quarta-feira, 20 de novembro de 2013

ÁFRICA MINHA (1985)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM
Título Original: Out of Africa
Realização: Sydney Pollack

Principais Actores: Meryl Streep, Robert Redford, Klaus Maria Brandauer, Michael Kitchen, Malick Bowens, Joseph Thiaka, Stephen Kinyanjui, Michael Gough, Suzanna Hamilton, Rachel Kempson, Graham Crowden

Crítica

UMA CANÇÃO DE ÁFRICA

I had a farm in Africa.


África Minha é um magnífico e apaixonante romance, épico no fôlego e na escala  da paisagem, deslumbrantemente captada pela câmera de David Watkin. Pela luz - ou antes, pelas mais variadas luzes do Quénia, que tanto variam consoante o instante do dia, quase que sentimos as diferenças da temperatura, o cheiro da terra, as texturas do verde e do castanho-avermelhado, o poder reinante e pulsante de toda aquela natureza selvagem, em estado puro. Recordar África Minha será sempre imaginar a majestade do amanhecer ou do entardecer, um comboio que rasga as imensas planícies verdejantes, a savana repleta de búfalos, de girafas, elefantes ou perigosos leões, pontuada por altas acácias e bandos de aves que rasgam os céus. Sydney Pollack, dotado de hábil mestria, invoca e perpetua a África do nosso imaginário coletivo, enquanto escutamos a sonante, nostálgica e inesquecível banda sonora de John Barry, plena de sentimento, que tanto glorifica o horizonte como anuncia a tragédia no paraíso.  

If I know a song of Africa, of the giraffe and the African new moon lying on her back, of the plows in the fields and the sweaty faces of the coffee pickers, does Africa know a song of me? Will the air over the plain quiver with a color that I have had on, or the children invent a game in which my name is, or the full moon throw a shadow over the gravel of the drive that was like me, or will the eagles of the Ngong Hills look out for me? 

Talvez por isso uma personagem - verídica - tão persistente e contundente como a dinamarquesa Karen Blixen se encontre a si própria na aventura distante, excitante embora solitária, em que se torna África. Afinal, revela-se uma mulher dotada de inigualável força telúrica, consciente dos seus valores, finalmente liberta dos constrangimentos sociais que a ameaçavam e que quase lhe toldavam espírito e a essência do seu ser. Se há tema maior em todo o filme é o da propriedade ou o da ilusão da propriedade. Karen - só uma atriz como Meryl Streep poderia dar vida a uma personagem tão rica e complexa como esta - casa-se por conveniência e por vontade própria com o irmão do amado não correspondido, seu amigo, com vista a obter o título de baronesa e assim poder partir à aventura, para dar sentido à vida. Ai dos nativos que lhe toquem nos bens, que lhe são tão queridos, que logo os enxotará tão espontaneamente como enxotará, mais tarde, os temidos leões; o que deliciará o desprendido Denys (Robert Redford), tão livre de espírito como de todas as coisas, pelo qual se apaixonará.

O conflito não provém, pois, do adultério da mulher que vive uma paixão proibida. O argumento resolve a questão com uma clareza notável: cruza-se o marido com Denys e transmite-lhe: You could have asked. Denys responde-lhe: I did. She said yes. Não, o marido nunca representou muito mais do que um amigo e do que um pretexto consentido por ambos. Está sempre ausente, desligado do negócio das plantações de café, entre caçadas e mulheres, as mesmas que lhe passam a mortal sífilis que acaba por transmitir a Karen, justificando assim o regresso da protagonista à Dinamarca, para a cura, sensivelmente a meio da trama. O conflito maior não nasce sequer do machismo e ao conservadorismo dos colonialistas, tão insensível e atroz para com os nativos, com os quais se esbate Karen, mal chega ao país e a Nairobi (cidade que a direção artística de Stephen Grimes recriou com a dedicação e o engenho dos técnicos locais, que nada deviam à engenharia). O conflito nasce mesmo dessa relação apaixonada porém contrastante entre a Karen, contadora de histórias, e o misterioso e fascinante Denys. Denys é tudo aquilo que Karen sempre quis ser - absolutamente livre - no entanto é incapaz de se adaptar a alguém como ela, mesmo amando-a, em nome de um ideal, de uma forma de vida inconstante mas tão prazerosa, solitária mas de todos e do mundo.

 I'm with you because I choose to be with you. I don't want to live someone else's idea of how to live. Don't ask me to do that. I don't want to find out one day that I'm at the end of someone else's life. 

É nisto que Karen e Denys não se entendem, se incompatibilizam, preferindo afastar-se um do outro. Karen sonha casar-se; não obstante I won't be closer to you and I won't love you  because of a piece of paper, diz-lhe ele. Ela sonha tê-lo por perto, mais por perto, que ele passe mais tempo com ela, mas só de pensar na ideia de se sentir preso - ou de sentir que pertence a algum lado ou a alguém - Denys já desespera pelo escape. Pena que quando se reencontram e finalmente reconhecem que não têm alternativa senão mudar-se a si próprios a bem da relação dos dois, que o destino seja tão severo e cruel. Nunca mais voarão, juntos, de encontro ao nevado Kilimanjaru, superando todas as fronteiras.

À medida que Karen nos lê as suas memórias e nos relata fervorosamente o seu passado, África Minha assume um indelével tom poético e emocional, de despedida. Partilhamos com ela, a partir das suas palavras, uma mágoa inexplicável, pelas coisas que ficaram por dizer ou fazer, porque não foi possível. Antes dos créditos finais, somos informados que a baronesa nunca mais voltou a África e isso entristece-nos, porque não a imaginamos mais longe da savana, do seu casarão e dos criados que ajudou a escolarizar. A dor de ter pedido Denys ecoou por toda a sua vida.

It's an odd feeling, farewell. There is such envy in it. Men go off to be tested, for courage. And if we're tested at all, it's for patience, for doing without, for how well we can endure loneliness. 


A influência literária da adaptação espelha-se claramente e de forma totalmente intrínseca na criação de Pollack e restante equipa; sobretudo no ritmo demorado, que priveligia o detalhe e o correr dos acontecimentos. Certamente que para os amantes do filme se trata de uma mais-valia, nunca um defeito, que respeita e autentifica a aventura original de Karen Blixen.

2 comentários:

  1. Já ouvi falar muito deste filme. Um dia, quando o arranjar em dvd, vejo-o.

    Abraço
    Frank and Hall's Stuff

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  2. Um belíssimo filme, sem dúvida. Gosto do argumento, da realização contida e das interpretações em especial de Streep. Mas o que mais me delicia são as paisagens, as cores, o campo, a magnificiência de todos os enquadramentos e da filmagem em si. Lindo, lindo. África nunca foi tão bem retratada como neste filme. Vem-nos o cheiro, o tacto, o som e a visão deste extraordinário continente, aqui especificamente no Quénia.

    Apesar de tudo, no final soube-me um tudo nada a pouco, queria mais, e porventura terá a ver com as expectativas do momento. Mas é inegável é um grande filme.

    abraço

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