★★★★★
Título Original: La Mala Educación
Realização: Pedro Almodóvar
Realização: Pedro Almodóvar
Principais Actores: Gael García Bernal, Daniel Gímenez Cacho, Fele Martínez, Lluís Homar, Francisco Boira, Nacho Pérez
A MISE EN ABYME
ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE DA FICÇÃO
Má Educação é um extraordinário exercício narrativo que, num inesgotável jogo de espelhos, viaja não só entre diferentes níveis diegéticos como estica as relações narrativas para além-diegese.
O primeiro indício desse processo de construção narrativa surge logo na passagem do genérico inicial para o filme em si. O genérico inicial finaliza, pois, com: guión y dirección Pedro Almodóvar. E o primeiro plano do filme, como que dando continuidade ao genérico, espelha-o com: guión y dirección Enrique Goded.
Vamos à análise das unidades narrativas, que são três (U1, U2 e U3):
U1 - Enrique lê o conto de Ignacio A Visita, que lhe foi entregue por Juan (o falso Ignacio)
U2 - Acção do conto da U1 (A Visita): o Padre Manolo lê o conto de Ignacio, que lhe foi entregue por Zahara, interpretada por Juan (o falso Ignacio)
U3 - Acção do conto da U2: a infância de Ignacio
O argumento do filme trata o ajuste de contas com o passado. Por isso, quando Enrique Goded visita a mãe de Ignacio e descobre que este está morto, sendo que Juan se faz passar pelo falecido irmão, dá-se o grande twist. A partir deste momento, extingue-se a organização que acima esquematizei e a narrativa é unificada numa só acção. A U2 revela-se como sendo o filme de Enrique Goded, que é realizado na U1. A U3 é não existe mais. E quando o verdadeiro Padre Manolo aparece, inicia-se uma nova unidade intradiegética (a U4), na qual o agora Sr. Berenguer narra a Enrique a morte de Ignacio e desmistifica a verdade sobre Juan.
Depois, o filme termina e ficamos a saber que, tal como Almodóvar, Enrique continua até hoje a fazer filmes. A comparação entre os dois é absolutamente legítima e enriquecedora. Aliás, é com esta comparação que aquela passagem do genérico inicial para o filme em si ganha todo um renovado fôlego semântico. E não falo em autobiografia (o próprio Almodóvar nunca assumiu influências autobiográficas na história do filme; e mesmo que assumisse isso seria algo não só difícil de comprovar como desinteressante do ponto de vista literário). Refiro-me, pois, a uma clara sinédoque justificada por essa similitude entre Enrique e Almodóvar e que, de modo evidente, amplifica o jogo de espelhos numa relação meta-diegética.
Para além do argumento, Má Educação conta com uma interpretação assombrosa, versátil e transfiguradora de Gael García Bernal. Ainda com excelentes escolhas de casting (note-se o restante elenco), magnificamente encenado e com uma mise-en-scène que é um primor, o filme de Almodóvar é uma concepção magistral de sedução: nos enquadramentos, nas cores da fotografia, na arte de filmar, na montagem criativa (sobretudo entre níveis diegéticos) ou na sensível e arrepiante banda sonora de Alberto Iglesias.
Em suma: um triunfo corajoso e absoluto.
O primeiro indício desse processo de construção narrativa surge logo na passagem do genérico inicial para o filme em si. O genérico inicial finaliza, pois, com: guión y dirección Pedro Almodóvar. E o primeiro plano do filme, como que dando continuidade ao genérico, espelha-o com: guión y dirección Enrique Goded.
Vamos à análise das unidades narrativas, que são três (U1, U2 e U3):
U1 - Enrique lê o conto de Ignacio A Visita, que lhe foi entregue por Juan (o falso Ignacio)
U2 - Acção do conto da U1 (A Visita): o Padre Manolo lê o conto de Ignacio, que lhe foi entregue por Zahara, interpretada por Juan (o falso Ignacio)
U3 - Acção do conto da U2: a infância de Ignacio
As três unidades de acção encontram-se, pois, umas dentro das outras, criando o efeito das famosas caixas chinesas ou das tradicionais bonecas russas, as marioskas. Simplificam-se, nesta primeira parte do filme, pelo esquema:
O argumento do filme trata o ajuste de contas com o passado. Por isso, quando Enrique Goded visita a mãe de Ignacio e descobre que este está morto, sendo que Juan se faz passar pelo falecido irmão, dá-se o grande twist. A partir deste momento, extingue-se a organização que acima esquematizei e a narrativa é unificada numa só acção. A U2 revela-se como sendo o filme de Enrique Goded, que é realizado na U1. A U3 é não existe mais. E quando o verdadeiro Padre Manolo aparece, inicia-se uma nova unidade intradiegética (a U4), na qual o agora Sr. Berenguer narra a Enrique a morte de Ignacio e desmistifica a verdade sobre Juan.
