segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O NÁUFRAGO (2000)

PONTUAÇÃO: BOM
Título Original: Cast Away
Realização: Robert Zemeckis
Principais Actores: Tom Hanks, Helen Hunt, Nick Searcy, Leonid Citer, David Allen Brooks, Semion Suradikov, Paul Sanchez

Crítica:

O SOBREVIVENTE

We live and we die by time. 
And we must not commit the sin of losing our track on time.

Quando Eurico de Barros disse «que há um filme a mais em Cast Away - O Náufrago, e que esse filme é o primeiro»*, não poderia estar mais de acordo. Há dois filmes neste O Náufrago: um que se completa com a abertura e com o final da obra e outro que consiste no seu meio. E este do meio é verdadeiramente sublime, desde o desempenho impressionante e transfigurador de Tom Hanks (a entrega do ator é total) a aspectos mais técnicos como o som, a fotografia ou a realização. Fosse só o filme este âmago inspirado e profundamente inspirador, que conta uma extraordinária história de sobrevivência, e atribuir-lhe-ia as cinco estrelas sem pestanejar; porque lhe são inteiramente merecidas e tem qualidade para se afirmar como um clássico absoluto. Porém, o restante filme, ainda que interessante e com uma prestação sentida de Helen Hunt, identifica-se facilmente como uma daquelas convencionais e sentimentais comédias americanas, sem especial mise-en-scène ou singularidade. Impõe-se, portanto, a questão: qual a necessidade?

Segue a reflexão: a necessidade do contraponto, para uma maior humanização da personagem e para o triunfo da mensagem junto da nossa consciência. Chuck Noland não é senão um ser humano comum, porventura igual a muitos dos espetadores: escravo do trabalho, de um sistema capitalista que nos conometra a respiração, e de uma civilização ocidental, que nos cega para o real sentido da vida e das coisas, para o que é verdadeiramente essencial e importante: o tempo para amar e ser amado, para construir uma família, para a realização pessoal. Não é por acaso que Chuck trabalha na FedEx, passe um de muitos casos de product placement, estabelecendo uma relação irónica com a estadia na ilha deserta. O dia-a-dia na distribuidora, a pressão, o stress, a viagem por todo o globo, o ritmo imparável, o verdadeiro consumo da existência, passando o tempo sem que se note. Quando a tempestade assola aquele fatídico avião e a tragédia se abate sobre o oceano, a morte bate à porta: e, se vier para ficar, todo o tempo gasto em prol da profissão foi tempo perdido, que jamais voltará. A possibilidade e a oportunidade de uma vida terá sido desperdiçada, sem que se tivessem alimentado raízes ou criado frutos; que é como quem diz: significados. Nesse momento, Zemeckis bate à porta do espetador: não como a morte, mas como mensageiro ou arauto: caro espetador, ainda vai a tempo de mudar a sua vida.

Encarando a reflexão e esta necessidade, compreendemos melhor a razão de ser do filme na civilização, em todos os seus contornos dramáticos, ainda que não a aceitemos totalmente. Podemos criar alguma ligação emocional com a sequência do regresso a casa (embora soe a anticlimático, a demasiado), mas seria preferível e mais enriquecedor deixar o final em aberto. Zemeckis e o argumentista William Broyles Jr. poderiam ter optado por deixar o ator à deriva ou partir para os créditos no momento em que o navio atravessa o frame em segundo plano. Mas enfim: qualquer filme é aquilo que é e não aquilo que gostaríamos que fosse. O Náufrago abre e fecha em círculo, numa encruzilhada - literalmente falando. Nunca sabemos aonde as nossas escolhas nos levam, percebemos o símbolo, e a escolha dos autores foi esta. Para todos os efeitos, o certo é que O Náufrago é um daqueles filmes aos quais retorno, de par em par de anos, e, a cada visualização, é como se tivesse o poder de me reposicionar perante a vida. A experiência de Chuck na ilha paradisíaca - que se tornará, durante anos, a ilha da solidão - remete-nos para a essência do ser humano no seu estado mais puro e primitivo e revela-nos aquilo que, porventura, esquecemos no nosso ocupado dia-a-dia. Ei-lo a (sobre)viver com a ajuda da imaginação, das memórias e da esperança, numa autêntica transformação física e psicológica. A escapar ao infortúnio, sabemo-lo, nunca mais será o mesmo.

Do imaginário de Robison Crusoé, o filme de Zemeckis invoca-nos as melhores recordações. A relação que estabelece com a bola de voleibol Wilson, qual Sexta-Feira, salva-lhe a vida, pela amizade e comunicação; caso contrário, o cerne do filme seria silêncio, vento e mar e pouco mais. Sem diálogos, sem música. A ação é deveras marcante e o nosso interesse jamais esmorece, tal é o fascínio com que o projeto é encenado, filmado e interpretado: um só ator, na posse plena do seu talento, na procura de um abrigo, de um navio no horizonte, de uma fagulha que desperte uma fogueira quente, que o proteja do frio. Contar os dias, as horas ou tentar esquecer o tempo... é tudo uma reaprendizagem, como se tivesse nascido novamente, noutra condição. A sonante música de Alan Silvestri, quando se ouve e sente, desvanece a desolação numa desejada sensação de conforto.

Não obstante e indubitavelmente, a força do filme está no homem e na ilha, na visceral e memorável performance de Tom Hanks.

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4 comentários:

  1. Grande atuação de Tom Hanks. Valew

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  2. Tom Hanks em grande, é descendente de portugueses e basta.

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  3. Zemeckis foi o inspirado autor de "Back to the Future", um filme que, sequelas à parte, não me canso nunca de ver. As viagens no tempo sempre me fascinaram, sobretudo quando se realizam no sentido do passado.
    Neste "Cast Away" Zemeckis tentou de algum modo repetir a fórmula - o regresso do náufrago à civilização é equivalente a um regresso ao passado. Mas há qualquer coisa que falha neste filme. E não são as sequências de abertura e de finalização, que até são as que melhor se suportam num segundo visionamento. Tenho portanto uma opinião diferente da tua, julgo até que o interlúdio na ilha é longo demais. O que, mesmo assim, ainda consegue funcionar é o balanço entre os "dois filmes". Fosse ele exclusivamente passado na ilha e seria de um tédio enorme.
    No conjunto, 2 estrelas (razoável) em 5

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  4. JACQUES: De acordo. Um dos seus últimos grandes papéis. A década 2000 até que nem lhe trouxe grandes interpretações, se bem me recordo.

    ANÓNIMO: Fica o orgulho português. Só não ficou a assinatura ;)

    RATO: Neste caso, estamos radicalmente em desacordo ;)

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - Há 2 Anos na Estrada do Cinema «

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