sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

TRUMAN SHOW - A VIDA EM DIRECTO, THE (1998)

PONTUAÇÃO: BOM
Título Original: The Truman Show
Realização
: Peter Weir

Principais Actores: Jim Carrey, Laura Linney, Ed Harris, Noah Emmerich, Natascha McElhone, Philip Baker Hall, Paul Giamatti, Peter Krause

Crítica:

O CÉU É O LIMITE


The whole world is watching.

A profecia de The Truman Show cumpriu-se. O inimaginável, a não ser nos contornos da ficção, aconteceu. E aconteceu tão rapidamente... Nessa medida, o irresistível e original conceito do argumento de Andrew Niccol (Gattaca) foi revolucionário, uma vez que possibilitou uma das maiores e mais profundas alterações na forma de fazer e ver televisão. Aconteceu tão rapidamente que nem se reflectiu o suficiente para medir os limites e as implicações éticas de tamanha experiência. A ideia era nova e havia todo um novo e sedutor terreno por pisar. E isso é que interessava. How's it going to end?

A realidade acabou por justificar a ambição de Christof (brilhante Ed Harris). À luz dos factos, compreendemos a sua aventura empreendedora, apesar de questionarmos com a devida legitimidade o seu direito de simular Deus. Participámos do fenómeno, com mais ou menos consciência, com mais ou menos envolvência, assim como aqueles milhões de espectadores, ao longo de trinta anos, seguiram as emissões diárias de The Truman Show, 24 sobre 24 horas. É importante que se diga: as proporções de um Big Brother ou de todo e qualquer um dos seus variantes nunca tomou as proporções bíblicas de The Truman Show, felizmente. Não obstante, é importante comparar os dois fenómenos. E não é cair no mero facilitismo de explicação e falar menos de cinema ou do filme em questão. É, porventura, a melhor forma para entender a dimensão, o impacto e as repercussões filosóficas da Reality TV, que nasceu ficcionalmente com esta obra e que depois dela existiu realmente.

We've become bored with watching actors give us phony emotions. We are tired of pyrotechnics and special effects. While the world he inhabits is, in some respects, counterfeit, there's nothing fake about Truman himself. No scripts, no cue cards. It isn't always Shakespeare, but it's genuine. It's a life.

Cada vez mais, as pessoas vivem no interior do seu casulo, na sua individualidade. Têm vizinhos, mas não os conhecem. A comunicação essencial à nossa existência faz-se, de forma crescente, pelos media. E, talvez por isso, a imediatez do consumo televisivo tem sede de identificação. Identificação entre o telespectador e os seus pares dentro da caixa mágica que mudou o mundo. Essa identificação, por sua vez, tem outra intensidade se assistirmos à vida real. Nesse caso, a comunicação é mais verdadeira e as nossas emoções são vividas à flôr da pele. Somos levados a crer que conhecemos aquelas pessoas. Assistimos a toda a sua vida, partilhamos todos os seus instantes, na nossa própria casa. Para não falar da janela aberta para o voyeurismo. Eis o que explica o sucesso tremendo dos reality shows.

Ter consciência que se é concorrente de um programa deste género, todavia, é a principal diferença que se estabelece com Truman Burbank. Truman não sabe que é a estrela de uma ambiciosa experiência televisiva, não sabe que toda a sua realidade é simulada e ficcionada. Vive uma ilusão, por imposição. Sem liberdade de escolha e sem qualquer hipótese para qualquer liberdade para além das pré-determinadas pela produção do programa. Diz-se, muitas vezes, cada um sabe de si e Deus sabe de todos. Independetemente de crermos ou não em Deus, compreendemos a ideia. A expressão é simples e acaba por resumir toda a liberdade existencial de um indivíduo, de cada ser humano. Ora, nós sabemo-lo: Truman jamais poderá proferir tamanha afirmação... Toda a gente sabe dele. Porque toda a gente que veja o programa vê pelos olhos do Criador, de Deus. Não há privacidade para Truman. Há apenas a emoção e a satisfação de brincar a uma experiência de Pavlov, esperando para ver como o nosso cãozinho vai reagir aos estímulos. Truman é um cão.

