quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O ASSASSÍNIO DE JESSE JAMES PELO COBARDE ROBERT FORD (2007)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM
Título Original: The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford
Realização: Andrew Dominik
Principais Actores: Brad Pitt, Casey Affleck, Sam Rockwell, Jeremy Renner, Sam Shepard, Paul Schneider, Garret Dillahunt, Mary-Louise Parker, Brooklynn Proulx, Dustin Bollinger, Michael Parks, Ted Levine, Zooey Deschanel

Crítica: 

A NOSTALGIA DO OESTE

Do you want to be like me, or do you want to be me?


A morte assombra o belíssimo O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Roberto Ford, demorando-se desde o título. Embora a extensa inscrição só se faça no ecrã 160 minutos depois do início do filme, sabemo-lo de antemão, quando muito não seja pela História ou pela lenda que o cinema ajudou, durante décadas, a imortalizar. Haverá um assassínio, o assassinado é o admirado ou odiado herói - aqui desconstruídodesmistificado e humanizado - Jesse James e o assassino é Robert Ford, apelidado de cobarde. A estilizada visão de Andrew Dominik dá voz e espaço a ambas as personagens; neste retrato, nenhuma delas fica na sombra. E o adjetivo marca presença porque tem importância: o filme não deturpa a memória herdada pela oralidade ou pelo legado escrito do assassino do lendário fora-da-lei, antes é-lhe fiel. Sabemos, pois, o que vai acontecer. Resta saber como, de acordo com a perspetiva.

Desde o momento em que a luz invade a tela, assola-nos a nostalgia do velho oeste e a música melancólica e envolvente, que marca a cadência e a pulsação narrativa. A impressionante fotografia de Roger Deakins encerra a beleza em cada frame, contribuindo, não obstante, para o desencanto da abordagem, desfocando tantas vezes a moldura, jogando com a iluminação soturna, captando as atmosferas e as temperaturas: o calor das searas ao vento ou o frio da neve e do horizonte invernoso. A paisagem, o céu, as nuvens. Sente-se a passagem do tempo. Excelente fotografia, nos enquadramentos e na evolução da esmerada mise-en-scène. Para acentuar o tom sôfrego e dramático, na morosa espera pela tragédia anuciada, as magníficas composições musicais de Nick Cave e Warren Ellis (uma das melhores bandas sonoras da década). Aliada ao poder da imagem, a música tem um poder preponderante no desenrolar da ação: embala e define o compasso, pela repetição, e o ritmo impõe-se lento, meditativo, a descritiva narração introduz as sequências sem qualquer pressa, como num acto de contemplação e de pura degustação. Este não é, portanto, um western de ação desenfreada ou outro típico do cânone go género, é um estudo moral mas muito mais um estudo psicológico das personagens, principais ou secundárias, na sua ambiguidade, à medida que se saboreiam longas conversas. O argumento é, todo ele, um exercício de grande e inteligente construção, de respiração e de espaço. Potencia a dimensão das interpretações, tão seriamente modeladas pelos atores. Brad Pitt, enquanto Jesse James, é de uma entrega absoluta, visceral. O seu olhar impiedoso e calculista enquanto bandido, cada vez mais imprevisível, e o contraste enquanto marido e pai extremoso... deixam-nos certos de que estamos perante um dos seus melhores papéis. E há que dizer o mesmo do brilhante e surprendente Casey Affleck, sempre de sorriso parvo no rosto, que desempenha um inesquecível Robert Ford - o cobarde que cresceu idolatrando o já então lendário Jesse James, procurado pelas autoridades e herói de livros de bolso.

If you'll pardon my saying so, I guess it is interesting, the many ways you and I overlap and whatnot. You begin with our Daddies. Your daddy was a pastor of the New Hope Baptist Church; my daddy was a pastor of a church at Excelsior Springs. Um. You're the youngest of the three James boys; I'm the youngest of the five Ford boys. Between Charley and me, is another brother, Wilbur here, with six letters in his name; between Frank and you was a brother, Robert, also with six letters. Robert is my Christian name. You have blue eyes; I have blue eyes. You're five feet eight inches tall. I'm five feet eight inches tall. Oh me, I must've had a list as long as your nightshirt when I was twelve, but I've lost some curiosities over the years.  
Robert Ford

Agora com dezanove anos, Robert mantém o fascínio por Jesse James, para quem os irmãos trabalham em sucessivos assaltos. No seu ar de criança, sonha integrar o bando, mas é um eterno frustrado e gozado; dessa humilhação, sofrida em silêncio, partirá a revolta para o assassínio. Robert sente-se afinal um imbecil, um inútil, a quem não é reconhecida especial qualidade ou aptidão. You're not so special, Mr. Ford. You're just like any other tyro who's prinked himself up for an escapade, hoping to be a gunslinger like them nickel books are about. You may as well quench your mind of it, because you don't have the ingredients, son - diz-lhe o também famoso irmão de Jesse, Frank James. O saudoso crítico Roger Ebert arrisca uma interpretação da qual partilho: I think I will get less disagreement when I focus on the homosexual undertones of The Assassination of Jesse James (...) There are the usual lyrical passages of Jesse playing with his kids and loving his wife, and yet all the time he and the Coward have something deadly going on between them. If Robert cannot be the lover of his hero, what would be more intimate than to kill him?* Veja-se como, assassinado o bandido, Robert o imita sobre a cama, como se lhe faltasse também a parte de cima do dedo do meio, como se doentiamente desejasse outrar-se. Veja-se como por mais de oitocentas vezes encena o papel de Jesse James, esperando o aplauso, a aceitação, na ilusão de ser alguém que não uma sombra. Poderá questionar-se a passividade com que Jesse James se deixa matar, como que vencido e traído por todos os seus braços-direitos. Mas é inquestionável a maldição que o próprio Jesse lança a todos enquanto vivo (o thriller psicológico é claro, a pressão intensifica-se a cada cena, aterrorizando os companheiros, perturbando o espectador) e mesmo depois de morto (a destruição interior de Robert, corroído pela inveja e pelo remorso, não é senão a voz e o fantasma de Jesse James ainda presente). Peter Bradshaw, a propósito, acrescenta um apontamento interessante: He [Jesse James] engineers a character-assassination of Ford, and the title, knowingly, gets it precisely the wrong way around**. Notas especiais para os formidáveis desempenhos de Sam Rockwell, Jeremy Renner, Paul Schneider e Garret Dillahunt, que asseguram a insigne qualidade do elenco secundário.

