sexta-feira, 8 de novembro de 2013

A ÁRVORE DA VIDA (2011)

PONTUAÇÃO: EXCELENTE
★★★★
Título Original: The Tree of Life
Realização: Terrence Malick
Principais Actores: Brad Pitt, Jessica Chastain, Sean Penn, Dalip Singh, Joanna Going, Tye Sheridan

Crítica:

A ODISSEIA DA VIDA

Unless you love, your life will flash by.

Monumental obra-prima de Malick, A Árvore da Vida compreende, na sua inspiração pura, o espelho da criação divina: a totalidade do cosmos, a intemporalidade, a universalidade. Nasce como a música, livre, esvoaça como o sopro do vento. Flui como o rio, refletindo a nossa eterna busca de sentido, perante os mistérios insondáveis de Deus, qual sol omnipresente. É uma experiência poderosa, profundamente religiosa, enraizada nas nossas maiores inquietações interiores. É como... a banda sonora da vida, que se quer escutar ao morrer, numa prece ou sussurro, na experiência do derradeiro apaziguamento. O sublime passo que antecede a fragmentação das memórias... em átomos.

Pedaço do éter (muito mais do que de cinema), vive do permanente confronto de forças antagónicas, sobre as quais jaz um equilíbrio essencial. There were two ways through life - the way of nature and the way of grace. You have to choose which one you'll follow. A natureza, mãe e abundante, porém impiedosa e atroz, e a graça, da sensibilidade e do amor, mas que contraria e nos instiga a percorrer um determinado caminho. A genial sequência da génese, com que se principia o universo e que eclode ao som arrepiante da Lacrimosa, transcende-nos em beleza e significado. É uma viagem no tempo, interpretação simultaneamente artística e científica da origem, por meio da qual se tenta expurgar a devastadora dor da perda - a morte supostamente contra-natura de um filho - que as personagens de Jessica Chastain e Brad Pitt sofrem nos minutos primeiros do filme, in media res. Quão intensos sãos os atores; no olhar, no toque, gritantemente humanos nas suas performances e tão perfeitos nas suas personagens. Perante o espetáculo arrebatador e incomensurável, o que significa ou representa uma morte humana? É esse o entendimento que o filme procura. Porque morremos? Que mal fizemos? Que Deus é Deus, que nos tira os nossos. Terão sido realmente nossos - seremos realmente nossos, afinal, ou não passaremos nós de matéria, parte da criação? És pó e em pó te tornarás (Génesis 3:19).  

Life goes on. People pass along. Nothing stays the same. Se há coisa que relembramos com a sequência da génese, é que o universo se encontra em constante mudança, em permanente transformação. Mesmo que sigamos o caminho da graça, a natureza há-de sempre lembrar-nos quem somos, de onde viemos e para onde vamos. A vida consiste no caminho, e dar-lhe sentido não significa necessariamente decifrar todos os segredos. Porque só Deus é Deus. Look: the glory all around us, trees, birds. I dishonored it all and didn't notice the glory. A foolish man.

Em seguida, a elegia percorre o caminho da graça, esperançoso e pleno. A odisseia da vida continua, com magistral e portantosa arte de filmar; note-se a delicadeza do movimento de câmera ou o deslumbre constante que é a fotografia de Emmanuel Lubezki: a entrega dos corpos ao sentimento, a dádiva de ser pai... quão redentora se revela a imagem de um pé de um filho recém-nascido - tão frágil e terno - na mão de um pai feito homem, deslumbrado e orgulhoso da sua criação feito Deus. A criança cresce e a educação desenvolve-se entre o afeto e a ingenuidade da mãe, que os educa entre as fraquezas, a permissão e a liberdade, e a severidade e a tenacidade do pai, que as educa entre a força e as restrições, pelos limites. Apesar de opostas, ambas as forças se revelam, mais tarde, fundamentais para o equilíbrio do ser humano enquanto adulto, na sua relação consigo e com os outros. Sem reconhecer a autoridade e o não, não haveria dilema moral, a criança só faria o que quisesse, desprezando o respeito. Pelos erros se confrontará com a fatalidade e as consequências da irresponsabilidade. Pelo amor, lembrará sempre a fonte da união. Mother. Father. Always you wrestle inside me. Always you will. O crescimento, tantas vezes cruel para os próprios e para tantos quantos os rodeiam, matura-se com esta perceção e aceitação. A Árvore da Vida não esquece ainda o ramo da rivalidade entre iguais, entre irmãos, ou a rivalidade edipiana entre filho e pai, pelo amor da mãe. A rivalidade que é inerente à noção de família e que potencia a evolução.

