★★★★★
Realização: Federico Fellini
Principais Actores: Anthony Quinn, Giulietta Masina, Richard Basehart, Aldo Silvani, Marcella Rovere, Livia Venturini
Crítica:
Crítica:
O CIRCO ERRANTE
Assistir a A Estrada, de Fellini, é de certa forma comparável à experiência de assistir a Umberto D., de Sica. Ambos os filmes devem a sua génese ao neo-realismo (embora em Sica o comprometimento político seja mais inflamado) e num retrato por demais assombrado e pessimista da realidade conquistam a nossa compaixão relativamente às personagens. Das dificuldades e da miséria que elas partilham emerge uma humanidade maior com a qual nos identificamos, sensibilizamos e emocionamos. É essa dor, universal, que nos toma de assalto o coração, independentemente do contexto sócio-económico, do tempo ou do espaço em que se passe a acção. A Estrada é, por isso, um filme desolador, de uma melancolia profunda, absolutamente desesperançada mas simultaneamente apaixonante. Quem esquecerá, afinal, o velho Umberto e o seu cão companheiro ou o estranho amor destes loucos Gelsomina e Zampanò?
A narrativa circular - na praia tudo começa, na praia tudo se finda - preocupa-se essencialmente com esta relação impossível entre os dois. Ela (Giulietta Masina, mulher do realizador, perfeita no papel), uma jovem inocente com o seu quê de autismo, é vendida ao Homem dos Pulmões de Aço, um artista ambulante que ganha a vida nas feiras, no circo e como pode, feio e bruto como uma besta. A família da rapariga vivia em extremas dificuldades e esta é a forma de, a troco de 10 mil liras, tentar a subsistência. Desconhecedora do mundo - duvido mesmo que conhecesse muito mais do que a praia em que vivia - parte para a viagem, a medo fascinada pela possibilidade de se tornar artista. A estrada é longa, imprevisível e de muito complicada adaptação. A cada dia, um novo horizonte, uma nova cidade... caras sempre diferentes, excepto, claro, a do barbudo e detestável Zampanò (magnífico e intenso Anthony Quinn), sempre a bater-lhe, a gritar-lhe ou a meter-se com outras mulheres, humilhando a sua existência e a sua utilidade. Os dias passam e as ilusões caem por terra, vencendo a tristeza e o arrependimento.
Tudo se coaduna, na verdade, para uma autêntica obra de mestre. Do argumento às interpretações, da classe dos movimentos de câmera de Fellini à beleza das imagens captadas e enquadradas (brilhante direcção de fotografia de Otello Martelli); a construção da mise-en-scène obedece, diga-se, ao mais inspirado sentido estético. A composição musical de Nino Rita é, por sua vez, qualquer coisa de absolutamente arrebatador (ou não nos ficasse no ouvido muito para além dos créditos finais). Enfim, um filme memorável.
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