Título Original: Cast Away
Realização: Robert Zemeckis
Principais Actores: Tom Hanks, Helen Hunt, Nick Searcy, Leonid Citer, David Allen Brooks, Semion Suradikov, Paul Sanchez
Crítica:
Encarando a reflexão e esta necessidade, compreendemos melhor a razão de ser do filme na civilização, em todos os seus contornos dramáticos, ainda que não a aceitemos totalmente. Podemos criar alguma ligação emocional com a sequência do regresso a casa (embora soe a anticlimático, a demasiado), mas seria preferível e mais enriquecedor deixar o final em aberto. Zemeckis e o argumentista William Broyles Jr. poderiam ter optado por deixar o ator à deriva ou partir para os créditos no momento em que o navio atravessa o frame em segundo plano. Mas enfim: qualquer filme é aquilo que é e não aquilo que gostaríamos que fosse. O Náufrago abre e fecha em círculo, numa encruzilhada - literalmente falando. Nunca sabemos aonde as nossas escolhas nos levam, percebemos o símbolo, e a escolha dos autores foi esta. Para todos os efeitos, o certo é que O Náufrago é um daqueles filmes aos quais retorno, de par em par de anos, e, a cada visualização, é como se tivesse o poder de me reposicionar perante a vida. A experiência de Chuck na ilha paradisíaca - que se tornará, durante anos, a ilha da solidão - remete-nos para a essência do ser humano no seu estado mais puro e primitivo e revela-nos aquilo que, porventura, esquecemos no nosso ocupado dia-a-dia. Ei-lo a (sobre)viver com a ajuda da imaginação, das memórias e da esperança, numa autêntica transformação física e psicológica. A escapar ao infortúnio, sabemo-lo, nunca mais será o mesmo.
O SOBREVIVENTE
We live and we die by time.
We live and we die by time.
And we must not commit the sin of losing our track on time.
Quando Eurico de Barros disse «que há um filme a
mais em Cast Away - O Náufrago, e que esse filme é o primeiro»*,
não poderia estar mais de acordo. Há dois filmes neste O Náufrago:
um que se completa com a abertura e com o final da obra e outro que consiste
no seu meio. E este do meio é verdadeiramente sublime, desde o desempenho
impressionante e transfigurador de Tom Hanks (a entrega do ator é total) a
aspectos mais técnicos como o som, a fotografia ou a realização. Fosse só o
filme este âmago inspirado e profundamente inspirador, que conta uma
extraordinária história de sobrevivência, e atribuir-lhe-ia
as cinco estrelas sem pestanejar; porque lhe são inteiramente merecidas e tem
qualidade para se afirmar como um clássico absoluto. Porém, o restante filme,
ainda que interessante e com uma prestação sentida de Helen Hunt, identifica-se
facilmente como uma daquelas convencionais e sentimentais comédias americanas,
sem especial mise-en-scène ou singularidade. Impõe-se, portanto, a
questão: qual a necessidade?
Segue a reflexão: a necessidade do contraponto,
para uma maior humanização da personagem e para o triunfo da mensagem junto da
nossa consciência. Chuck Noland não é senão um ser humano comum, porventura
igual a muitos dos espetadores: escravo do trabalho, de um sistema capitalista
que nos conometra a respiração, e de uma civilização ocidental, que nos cega
para o real sentido da vida e das coisas, para o que é verdadeiramente essencial
e importante: o tempo para amar e ser amado, para construir uma família, para a
realização pessoal. Não é por acaso que Chuck trabalha na FedEx, passe um de
muitos casos de product placement, estabelecendo uma relação irónica com
a estadia na ilha deserta. O dia-a-dia na distribuidora, a pressão, o stress,
a viagem por todo o globo, o ritmo imparável, o verdadeiro consumo da
existência, passando o tempo sem que se note. Quando a tempestade assola aquele
fatídico avião e a tragédia se abate sobre o oceano, a morte bate à porta: e,
se vier para ficar, todo o tempo gasto em prol da profissão foi tempo perdido,
que jamais voltará. A possibilidade e a oportunidade de uma vida terá sido
desperdiçada, sem que se tivessem alimentado raízes ou criado frutos; que é
como quem diz: significados. Nesse momento, Zemeckis bate à porta do espetador:
não como a morte, mas como mensageiro ou arauto: caro espetador, ainda vai a
tempo de mudar a sua vida.
