliminarRéquiem Para Um Sonho é um dos melhores filmes a que assisti esse ano.
ResponderEliminarNão me conformo ter demorado tanto para descobri-lo, pois o filme é realmente excelente, concordo com você.
A interpretação dos atores é muito boa; todos convencem em seus papéis. Até o Wayan, que é bem medíocre, consegue se mostrar satisfatório. O destaque fica por conta de Ellen Burstyn que construiu uma personagem muito densa, provando que se apegar em demasia a algo pode ser perigoso - o vestido vermelho tornou-se praticamente mais um personagem do filme.
O roteiro inteligente ganhou muitos pontos comigo e o final fechou com chave de ouro: um magnífico filme!
Excelente, sem qualquer sombra de dúvidas!
ResponderEliminarMuito mais eficaz e ousado que TRAFFIC.
ResponderEliminarUm filmaço e com uma edição que é um chute no estômago
ResponderEliminarAronofsky!!!!
Abraços.
Excelente texto, também, Roberto.
ResponderEliminarAbraço!
Sim, excelente e para mim o seu melhor filme.
ResponderEliminarCurioso como apesar disso tem gente que não gosta dos trabalhos do Aronofsky.
ResponderEliminarMuito bom. Um dos melhores filmes desta década. E o melhor - para mim - de Aronofsky.
ResponderEliminarAbraços!
Revi ontem, e tive a sensação de como se fosse a primeira vez que assistia ao filme.
ResponderEliminarAronosfsky alcança o mais alto nivel de seu estilo e experiencias com um alto grau técnico.
Ao lado de O Lutador acho o melhor mesmo do diretor.
Este filme é genial, magnífico! Sou fã assumido de Darren e mesmo achando The Fountain seu melhor trabalho, tenho Requiem Para Um Sonho como sendo muito pertinente.
ResponderEliminarPeço desculpas por estar ausente nas últimas semanas. Prometo fazer o possível para atualizar o Bit e comentar por aqui!
Abs!
TIAGO RAMOS: Para ver o quanto antes :b
ResponderEliminarLUÍS: Às vezes acontece só descobrirmos grandes filmes muito tempo depois de terem sido lançados. Não importa, o importante é descobrir. E estou de acordo com você, REQUIEM FOR A DREAM é uma magnífica descoberta!
FLÁVIO GONÇALVES: E não é preciso dizer muito mais! ;) Obrigado pelo elogio.
GUSTAVO H.R.: Não há comparação possível ;)
RODRIGO MENDES: Upa-upa, estamos de acordo ;)
ÁLVARO MARTINS: Provavelmente. O meu amor a THE FOUNTAIN não me permite afirmar, com segurança, uma coisa dessas... :b São ambas grandes obras-primas!
FOTOGRAMA DIGITAL: Há gente para tudo ;)
CIRO HAMEN: Um dos melhores da década, pois claro.
YGOR MORETTI FIORANTE: Ai sim? Coincidência. Ainda não vi THE WRESTLER. Está para breve... De THE FOUNTAIN você não gostou?
KAU OLIVEIRA: Está desculpado ;) Quanto a Aronofsky e seus trabalhos, subscrevo totalmente!
Cumps.
Roberto Simões
CINEROAD - A Estrada do Cinema
Réquiem para um sonho (título brasileiro) é um filme maravilhoso com uma forma diferente de ser filmado, com atuações magníficas, principalmente da Ellen Burstyn. Gostei bastante também do Jared Leto que se provou um ótimo ator, e me instigou para ver outros filmes dele.
ResponderEliminarMuito bom mesmo
Pois é certamente um grande filme por tudo o que se disse na tua crítica e nos comentários, que não discordo...a forma de filmar, a câmara, os planos, a música, tudo de facto se junta para uma obra interessante e profundamente enriquecedora para a sétima arte.
ResponderEliminarNo entanto enquanto espectador, que busca acima de tudo um contacto emocional identitário, não me atingiu, é uma questão meramente de gosto, do argumento, do tema, que não é de todo o que me agrada ou o que me faz adorar cinema, na perspectiva de entretenimento e quiçá numa de veia artística.
Sendo a temática fundamental para se gostar de um filme, e não gostando à partida (até porque é inegável a qualidade e a originalidade), não posso dizer que aprecio este filme nem tão pouco que me apeteça revê-lo...enfim tudo uma questão de identificação para com o argumento de uma obra. De dizer ainda que já me aconteceu não gostar de um tema à partida, mas que depois de visualizar o filme, dado o modo como estava feito, atingiu-me e gostei, aqui não foi o caso...infelizmente, segundo o que leio!
É por estes exemplos que ainda acho que o argumento é mais determinante que a realização, na perspectiva de identificação e gosto pela obra.
abraço
RENAN: Concordo com cada palavra! Uma excelente forma de filmar e de fazer cinema, eu diria mesmo ;)
ResponderEliminarJORGE:
Quanto ao primeiro parágrafo, nada a apontar. Revejo-me perfeitamente no que dizes.
