domingo, 7 de setembro de 2008

O CASTELO ANDANTE (2004)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM
★★★★ 
Título Original: Hauru no ugoku shiro
Realização: Hayao Miyazaki
Vozes: Chieko Baisho, Daijiro Harada, Akio Ôtsuka, Yo Oizumi, Mitsunori Isaki, Ryunosuke Kamiki, Tatsuya Gashuin, Akihiro Miwa, Takuya Kimura, Haruko Kato, Ken Yasuda, Shigeyuki Totsugi

Crítica:

O FEITIÇO DO AMOR 

 O coração é um fardo pesado.

Prepare-se para ser enfeitiçado. Desengane-se se pensa que O Castelo Andante é um filme para crianças. É, absolutamente, para as crianças que já fomos e para os adultos que, mais ou menos envelhecidos, ainda somos e ainda seremos enquanto os nossos olhos conseguirem enxergar a beleza. As aparências iludem e o filme não é o que parece. Parte numa direcção e revela-se noutra. É todo ele sobre as aparências - nele tudo se disfarça, tudo se transfigura, tudo se transforma. Daí o risco de assistir a'O Castelo Andante munido de preconceitos ou expectativas. É que o que o mestre Hayao Myiazaki desta vez propõe é bem mais complexo e menos evidente do que seria de esperar, mesmo até para quem se maravilhou com os meandros surreais e fantásticos de A Viagem de Chihiro.

Desde o primeiro momento, a orquestração musical de Joe Hisaishi e Yumi Kimura, na sua sonante excelência, envolve-nos, abraça-nos e emociona-nos. O esplendor visual de O Castelo Andante inebria-nos a cada instante: o seu desenho, pintura e expressão em movimento atingem uma sublimidade inquestionável, naquele que é, provavelmente, o expoente máximo do requinte imagético na filmografia do cineasta. A música, aliada à imagem, têm um poder imenso num filme como este. Nada que não esperássemos já de um filme de Myiazaki - só que se por um lado O Castelo Andante nos atrai e maravilha os sentidos, num golpe de asa, por outro estimula-nos o intelecto como nenhum outro filme seu até então.

Sophie trabalha numa chapelaria e transforma o aspecto das pessoas. Quando é enfeitiçada pela Bruxa do Nada, ganha a aparência de uma velha curvada e rugosa. Howl, o feiticeiro sem coração, é refém da aparência - o aspecto para ele é tudo e ornamenta-se com imensos acessórios. Os seus aposentos revelarão o quão obcecado e maníaco é por jóias e objectos e bens materiais. Markl, a criança do castelo que praticamente metaforiza a essência infantil (ainda existente) de Howl, mascara-se de anão barbudo para receber os seus clientes. Calcifer, hilariante demónio de fogo, tem uma natureza secreta que só mais tarde descobriremos. O espantalho cabeça-de-nabo é muito mais do que um guia saltitão e inexpressivo. Até a Bruxa do Nada é muito mais do que uma malvada egoísta - a magia tornou-a um monstro e, assim que fica sem poderes, a sua exuberância derrete e revela a sua verdade. A Bruxa do Nada representa tudo aquilo em que Howl se poderá tornar se se deixar consumir completamente pela magia. Até o castelo, essa parafernália e amálgama de ferro, madeira, casas e fumos, com pernas de galinha e língua e olhos à semelhança dos Homens, é um agente em constante mutação, espelhando o estado do seu senhor. Calcifer é o coração daquela edificação ambulante e simultaneamente - literalmente - o coração de Howl. A magia é antiga e resultou numa maldição. Howl refugia-se do mundo num castelo andante capaz de desaparecer nas nuvens e na distância. Reza o mito que o feiticeiro anda de terra em terra a conquistar os corações de jovens raparigas, mas Howl foge é de si mesmo. Cada vez que se arranja, escapa. Não podemos julgá-lo por se refugiar no superficial - afinal, na essência, não tem coração.

Beleza vs. feiura, juventude vs. velhice... Note-se como Sophie - quando dorme, sonha, se mostra apaixonada ou genuinamente se aceita como é - quebra parcialmente o feitiço, tornando à beleza da juventude, como se também ela fosse uma bruxa e tivesse poderes (na verdade, no livro de Diana Wynne Jones no qual Myiazaki se baseia, a protagonista é efectivamente uma feiticeira). Não obstante - e também aí reside muito da beleza da proposta - as personagens cedem ao amor e apaixonam-se verdadeiramente por aquilo que são, não por aquilo que aparentam. Sobre qualquer magia ou maldição, o amor... essa misteriosa força capaz vencer qualquer batalha, qualquer guerra. Sophie personifica o amor e é pelo amor que consegue falar ao coração de Howl, Calcifer, e interferir tão eficaz e surpreendentemente na trajectória do gigante castelo e no rumo da história.

