★★★★
Realização: Lars von Trier
Principais Actores: Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Alexander Skarsgård, Brady Corbet, Cameron Spurr, Charlotte Rampling, Jesper Christensen, John Hurt, Stellan Skarsgård, Udo Kier, Kiefer Sutherland
Crítica:
O FIM DO MUNDO
The earth is evil. We don't need to grieve for it.
(...) we're alone. Life is only on earth, and not for long.
(...) we're alone. Life is only on earth, and not for long.
Melancolia é um filme bastante sui generis, como bastante sui generis é o cineasta Lars von Trier, todos sabemos. E este é o comentário mais redutor que se poderá tecer a respeito deste intenso e estranho melodrama de fim do mundo.
Depois de um prólogo visualmente impressionante e irrepreensível, pleno de força cinematográfica ao som de Tristão e Isolda de Wagner, em que o slow motion anima a simbologia em tons de pesadelo, duas partes de filme: na primeira, intitulada Justine, seguimos a deslumbrante noiva de Kirsten Dunst, alheada numa depressão profunda, absorta numa existência inconsciente, como se a sua palavra ou ação não tivesse mais significado. Seguimo-la de trémula câmera ao ombro, desde a sinuosa curva que atrasa a limousine dos recém-casados ao mais inesperado copo d'água de que há memória, numa mansão-quase-castelo repleta de familiares e amigos que não se adoram propriamente. Cai a máscara, progressivamente, caindo com ela todas as aparências de um casamento feliz. O sonho dá lugar à frustração, à desilusão. Ao alto, na imensidão do firmamento, Justine identifica um ponto mais luminoso do que as restantes estrelas da noite - o mesmo ponto crescente que, na segunda parte, a irmã da noiva (herdou-se a Charlotte Gainsbourg do genial e anterior Anticristo), cujo nome Claire dá nome ao capítulo, prefere abster-se de vislumbrar ao telescópio, como se pela privação acalmasse o seu penoso pressentimento de que o planeta - chamado Melancolia - está a dias de colidir com a Terra e de acabar com todas as coisas. As previsões matemáticas e científicas de que isso não acontecerá e das quais o marido está tão seguro teimam em inquietá-la ao invés de pacificá-la. Essa ameaça que vem desde o prólogo, que na primeira parte não passa de um mero apontamento, mas que na segunda parte acaba por se tornar o centro de toda a ação, de todo o filme, funciona como força magnética e gravitacional, como se atraísse as personagens para a melancolia do seu nome e para a desgraça e o abismo inevitável que a sua colisão representa e significa. A sua omnipresença assola, em crescendo e irredutivelmente, o destino das duas irmãs, aniquilando quaisquer possibilidades de família ou de futuro. Por isso mesmo o casamento - instituição associada à união dos seres, à construção da relação ou da família - não deixa de funcionar como ironia, pois quaisquer tentativas de criação estão, a priori, condenadas pela destruição vindoura.
A ópera termina em tragédia; o que não admira, tal é o desencanto da visão. O que talvez surpreenda é o intimismo alcançado - tão contrastante com a natureza espetatular e desenfreada da maioria dos filmes apocalíticos - capaz de causar algum mal-estar no espetador, porém infinitamente distante do tom repugnante e provocatório de outras obras com a assinatura do realizador. Aqui contemplamos a apatia, distante de viscerais sentimentos, resignados, como de mãos e pés atados mas sem força ou vontade de ficarmos livres, por nos darmos por vencidos ou derrotados pelas circunstâncias. Não há escape nem salvação possível. Melancolia não deixa, portanto, de ser Lars von Trier fiel a si próprio, tanto na estética como na essência temática: tornamos à mulher como cúmulo da dor humana, como caminho para a transcedência. Fica a sensação de uma expiação criativa, de alguma fragilidade estrutural, todavia de absoluta singularidade.
Depois de um prólogo visualmente impressionante e irrepreensível, pleno de força cinematográfica ao som de Tristão e Isolda de Wagner, em que o slow motion anima a simbologia em tons de pesadelo, duas partes de filme: na primeira, intitulada Justine, seguimos a deslumbrante noiva de Kirsten Dunst, alheada numa depressão profunda, absorta numa existência inconsciente, como se a sua palavra ou ação não tivesse mais significado. Seguimo-la de trémula câmera ao ombro, desde a sinuosa curva que atrasa a limousine dos recém-casados ao mais inesperado copo d'água de que há memória, numa mansão-quase-castelo repleta de familiares e amigos que não se adoram propriamente. Cai a máscara, progressivamente, caindo com ela todas as aparências de um casamento feliz. O sonho dá lugar à frustração, à desilusão. Ao alto, na imensidão do firmamento, Justine identifica um ponto mais luminoso do que as restantes estrelas da noite - o mesmo ponto crescente que, na segunda parte, a irmã da noiva (herdou-se a Charlotte Gainsbourg do genial e anterior Anticristo), cujo nome Claire dá nome ao capítulo, prefere abster-se de vislumbrar ao telescópio, como se pela privação acalmasse o seu penoso pressentimento de que o planeta - chamado Melancolia - está a dias de colidir com a Terra e de acabar com todas as coisas. As previsões matemáticas e científicas de que isso não acontecerá e das quais o marido está tão seguro teimam em inquietá-la ao invés de pacificá-la. Essa ameaça que vem desde o prólogo, que na primeira parte não passa de um mero apontamento, mas que na segunda parte acaba por se tornar o centro de toda a ação, de todo o filme, funciona como força magnética e gravitacional, como se atraísse as personagens para a melancolia do seu nome e para a desgraça e o abismo inevitável que a sua colisão representa e significa. A sua omnipresença assola, em crescendo e irredutivelmente, o destino das duas irmãs, aniquilando quaisquer possibilidades de família ou de futuro. Por isso mesmo o casamento - instituição associada à união dos seres, à construção da relação ou da família - não deixa de funcionar como ironia, pois quaisquer tentativas de criação estão, a priori, condenadas pela destruição vindoura.
A ópera termina em tragédia; o que não admira, tal é o desencanto da visão. O que talvez surpreenda é o intimismo alcançado - tão contrastante com a natureza espetatular e desenfreada da maioria dos filmes apocalíticos - capaz de causar algum mal-estar no espetador, porém infinitamente distante do tom repugnante e provocatório de outras obras com a assinatura do realizador. Aqui contemplamos a apatia, distante de viscerais sentimentos, resignados, como de mãos e pés atados mas sem força ou vontade de ficarmos livres, por nos darmos por vencidos ou derrotados pelas circunstâncias. Não há escape nem salvação possível. Melancolia não deixa, portanto, de ser Lars von Trier fiel a si próprio, tanto na estética como na essência temática: tornamos à mulher como cúmulo da dor humana, como caminho para a transcedência. Fica a sensação de uma expiação criativa, de alguma fragilidade estrutural, todavia de absoluta singularidade.
De acordo. Sente-se Trier por todo o lado, aliás pressente-se mais do que se sente, só isso para não fazer deste Melancolia algo melhor, mais transcendente. Bom filme, ainda assim, com bastante por onde apreciar.
ResponderEliminarCumprimentos,
Jorge Teixeira
Caminho Largo
Sem dúvida, Jorge. Mas é por demais magnetizante!
ResponderEliminarCINEROAD