PONTUAÇÃO: MUITO BOM
★★★★★
Título Original: Les Misérables
Realização: Tom Hooper
Principais Actores: Hugh Jackman, Russell Crowe, Anne Hathaway, Amanda Seyfried, Eddie Redmayne, Helena Bonham Carter, Sacha Baron Cohen, Samantha Barks, Aaron Tveit, Daniel Huttlestone
Crítica:
Do you hear the people sing?
Singing a song of angry men?
Singing a song of angry men?
A REVOLUÇÃO DO POVO
It is the music of a people
Who will not be slaves again!
Who will not be slaves again!
Um musical monumental, absolutamente majestoso - puro e duro na sua essência - como há muito tempo não se via. Assim é Os Miseráveis, de Tom Hooper, a partir do sucesso homónimo dos palcos, por sua vez a partir do célebre romance de Victor Hugo. Não é de espantar que a gente com menos tradição ou cultura do musical o menospreze, subvalorize ou injustice, nomeadamente entre a crítica cinematográfica. Basta aliás consultar o histórico de alguns críticos ou bloggers para, simplesmente, nos esbatermos com a ausência da opinião ou apreciação sobre musicais... Nenhum género é menor e ridicularizar a priori um filme porque os atores cantam em vez de falarem é, mais do que uma questão de gosto, uma questão de falta de cultura. Ponto assente, haverá naturalmente os bons e os maus musicais, como os há - os bons e os maus - em tudo.
Dos tons e cores de Eugéne Delacroix - vem-nos imediatamente à memória o simbólico e imortal La Liberté Guidant Le Peuple - a obra prima pelo arrojo visual. Os verdadeiros quadros vivos pintam-se e deslumbram-nos frame by frame. Proeza irretocável do extraordinário diretor de fotografia Danny Cohen, herança da anterior colaboração com Hooper no igualmente magistral O Discurso do Rei. Sobressaem a matemática ou liberdade de cada enquadramento, como que num ato de júbilo, a plena consonância da palete cromática entre o esmerado guarda-roupa e a pomposa e detalhada (re)criação artística dos cenários (há sets impressionantes!) e, até, entre os demais efeitos digitais, na maior parte das vezes invisíveis ou camuflados. A imagem é tratada, requintada, estilizada ao mais ínfimo detalhe, na expressão máxima da beleza - o que constitui quase uma regra poética, comum a tantos musicais.
Falemos dos atores, desse fabuloso elenco de luxo que, com a intensidade das suas performances, confere ao filme uma profundidade dramática tremenda, à altura da exigência narrativa. Comecemos pelo notável Jean Valjean de Hugh Jackman, já que o filme acompanha o seu sofrido percurso, desde escravo da lei ou prisioneiro 24601 - por ter roubado pão para alimentar a sua sobrinha numa Paris assolada pela miséria - a criminoso procurado e perseguido pelas autoridades, em especial e numa demanda pessoal pelo inspetor Javert, interpretado por Russell Crowe. A busca pelo homem intensifica-se durante todo o filme (por Javert, numa servidão moral inquestionável que se deixará consumir pela dúvida) e a procura pela absolvição aos olhos de Deus também (por Valjean, que esconde a sua identidade para tentar um recomeço, mas que não consegue escapar ao passado). Jackman - já perceberamos que era capaz de grandes interpretações desde o genial The Fountain, de Aronofsky - transfigura-se pelo olhar e pela voz; é evidente a sua expressividade física e vocal, como se arrancasse às entranhas toda a sua força e vitalidade. Já o olhar de Crowe é misterioso e dissimulado e o seu corpo é como que escravo e contradição da sua vontade. É como se a carne desejasse tombar das alturas enquanto a alma, atormentada, reclamasse a imensidão da estrelas. Na cena que encerra o primeiro ato e em que canta Stars, sobre o crepúsculo do dia e os edifícios de Paris, essa ameaça é declarada, cumprindo-se mais tarde. A sua voz não tem o lirismo de outras, mas é cerebral e controlada, bem projetada e afinada, o que o salva da crítica maldosa. Temos depois a singela e desgraçada Fantine de Anne Hathaway, que após vender os dentes, o cabelo e o ventre, no porto da repugnância, arrebata um aplauso unânime com a interpretação sentida e por demais intimista de I Dreamed a Dream. É um close-up estático e sem cortes, de minutos sôfregos e dolorosos, em que sentimos cada respiração, cada lágrima. É uma cena puramente arrepiante. Temos depois a dupla cómica do também miserável mas igualmente sublime Sweeney Todd de Tim Burton, Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen, aqui um hilariante casal de vigaristas, perfeitos nos seus papéis. Temos ainda as jovens Amanda Seyfried e Samantha Barks, seguras dos seus tons e dinâmicas, a segunda com maior expressividade física que a primeira, e o também jovem Eddie Redmayne, no topo do triângulo amoroso e dono de um timbre belíssimo, com uma entrega incrível... Não é por acaso que Empty Chairs at Empty Tables resulta numa cena completamente comovente, desoladora e memorável. O cast, até nos papéis menores ou figurantes, é portentoso e por demais extenso, destaquemos por fim o idealista de Aaron Tveit ou o genuíno e bem humorado savoir-faire do pequeno Daniel Huttlestone, como corajoso Gavroche.