Ao seu terceiro castelo (Cagliostro era uma fortaleza medieval, bem enraizada na terra, e Laputa um lendário paraíso flutuante - cf. O Castelo no Céu), Myiazaki encontra o equilíbrio entre os prados verdejantes e os céus e também, mais do que nunca, maior liberdade narrativa. Este seu castelo tem, entre muitas outras, uma porta mágica que abre para locais diferentes. Até para um tempo diferente. É possível, pois, num simples abrir de porta, mudar o espaço e o tempo. Alterando, com tão aparente facilidade, as coordenadas essenciais para a compreensão da acção, não admira que, numa primeira visualização, O Castelo Andante pareça um filme por demais difícil, confuso e intrincado, ou até mesmo narrativamente mal gerido e desconexo. A respeito, escrevi num comentário de 2008: no fim, um argumento um tanto ou quanto mais complexo do que à partida se esperava; o que nos deixa com a sensação de que ou não percebemos a história ou a história em si mesma não se percebeu. Mas O Castelo Andante não é, seguramente, um filme para se assistir uma só vez e, garanto-vos, não se esgotará tão simplesmente numa segunda investida. A cada visualização, é como se abríssemos também nós uma porta para um novo lugar, para uma nova descoberta, para um novo entendimento. A narrativa escapa à linearidade como se de um sonho se tratasse e é fácil perdermo-nos, se não nos guiarmos pelos tantos símbolos e subtilezas. Por isso resulta tão bizarro e cativante.

E como é bom sonhar acordado...

11 comentários:

  1. Não será uma Viagem de Chiiro nem uma princesa Mononoke, mas entra dentro do mesmo universo, com a marca inconfundível da animação japonesa. Deu-me a impressão que o argumento foi sendo alvo de uma construção progressiva, a ideia não estava bem definida à partida. Gosto bastante da banda-sonora, julgo que um dos melhores trunfos do filme.

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  2. CLÁUDIA GAMEIRO: Por acaso, não sei assim foi, mas realmente dá essa sensação, de que o argumento foi sendo construído à medida que o projecto avançava a olhos vistos. Sem dúvida, a banda sonora é dos melhores trunfos da obra! Inesquecível!

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

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  3. A minha curiosidade perante Myazaki cresce a olhos vistos.
    Vou arranjar as suas três obras de animação.

    Abraço

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  4. So nao vi ainda Ponyo, mas os films de Myazaki, são qq coisade extaordinario.
    Adoro este Castelo Andante... a história é magnifica.
    Bjs

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  5. JACKIE BROWN: Suponho que te refiras a CHIHIRO, a este CASTELO e ao PONYO. Esperam-te três extraordinárias viagens, certamente. Dos 3 ainda só não vi PONYO.

    GEMA: Também ainda não vi o PONYO. O CASTELO ANDANTE é belíssimo. A história lá para o final é que fica bem complexa.

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

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  6. Eu gostei, mas confesso que a dada altura até achei demasiado complexo... tive algumas dificuldade em seguir a narrativa, a dada altura. Mas é bastante bom.

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  7. Adoro os filme do Hayao. Chihiro, Totoro, Castelo Animado, Ponyo, e agora estou prester a assistir O Serviço de Entregas da Kiki...

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  8. TIAGO RAMOS: Pois, a narrativa é mesmo complexa, a dado ponto... Mas é como disse. Myiazaki nunca deixa de nos encantar com a sua magia.

    FELIPE GUIMARÃES: Bem-vindo ao CINEROAD! Ainda me falta ver muitos do realizador. Tenho esperanças que em Portugal lancem os DVDs. Mas sim, Myiazaki é maravilhoso.
    Volte sempre!

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

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  9. Gostei bastante, e acho que merecia o Muito Bom :). É verdade que o argumento, a narrativa é um pouco complexa mas não me parece que o seja assim tanto como afirmas. O argumento sustenta-se em metáforas, em comparações e em profundas mensagens que pretende transmitir. Nesse sentido toda a história dos protagonistas e toda a fantasia é fundo, é o universo Myiazaki simplesmente. É pretexto, aqui mais do que nunca. E aí talvez te perceba, achei o filme (em comparação com outros títulos do realizador) mais preocupado com as subtilezas ou com as tais mensagens do que com a sua própria coerência e sentido. Preocupa-se menos consigo e mais com os outros digamos.

    De qualquer modo a história não me deixou de ser envolvente, me cativar e deslumbrar perante tal composição visual e sonora que Myiazaki executa tão bem. É delicioso o seu mundo. É o terceiro filme que descubro do realizador e até agora não me desiludi. Para continuar com toda a certeza na exploração das obras do cineasta.

    abraço

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  10. JORGE: É um filme a rever, assumo, e para breve. É deslumbrante, sem dúvida, mas no final encontro sempre tamanha complexidade na história. Farei uma nova crítica, em breve. Fica aqui o compromisso.

    Roberto Simões
    CINEROAD

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  11. Este filme foi re-avaliado a 7 de Março de 2017.

    Roberto Simões
    CINEROAD

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