Para além do argumento, Má Educação conta com uma interpretação assombrosa, versátil e transfiguradora de Gael García Bernal. Ainda com excelentes escolhas de casting (note-se o restante elenco), magnificamente encenado e com uma mise-en-scène que é um primor, o filme de Almodóvar é uma concepção magistral de sedução: nos enquadramentos, nas cores da fotografia, na arte de filmar, na montagem criativa (sobretudo entre níveis diegéticos) ou na sensível e arrepiante banda sonora de Alberto Iglesias.
Em suma: um triunfo corajoso e absoluto.
tenho de confessar que nao gosto nada de Almodovar... parece que é daqueles que teve um problema de complexo de édipo qualquer.. mas isto sou eu... eheh
ResponderEliminarMesmo que Pedro Almodóvar não fale em referências auto-biográficas, a verdade é que nos filmes que tenho visto nota-se que o cineasta usa sempre temáticas relativas às suas vivências...
ResponderEliminarUma crítica profundíssima! Parabéns! Só quando vir o filme é que a vou perceber totalmente. xD
JOÃO BASTOS: Não sei se terá directamente a ver com o complexo de édipo, mas que - independentemente da sua sexualidade - Pedro Almodóvar tem qualquer coisa de promíscuo na sua forma artística, isso é indesmentível.
ResponderEliminarA minha posição em relação à obra de Almodóvar é contraditória, uma vez que reconheço altas qualidades a algumas das suas obras e a outras nem por isso, muito pelo contrário.
Apesar de tudo, viste este MÁ EDUCAÇÃO? O que achaste do filme?
TIAGO RAMOS: Eu não conheço a biografia do autor, nem preciso conhecê-la, mas isso acontece sempre. Umas vezes é mais evidente do que outras.
Obrigado pelos parabéns. A crítica é clara, mas profundamente analítica, pelo que se torna de difícil leitura. Assim como o filme de Almodóvar, cuja estrutura narrativa é claramente de leitura difícil.
Cumps.
Roberto Simões
CINEROAD - A Estrada do Cinema
A crítica deixou-me ainda mais curiosa e com vontade de ver o filme :)
ResponderEliminarGostei muito desse filme, gosto dos filmes do Almofovar apesar de as vezes nos deixarem meio contrangifos heheh. abraço!!!!
ResponderEliminarYIRIEN: Ainda bem! O filme é tremendamente bom. Aconselho-te vivamente.
ResponderEliminarYGOR MORETTI FIORANTE: Creio compreendê-lo. Não há muito tabú nem prudência na abordagem de certos temas em Almodóvar, os quais não estamos habituados a encarar frontalmente.
Cumps.
Roberto Simões
CINEROAD - A Estrada do Cinema
Parabéns pelo texto! Ainda bem que lhe reconheces o valor... este é, para mim, o melhor de Almodóvar e, curiosamente, é o que se afasta da figura da mulher. Ainda assim, o argumento, as interpretações e realização memoráveis tornam este MÁ EDUCAÇÃO um filme muito, muito bom.
ResponderEliminarAlmodóvar em grande estilo!
ResponderEliminarCoincidentemente, ao escolher os filmes que assistiria nesse feriado de carnaval, me deparei com Má Educação. Não aluguei. Mas espero vê-lo, em breve.
ResponderEliminarEm relação à obra de Almodóvar, não sou um grande fã. Acho alguns do seus filmes bem acima da média, mas o seu ritmo arrastado de contar uma história me incomoda, muitas vezes.
Cinema para Desocupados
Reconheço-lhe a criatividade e o mérito, mas não faz de todo o meu género de filme.
ResponderEliminarFLÁVIO GONÇALVES: Muito obrigado! Também é o meu filme favorito do Almodóvar. O que por si só diz tudo ;D
ResponderEliminarDIEGO RODRIGUES: Mesmo!
MATEUS, O INDOLENTE: Pois. A minha opinião pessoal em relação à obra de Almodóvar é de contrastes. Há obras de que gosto muito e outras de que nem tanto. Esta é a minha favorita, assim como FALA COM ELA ou EM CARNE VIVA; obras que recomendo vivamente.
CLÁUDIA GAMEIRO: Também não é o meu género favorito, mas adoro o filme! ;)
Cumps.
Roberto Simões
CINEROAD - A Estrada do Cinema
Olá! Sou fã de Almodóvar e considero "Má Educação" um de seus melhores trabalhos. A emoção explode na tela com esse filme, seja na forma de cores, transas ou diálogos extremamente bem elaborados.
ResponderEliminarTalvez o meu preferido do Almodóvar.
ResponderEliminarFiquei "atordoada" com o Má Educação...Grande filme de Almodóvar, um filme complexo, difícil, tanto na temática como na execução, mas deveras belo e extraordinário! E Gael García Bernal é de facto prodigioso na sua interpretação!
ResponderEliminarExcelente crítica!
Cumprimentos