★★★★★
Título Original: A Torinói Ló
Realização: Béla Tarr, Ágnes Hranitzky
Principais Actores: Erika Bók, János Derzsi, Mihály Kormos, Mihály Ráday
Crítica:
À ESPERA DO FIM DO MUNDO
Está tudo perdido para sempre!
O Cavalo de Turim é um dos mais lúgubres filmes de que há memória. É acessível a todos, excepto aos que se aborrecem facilmente; não só pela monotonia dos longos períodos em que praticamente nada acontece como pela repetição diária das tarefas mundanas - vestir ou despir o velho pai, ir ao poço buscar água, olhar pelo cavalo no estábulo, cozer as batatas para a refeição, esperar sem maior esperança - , que conferem à narrativa uma previsibilidade assustadora, embora significante.
O Cavalo de Turim é um dos mais lúgubres filmes de que há memória. É acessível a todos, excepto aos que se aborrecem facilmente; não só pela monotonia dos longos períodos em que praticamente nada acontece como pela repetição diária das tarefas mundanas - vestir ou despir o velho pai, ir ao poço buscar água, olhar pelo cavalo no estábulo, cozer as batatas para a refeição, esperar sem maior esperança - , que conferem à narrativa uma previsibilidade assustadora, embora significante.
O mundo acaba quando Nietzsche perde a razão? Não creio, acabou para Nietzsche quando abraçou o maldito cavalo, cedendo logo depois à loucura. Mas o que aconteceu ao cavalo? A história é simples. O filme de Tarr acompanha os derradeiros (acreditamos) dias do cavalo após esse célebre episódio, algures nos confins de uma ruralidade ameaçada. De ar misteriosamente sinistro e com pouco interesse pela vida, o animal parece amaldiçoado, capaz de desgraçar a existência da família que o cria, família constituída apenas por pai e filha. Sem diálogos maiores, os atores trabalham a sua expressão corporal e facial. Não sabemos como era antes: certamente que a miséria já habitava aquela decadente casa de pedra e que a falta de comunicação entre as personagens solitárias já vingava, tal é o seu profundo desencanto pela vida (a recorrente música de Mihâly Vig é, ela própria, o espelho desse desencanto). Certo é que nem Ohlsdorfer nem a filha jamais voltarão à cidade, as suas condições piorarão agora, de dia para dia, na presença do cavalo e sem abandonar o casebre. Até o poço há-de secar. Quem sabe se o equídeo não ficou doente após o toque do filósofo, que esse sabemo-lo maldito e que de devedor a Deus não tinha nada.
É este o anúncio de um vizinho, que marca contraste pela sua eloquência e que traz à mesa as notícias alarmantes e uma mão cheia de crítica social: o céu é deles, bem como todos os nossos sonhos. Deles é o momento, a natureza, o infinito silêncio. A própria imortalidade é deles, entendes? Tudo! O bem e o mal, as vitórias dos ricos e a derrotas dos pobres, repetidamente, ao longo dos séculos. O fim da vida no campo, no interior, e a expansão para o oeste. Note-se o assalto dos ciganos ao poço, como se estivesse abolida a propriedade e se tivesse instalado o caos, idealizando a América.
A câmera no interior da casa estabelece o plano: numa aparente calma e serenidade, contemplamos a impávida jovem, que por sua vez contempla o exterior. Lá fora, o temporal: o vento, o vento e o vento, a poeira e as folhas. O silêncio versus o som. O contraste é claro, novamente. Pai e filha chegam a fazer as malas, a carregar a carroça e a amarrar o cavalo, subindo o ermo - finalmente rompem a rotina e decidem-se a procurar uma vida melhor - , mas logo ei-los tornados, a descer o monte, de volta a casa, sem grande arrependimento. No dia seguinte, os mesmos afazeres, a mesma resignação e apatia. Estão mortos, mas ninguém lhes disse ainda. São fantasmas, vazios, não têm mais existência.
A fotografia é belíssima, em cada demorado plano-sequência. Béla Tarr, mestre da câmera, encena a a sua despedida e, por meio do conto, sentimos a tragédia, o negrume, o pessimismo e eles instalam-se-nos na memória. Sentimos presente algum Dreyer, algum Bergman, algum Tarkovsky. Não o vemos, mas sabemo-lo: o cineasta também está sentado à mesa, enquanto lá fora a paisagem, fustigada, muda.
Trata-se do julgamento do Homem, do ajuizar das suas próprias ações, nas quais Deus, obviamente, participa ou (...) nas quais toma parte ativa. E aquilo em que ele toma parte... é a criação mais pavorosa que alguém pode imaginar. Porque o mundo foi destruído, entendes?
A câmera no interior da casa estabelece o plano: numa aparente calma e serenidade, contemplamos a impávida jovem, que por sua vez contempla o exterior. Lá fora, o temporal: o vento, o vento e o vento, a poeira e as folhas. O silêncio versus o som. O contraste é claro, novamente. Pai e filha chegam a fazer as malas, a carregar a carroça e a amarrar o cavalo, subindo o ermo - finalmente rompem a rotina e decidem-se a procurar uma vida melhor - , mas logo ei-los tornados, a descer o monte, de volta a casa, sem grande arrependimento. No dia seguinte, os mesmos afazeres, a mesma resignação e apatia. Estão mortos, mas ninguém lhes disse ainda. São fantasmas, vazios, não têm mais existência.
A fotografia é belíssima, em cada demorado plano-sequência. Béla Tarr, mestre da câmera, encena a a sua despedida e, por meio do conto, sentimos a tragédia, o negrume, o pessimismo e eles instalam-se-nos na memória. Sentimos presente algum Dreyer, algum Bergman, algum Tarkovsky. Não o vemos, mas sabemo-lo: o cineasta também está sentado à mesa, enquanto lá fora a paisagem, fustigada, muda.
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