Quanto ao segundo parágrafo, é de facto uma questão de gosto e de identificação.
Quanto ao terceiro parágrafo poderia dizer qualquer coisa, mas de facto fazes questão - e bem - de argumentar muito bem a tua opinião. Só não creio que um argumento seja mais determinante, varia muito de caso para caso.
Cumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
Quase um ano depois de ter comentado que não tinha visto, só agora posso dizer que o vi: a semana passada. E é um objecto único, angustiante, tão forte, poderoso. E muito bem filmado, muito intenso e original.
ResponderEliminarÉ um filme tão especial e tão bem arquitectado. Tecnicamente irrepreensível. Filmado como nunca antes visto e contém uma história poderosa e digna da sua fama. (Subscrevo)Enfim, arte pura!
ResponderEliminarAbraço
Cinema as my World
TIAGO RAMOS: Ainda bem que gostaste (como poderias não gostar?). Aronofsky é um must see autêntico e imprescindível.
ResponderEliminarNEKAS: Fiquemo-nos pelo "arte pura". Diz tudo ;)
Cumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
Sem dúvida alguma um dos melhores filmes que já vi, história forte, envolvente!
ResponderEliminarAbraço
volverumfilme.blogspot.com
Excelente crítica, magnífico filme. Também estará no meu blog em breve, a propósito dos melhores de 2000.
ResponderEliminarSAULO S: Também é um dos grandes filmes da minha vida, incontornavelmente.
ResponderEliminarDIOGO F: Obrigado ;) Também constou na minha lista. Como poderia não constar? ;) Filme ge-ni-al.
Cumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
Gosto de todos do Aronofsky.
ResponderEliminarPi é paranoicamente brilhante! Talvez o filho de Eraserhead.
Este é um marco do cinema dos 00's, Nada a dizer.
The Fountain consegue cativar, sendo um filme muito sui generis. Não desilude.
The Wrestler, em contraste com a alta estilização do seu antecessor surge despido e humano. Pertence, quanto a mim, aos 3 melhores filmes do ano. Interpretação brilhante de Rourke.
Estamos todos com expectativa para o novo, certo? ;)
NEUROTICON: Ainda não conheço, com grande pena minha, esse PI. Espero colmatar essa falha em breve. THE FOUNTAIN - O ÚLTIMO CAPÍTULO está para mim lá nos píncaros, assim como este REQUIEM. Pessoalmente talvez prefira ainda THE FOUNTAIN. Diz-me mais. Jamais poderia desiludir, é genial. Claro que estou expectante em relação ao próximo de Aronofsky, por esta altura THE BLACK SWAN. Como poderia não estar, não é?
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
Uma das paixões da minha vida sempre foi a música, em todo o seu ecletismo, desde a cássica até ao pop mais levezinho. Com uma única excepção - o chamado "hip-hop", que visceralmente detesto.
ResponderEliminarServe esta introdução para me situar e tentar justificar o meu repúdio por este filme. A técnica patenteada em "Requiem" - planos curtos e múltiplos, "fast-motion", distorções de imagem, é como o género "hip-hop" transposto para o cinema, algo que faz lembrar a técnica dos video-clips, área por onde começou a maioria dos realizadores da nova geração (Aronofsky terá tido também muita experiência no mundo do graffiti).
"Requiem" é um filme feio e grotesco, onde está ausente qualquer réstea de esperança. A vida poderá não ser um sonho, mas de certeza que não é o pesadelo aqui retratado. Nem mesmo a excelente interpretação de Ellen Burstyn consegue retirar este filme do lamaçal.
Em definitivo não aconselhável aos pessimistas, porque haverá o sério risco depois em darem um tiro nos miolos ou irem-se atirar para debaixo do comboio mais próximo.
Não teria grande importância que "Requiem", como arte fílmica fosse apenas a negação do cinema.
Mais grave é "Requiem" ser, em última análise, a negação da própria vida.
RATO: REQUIEM, a negação do cinema? Temos posturas perfeitamente antagónicas.
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
» CINEROAD – A Estrada do Cinema «
Sem dúvida, no que a Aronofsky diz respeito
ResponderEliminarO Rato Cinéfilo
Pelo menos o rato não nega a raça.
ResponderEliminarRéquiem é o melhor filme já feito :)
Boa crítica!
ARONOFSKY FAN: Obrigado ;) É de facto um filme genial; não digo que seja o melhor já feito, como é óbvio.
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
Eu preciso ver este filme. Nunca ouvi falar. Por aqui não passou nos cinemas. Eu assisti Pi e me parecia que o realizador dificilmente faria algo ainda melhor. Cansei de indicar Pi a terceiros, sem muito sucesso ;)
ResponderEliminarENALDO: É um filme de génio, essencial entre os que se fizeram nos últimos anos. Recomendo vivamente.
ResponderEliminarRoberto Simões
» CINEROAD «