Contudo, esta experiência meio-capitalista (note-se a máquina publicitária frequentemente accionada pela performance de Laura Linney) meio-behaviorista tem, é claro, os seus limites. Truman é um cão com inteligência. You never had a camera in my head! É certo que se limita a aceitar a realidade do mundo em que vive sem a pôr em causa, mas a curiosidade é o principal impulsionador para a descoberta da verdade e, por isso, haverá um dia em que a mentira começará a ruir. Neste caso, o céu é, literalmente, o limite. E atingi-lo é por demais simbólico e carregado de significado.

Jim Carrey tem uma prestação sublime, que lhe redefiniu a carreira. De resto, fotografia e banda sonora aliam-se magistralmente com a subtil e inspirada realização de Peter Weir. O resultado é um filme muito, muito interessante, capaz de suscitar as mais pertinentes questões sobre a existência humana.

16 comentários:

  1. Possuí uma premissa bastante interessante, mas a sua dimensão não foi correctamente explorada e acompanhada. Ainda assim é bom ver Jim Carrey num papel decente.

    Abraço

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  2. A minha pontuação é um 4*, por isso adivinho que darás o MUITO BOM ;)

    De resto, é uma interessantíssima obra, com uma realização brilhante de Peter Weir (como aliás referi na minha análise, que até comentaste).

    Abraço

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  3. daria a mesma nota...
    4 (em 5)

    um big brother das cavernas...

    aguardo o review.

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  4. Se sao 4 ou 5 estrelas isso nao me interessa... É um grande filme que nos mostra um Jim Carrey cheio de talento!

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  5. Este filme lembra-me sempre aquela inocência geral em torno da primeira edição do Big Brother. O que foi dito, feito e as consequências, ao fim de 10 anos, sobre aquela garotada que por lá passou. Não seríamos muito diferentes dos actores e espectadores do Truman Show, nem os participantes tão afastados da naturalidade do Truman. Hoje em dia, os reality shows estão vulgarizados, as pessoas já se defendem um pouco. Mas, em 2000, todo o programa e o contexto que se gerou em seu redor estão muito próximos desta história.
    Considerações de lado, que ninguém tem paciência ;)O filme está inserido numa época particular e, por tal, tem esse impacto que acabei de descrever. Acho que a narrativa se perde um pouco, podia-se ter investido noutros temas. De resto, vale sempre a pena ver Jim Carrey, excelente, como sempre, neste tipo de papéis. Truman Show até devia de dar um sequela interessante... :P

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  6. Este eu considero muito bom. Adorei o filme e Jim Carrey convenceu-me do excelente actor que é neste filme.
    Um filme bastante critico ao famoso Big Brother (o que tudo vê).
    Bjs

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  7. Na minha opinião, um dos melhores filmes de Jim Carrey. As situações desse filme são realmente constrangedoras: como viver sua vida sem saber que ela é exposta para todos?

    Achei o final interessantíssimo. A metáfora presente nele é fantástica: a chegada aos céus consiste na descoberta da realidade e, por fim, no passo final em direção à liberdade. Um filme interessante, mas que eu acho um pouco subvalorizado.

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  8. Um filme que é, antes de tudo o resto, muito original. Dá para estabelecer uma reflexão sobre o poder e a manipulação dos media na sociedade... e para rir, muito. Interessante é a palavra certa!

    Abraços!

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  9. JACKSON: A premissa é de facto muito interessante e penso que Weir a desenvolver bastante bem. Sim, Jim Carrey está muito bem. Nunca o vi num papel indecente, contudo. Não vi todos os seus filmes, mas mesmo noutros que antecederam este TRUMAN gostei bastante das suas performances, nas suas comédias. Gosto muito do actor.

    JACKIE BROWN: Ah, falhaste desta vez. Dei mesmo as 4 estrelas. É um filme brilhante. Peter Weir é um realizador que muito admiro.

    INTRATECAL: Bem-vindo ao CINEROAD! Aí está a crítica! Não é das cavernas, mas foi o que o possibilitou. Volte sempre!

    JOÃO BASTOS: Nem mais! ;) E é um grande filme, sim. Sem dúvida.

    CLÁUDIA GAMEIRO: Claro que temos paciência. Analisar o fenómeno ficcional e o que todos vivemos é por demais interessante e vantajoso. Só não sei se poderia ter uma sequela interessante ;D

    GEMA: O filme não critica o Big Brother, atenção, até porque o programa ainda não existia. Mas é claro que enquanto obra de arte tem o dom de transcender o tempo e poder tecer-lhe crítica. Só dessa perspectiva.