Encarando a reflexão e esta necessidade, compreendemos melhor a razão de ser do filme na civilização, em todos os seus contornos dramáticos, ainda que não a aceitemos totalmente. Podemos criar alguma ligação emocional com a sequência do regresso a casa (embora soe a anticlimático, a demasiado), mas seria preferível e mais enriquecedor deixar o final em aberto. Zemeckis e o argumentista William Broyles Jr. poderiam ter optado por deixar o ator à deriva ou partir para os créditos no momento em que o navio atravessa o frame em segundo plano. Mas enfim: qualquer filme é aquilo que é e não aquilo que gostaríamos que fosse. O Náufrago abre e fecha em círculo, numa encruzilhada - literalmente falando. Nunca sabemos aonde as nossas escolhas nos levam, percebemos o símbolo, e a escolha dos autores foi esta. Para todos os efeitos, o certo é que O Náufrago é um daqueles filmes aos quais retorno, de par em par de anos, e, a cada visualização, é como se tivesse o poder de me reposicionar perante a vida. A experiência de Chuck na ilha paradisíaca - que se tornará, durante anos, a ilha da solidão - remete-nos para a essência do ser humano no seu estado mais puro e primitivo e revela-nos aquilo que, porventura, esquecemos no nosso ocupado dia-a-dia. Ei-lo a (sobre)viver com a ajuda da imaginação, das memórias e da esperança, numa autêntica transformação física e psicológica. A escapar ao infortúnio, sabemo-lo, nunca mais será o mesmo.
Do imaginário de Robison
Crusoé, o filme de Zemeckis invoca-nos as melhores recordações. A
relação que estabelece com a bola de voleibol Wilson, qual Sexta-Feira,
salva-lhe a vida, pela amizade e comunicação; caso contrário, o cerne do filme
seria silêncio, vento e mar e pouco mais. Sem diálogos, sem música. A ação é deveras
marcante e o nosso interesse jamais esmorece, tal é o fascínio com que o projeto é
encenado, filmado e interpretado: um só ator, na posse plena do seu talento, na
procura de um abrigo, de um navio no horizonte, de uma fagulha que desperte uma
fogueira quente, que o proteja do frio. Contar os dias, as horas ou tentar
esquecer o tempo... é tudo uma reaprendizagem, como se tivesse nascido
novamente, noutra condição. A sonante música de Alan Silvestri, quando se ouve e sente,
desvanece a desolação numa desejada sensação de conforto.
Não obstante e indubitavelmente, a força do filme está no homem e na ilha, na visceral e memorável performance de Tom Hanks.
Não obstante e indubitavelmente, a força do filme está no homem e na ilha, na visceral e memorável performance de Tom Hanks.
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Grande atuação de Tom Hanks. Valew
ResponderEliminarTom Hanks em grande, é descendente de portugueses e basta.
ResponderEliminarZemeckis foi o inspirado autor de "Back to the Future", um filme que, sequelas à parte, não me canso nunca de ver. As viagens no tempo sempre me fascinaram, sobretudo quando se realizam no sentido do passado.
ResponderEliminarNeste "Cast Away" Zemeckis tentou de algum modo repetir a fórmula - o regresso do náufrago à civilização é equivalente a um regresso ao passado. Mas há qualquer coisa que falha neste filme. E não são as sequências de abertura e de finalização, que até são as que melhor se suportam num segundo visionamento. Tenho portanto uma opinião diferente da tua, julgo até que o interlúdio na ilha é longo demais. O que, mesmo assim, ainda consegue funcionar é o balanço entre os "dois filmes". Fosse ele exclusivamente passado na ilha e seria de um tédio enorme.
No conjunto, 2 estrelas (razoável) em 5
JACQUES: De acordo. Um dos seus últimos grandes papéis. A década 2000 até que nem lhe trouxe grandes interpretações, se bem me recordo.
ResponderEliminarANÓNIMO: Fica o orgulho português. Só não ficou a assinatura ;)
RATO: Neste caso, estamos radicalmente em desacordo ;)
Cumps.
Roberto Simões
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