Tom Hooper, dotado de inspirada gradiloquência épica (da mesma que se perpetua na assombrosa banda sonora), mostra-se mestre das mais variadas formas de filmar para extrair o melhor de cada ator, de cada cenário, em cada plano. Que era excelente diretor de atores, isso já sabiamos desde o seu filme anterior. Cada personagem tem o seu momento, tornando o filme um exemplo de abrangente pluralidade. Não há como não salientar a opção de gravar as performances musicais no exato momento em que as cenas são gravadas, evitando o perfecionismo das habituais dobragens da pós-produção e entregando o musical a um maior realismo e a um maior poder interpretativo, mesmo se com algumas imperfeições. Ou sobretudo por elas.
Da decadência social das ruas às barricadas e à rebelião do povo, não deixando esmorecer a memória da Revolução Francesa, a obra cresce da sátira para a imortalidade ao som do hino Do You Hear the People Sing? Os Miseráveis conquistou a generalidade do público e da crítica e impõe-se como um triunfo da ousadia, ou não fosse um musical operático - puro e duro como comecei por referir - com 158 minutos de duração, de ação imparável, a grande ritmo. Sem dúvida, um dos melhores filmes do ano e um dos melhores musicais de que há memória.
Falemos dos atores, desse fabuloso elenco de luxo que, com a intensidade das suas performances, confere ao filme uma profundidade dramática tremenda, à altura da exigência narrativa. Comecemos pelo notável Jean Valjean de Hugh Jackman, já que o filme acompanha o seu sofrido percurso, desde escravo da lei ou prisioneiro 24601 - por ter roubado pão para alimentar a sua sobrinha numa Paris assolada pela miséria - a criminoso procurado e perseguido pelas autoridades, em especial e numa demanda pessoal pelo inspetor Javert, interpretado por Russell Crowe. A busca pelo homem intensifica-se durante todo o filme (por Javert, numa servidão moral inquestionável que se deixará consumir pela dúvida) e a procura pela absolvição aos olhos de Deus também (por Valjean, que esconde a sua identidade para tentar um recomeço, mas que não consegue escapar ao passado). Jackman - já perceberamos que era capaz de grandes interpretações desde o genial The Fountain, de Aronofsky - transfigura-se pelo olhar e pela voz; é evidente a sua expressividade física e vocal, como se arrancasse às entranhas toda a sua força e vitalidade. Já o olhar de Crowe é misterioso e dissimulado e o seu corpo é como que escravo e contradição da sua vontade. É como se a carne desejasse tombar das alturas enquanto a alma, atormentada, reclamasse a imensidão da estrelas. Na cena que encerra o primeiro ato e em que canta Stars, sobre o crepúsculo do dia e os edifícios de Paris, essa ameaça é declarada, cumprindo-se mais tarde. A sua voz não tem o lirismo de outras, mas é cerebral e controlada, bem projetada e afinada, o que o salva da crítica maldosa. Temos depois a singela e desgraçada Fantine de Anne Hathaway, que após vender os dentes, o cabelo e o ventre, no porto da repugnância, arrebata um aplauso unânime com a interpretação sentida e por demais intimista de I Dreamed a Dream. É um close-up estático e sem cortes, de minutos sôfregos e dolorosos, em que sentimos cada respiração, cada lágrima. É uma cena puramente arrepiante. Temos depois a dupla cómica do também miserável mas igualmente sublime Sweeney Todd de Tim Burton, Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen, aqui um hilariante casal de vigaristas, perfeitos nos seus papéis. Temos ainda as jovens Amanda Seyfried e Samantha Barks, seguras dos seus tons e dinâmicas, a segunda com maior expressividade física que a primeira, e o também jovem Eddie Redmayne, no topo do triângulo amoroso e dono de um timbre belíssimo, com uma entrega incrível... Não é por acaso que Empty Chairs at Empty Tables resulta numa cena completamente comovente, desoladora e memorável. O cast, até nos papéis menores ou figurantes, é portentoso e por demais extenso, destaquemos por fim o idealista de Aaron Tveit ou o genuíno e bem humorado savoir-faire do pequeno Daniel Huttlestone, como corajoso Gavroche.
Tom Hooper, dotado de inspirada gradiloquência épica (da mesma que se perpetua na assombrosa banda sonora), mostra-se mestre das mais variadas formas de filmar para extrair o melhor de cada ator, de cada cenário, em cada plano. Que era excelente diretor de atores, isso já sabiamos desde o seu filme anterior. Cada personagem tem o seu momento, tornando o filme um exemplo de abrangente pluralidade. Não há como não salientar a opção de gravar as performances musicais no exato momento em que as cenas são gravadas, evitando o perfecionismo das habituais dobragens da pós-produção e entregando o musical a um maior realismo e a um maior poder interpretativo, mesmo se com algumas imperfeições. Ou sobretudo por elas.
Da decadência social das ruas às barricadas e à rebelião do povo, não deixando esmorecer a memória da Revolução Francesa, a obra cresce da sátira para a imortalidade ao som do hino Do You Hear the People Sing? Os Miseráveis conquistou a generalidade do público e da crítica e impõe-se como um triunfo da ousadia, ou não fosse um musical operático - puro e duro como comecei por referir - com 158 minutos de duração, de ação imparável, a grande ritmo. Sem dúvida, um dos melhores filmes do ano e um dos melhores musicais de que há memória.
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