    LUES: Estamos totalmente de acordo, tanto quanto ao filme como quanto ao maravilhoso actor que é Jim Carrey.

    FLÁVIO GONÇALVES: Pois, é isso. E é precisamente isso que hoje é esquecido: é que THE TRUMAN SHOW é, de facto, muito original! E "interessante", claro.

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

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  10. Não estava a falar do programa, mas sim aquilo que se denomina Big Brother - a vigilancia 24h na vida de uma pessoa; ate que ponto para alcançar audiencias, se pode ir,...
    expliquei-me mal LOOOOOL

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  11. Acredito que esse seja um daqueles filmes que defintivamente nos fazem pensar. Até que ponto existe ética? Essa é uma ótima pergunta para debater e ela define bem o filme. Sem entretenimento nas atuações comuns dos seriados, o público quer algo verdadeiro - mesmo que às custas de alguém que crê viver um "mundo real".

    A grande surpresa, na minha opinião, ficou pela redefinição na atuação de Jim Carrey. Ao conceber Truman Brubank, as pessoas puderam ver que ele sabe fazer algo além de caretas e gestos exagerados. A direção de Peter Weir e o roteiro de Andrew Nicol são muito bons e fizeram jus às indicações que receberam.

    Certamente um filme interessante, bastante sutil, mas dotado de uma árdua crítica à sociedade.

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  12. Um grande pedaço de argumento e de premissa, sem dúvida. Que infelizmente, tal como já foi dito, foi pena não ser melhor explorado, atingir outra profundidade ou outras situações. Mas enfim, gostei bastante e Jim Carrey só prova o que para mim não necessita - que é um grande actor. É pena o facto de não investir mais em papéis semelhantes ou com outra caracterização que não sempre o estereótipo de comédia.

    Destaco ainda a banda sonora e a interpretação de Ed Harris, que além The Hours e para mim, tem aqui a sua melhor prestação. Um filme interessante, mas que não percebi porque dás só BOM segundo a tua crítica, se bem que concordo.

    abraço

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  13. GEMA: Ah, ok. Ficámos esclarecidos ;)

    LUES: Subscrevo inteiramente, uma vez mais ;)

    JORGE: Não lhe atribuo o MUITO BOM simplesmente porque acho que não merece. Considero-o um bom filme, e não deixaria de o elogiar só para justificar uma diferença de 4 para 5 estrelas.

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - A Estrada do Cinema «

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  14. Pois foi isso que pensei, somente às vezes referes, mesmo com 4 estrelas, alguns defeitos nalguns filmes, o que explica o não salto para o último patamar, digamos.

    Mas percebo-te até porque me identifico, o filme não tendo uma falha considerável ou nada que se possa dizer, simplesmente não consegue atingir a genialidade ou os objectivos plenos.

    abraço

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  15. JORGE: São formas de estar na arte. Há críticos para os quais elaborar uma crítica é elaborar toda a lista de defeitos do filme e por vezes ignoram por completo as qualidades, por uma que seja. Esses são os críticos da atitude negativa. Quanto a mim, não digo que faça uma crítica 100% positiva, penso que o equilíbrio e o bom senso acabam por revelar muito mais de um filme. A verdade é que, por vezes, um filme não precisa de ter propriamente defeitos ou aspectos negativos para lhe dar 4 e não 5 estrelas.
    Para mim, TRUMAN SHOW é precisamente um desses casos. Penso que o filme é que, por natureza, não tem potencial para se afirmar como uma obra verdadeiramente magistral. Isso não significa, agora, que lhe veja propriamente defeitos ou aspectos negativos. A tê-los, serão tão irrelevantes para a minha apreciação geral da obra que opto por não referi-los na crítica. O filme é um bom filme... deixo os defeitos para filmes cuja avaliação seja inferior ou negativa, esses é que merecem levar com os defeitos ;)
    Excepcionalmente, por vezes, acabo por dar ênfase aos defeitos de filmes com 4 estrelas porque são tão crassos, os erros, ou tão determinantes para que não atribua as 5 estrelas que enfim... me vejo no dever de referi-los.

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - A Estrada do Cinema «

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