Cenas memoráveis, são mais que muitas: da admirável encenação do assalto ao comboio ao diálogo de Brad Pitt, envolto em serpentes, na cadeira do jardim de erva altiva, dos disparos sobre Wood White ao momento em que Jesse James cai da cadeira, depois de limpar o pó ao quadro. Andrew Dominik, dotado de grande subtileza e de especial brio na arte de filmar, surpreende o mundo cinematográfico ao seu segundo filme. Western poético e crepuscular, O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Roberto Ford é um autêntico triunfo no seio do cinema independente norte-americano e um feito absolutamente singular, já que não só o revisita o género como lhe imprime um cunho bastante próprio e fascinante. Um filme magistral, a recordar e a rever sempre. 

14 comentários:

  1. É um filme extraordinário. Apoiado por interpretações avassaladoras de Pitt (tantas vezes injustamente subvalorizado) e Affleck (um dos actores da nova geração que mais aprecio), esta fita é de uma beleza incrível. E tem um dos melhores finais da última década :p

    Abraço

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  2. Ótimo filme!! Os confrontos psicológicos, confrontos morais, auxiliados pela fotografia meio escura, meio cinzenta são espetaculares. Isso claro com as brilhantes atuações de Brad Pitt e Casey Affleck.

    Abraço!

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  3. FIFECO: É um dos filmes mais belos de 2007. E um final anunciado magnífico. Estamos de acordo!

    RAPHAEL VAZ: Subscrevo. E a banda sonora de Nick Cave? Perfeita! Sublime!

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

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  4. Ainda não tive oportunidade de ver, mas tenho muita curiosidade!

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  5. Gostei imenso do filme, vários pontos interessantes tais como a tua referência às interpretações e um grande final...

    Abraço
    http://nekascw.blogspot.com/

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  6. TIAGO RAMOS: É um filme magnífico, tens de vê-lo! ;)

    NEKAS: Absolutamente ;)

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

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  7. Achei excelente, filmaço, muito bem contada a história de Jesse James, Brad Pitt e Casey Affleck estão ótimos. nota 9.0!
    Abs! Diego!

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  8. Sim é um Western actual que marca pontos onde outros não o conseguiram (3:10 to Yuma e Appaloosa, por exemplo), especialmente através das interpretações a cargo de Brad Pitt e Casey Affleck, que nos fazem lembrar os grandes personagens de décadas atrás, naqueles westerns eternos. A complexidade, os dramas internos e os diálogos mentais estão muito bons mesmo.

    No entanto não o vejo assim tão distante dos acima mencionados e não tão perto dos clássicos e dos spaghetti. Um filme bem conseguido, mas não extraordinário na minha opinião, em que apenas as interpretações atingem esse nível.

    abraço

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  9. JORGE: Muito pelo contrário, eu vejo-o bem distante desses outros. É um filme fascinante e muito, muito bem feito. Deveras excecional e magistral.

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - A Estrada do Cinema «

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  10. Vou discordar neste e muito: que grande seca!
    A distância entre este filme e por exemplo o filme mais fraco de Leone (na minha opinião, Il Mio nome è Nessuno) é a distância entre os Estados Unidos e o deserto de Tabernas na Andaluzia!

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  11. PEDRO PEREIRA: Neste caso ;) só te tenho uma coisa a perguntar: teremos nós visto o mesmo filme? É evidente que o filme exige tempo e disposição, mas é absolutamente magistral. Acho que não seria de recusar uma segunda visualização.

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - A Estrada do Cinema «

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  12. Gosto deveras de Brad Pitt. Acho que implicam com o gajo porque é bonito e hollywoodiano. Claro que ficou meio apagado em Inglorious Bastards diante daquelas feras germânicas (Waltz, Kruger e outros).

    Não gosto de westerns, mas este é uma filmaço!

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  13. ENALDO: Sim, também eu. É um grande actor, independentemente da aparência que muitas vezes glorifica ou condena as suas actuações, a priori. Este é, para mim, um dos seus melhores desempenhos. Outros dos meus favoritos: 12 MACACOS, CLUBE DE COMBATE, SNATCH ou o mais recente (e genial) A ÁRVORE DA VIDA. O papel no filme do Tarantino também conta com um grande desempenho seu, sem dúvida. Eu, pelo contrário, adoro westerns. Sobretudo os spaghetti do Leone.

    Roberto Simões
    CINEROAD

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