Só a morte ou a enfermidade, essas certezas malditas e sacramentais, nos interrompem o caminho da graça e nos devolvem, portanto, à natureza. Podem tardar, mas vêm sempre. Por isso, sonhamos com o reencontro impossível com os nossos entes queridos do passado, que jamais se nos desvanecem no esquecimento. Daí o final felliniano, tão marcadamente simbólico, com que Malick fecha a sua demanda metafísica: um deambulante Sean Penn, saído da altivez da transparência citadina, dos mais limpos e vazios desertos, das suas recordações mais remotas - e no entanto tão incessantemente presentes -, agora entre os seus, na praia do adeus. Sonhamos, pois, que o que vem no fim é... a merecida absolvição. A visão onírica chega a tornar-se perturbadora, na sua estranheza e tom lúgubre; não obstante consegue a façanha de nos encher o coração de tranquilidade e confiança, simultaneamente. Por fim, estamos em paz, sentimos. É como se vislumbrássemos à luz do dia as maravilhas do mundo uma última vez e fechássemos os olhos, anoitecendo para o eterno descanso... Prontos para acordar novamente.

Se não o entender, contemple-o, oiça-o e sinta-o. Filmes como A Árvore da Vida não só são raríssimos como absolutamente admiráveis, capazes de nos assolar e significar a existência com uma força meteórica e encantatória.

6 comentários:

  1. Um filmaço! Uma experiência única, um daqueles filmes que nos ficam na cabeça durante dias e dias.. porque as emoções, os sentimentos, a reflexão da vida que chega até nós, através da mestria de Malick com a câmara, delega para segundo plano uma linha narrativa, que não precisa de um início, meio ou fim, nem sequer do entendimento completo de todas as cenas. Um filme para se sentir mais que do que entender :)

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  2. É difícil de encontrar palavras para descrever este filme.


    Abraço
    Frank and Hall's Stuff

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  3. Costumo descrever este filme assim: mais do que um filme, é uma experiência :) E daquelas brutais!

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  4. PEDRO M. TEIXEIRA: Embora seja de um entendimento perfeitamente alcançável, ainda que haja sempre mistério, como há mistério em tudo. Mas é de sensações, claro... sensações e sentimentos... beleza, bondade, graça... a natureza em Deus e Deus na natureza... Obra-prima, muito provavelmente.

    BRUNO CUNHA: Por isso vou esperar por uma altura em que esteja inspirado para falar um pouco sobre ele. O macrocosmos da criação do universo, do tempo no espaço... e o microcosmos da evolução numa família. É tão frágil e ao mesmo tempo tão sofisticado, tão sensível... Malick no seu melhor, seguido logo do seu O NOVO MUNDO, DIAS DO PARAÍSO ou A BARREIRA INVISÍVEL.

    ADEK: Subscrevo-te completamente. Adoro o raio do filme, é tão bom.

    RAFHAEL VAZ: Vale mesmo a pena. É daqueles filmes de uma vida.

    Roberto Simões
    » CINEROAD «

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  5. Que dizer...acima de tudo uma experiência única, potente até aos ossos, capaz por si só de nos maravilhar com as cores, com a iluminação, com as sombras ou com os contrastes. Isto falando somente da fotografia através dos diversos postais que revela, porque a partir daí dá-se a fruição de um argumento intrincado, metafórico e original, acho que se pode dizer isso. Ainda que ache que a narrativa em si deveria ser mais una, mais visível e menos ambígua, pelo menos mais equilibrada em concordância para com a duração da película. Um apontamento em que poderei mudar de opinião, apesar de tudo.

    Realço ainda uma realização a todos os níveis espantosa, inventiva o suficiente para se afirmar como das melhores das últimas décadas, catapultando o seu autor para um planeta onde poucos habitam.

    abraço

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  6. JORGE: É mais provável que mudes de opinião ;) É preciso muita maturidade - e Malick tem-na por demais - para limar uma narrativa tão fragmentada e, simultaneamente, tão coesa. Há uma coesão espiritual, diria. É sublime.

    Roberto Simões
    » CINEROAD «

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