segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A PIANISTA (2001)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM
Título Original: La Pianiste
Realização: Michael Haneke
Principais Actores: Isabelle Huppert, Benoit Magimel, Annie Girardot, Susanne Lothar

Crítica:


ENTRE O DESEJO E A LOUCURA

A Pianista é um filme sobre intimidade. E assistir a um filme como este é como invadir a privacidade de alguém. Nós próprios que somos capazes de julgar Erika pela sua promiscuidade, perversão e obscenidade, somos os primeiros a perceber
que, enquanto espectadores, não praticamos senão uma forma de voyeurismo. Ser espectador é, afinal, a faculdade de nos alienarmos da nossa realidade numa outra realidade, na realidade de outrém. Haneke recorre, uma vez mais, a este irresistível exercício de confrontação. Todavia, não é essa a questão central em A Pianista. Foquemo-nos na intimidade.

Erika (fenomenal interpretação de Isabelle Huppert) é-nos apresentada como uma personagem muito solitária. Apenas vive com a mãe (que vê nos mistérios da filha autênticas provocações e oportunidades perfeitas para controlá-la), o pai acabou num manicómio e não consta que tenha amigos. Apesar da sua idade, é tratada como uma criança, sempre incentivada pela mãe a fazer melhor pela sua arte; o que não funciona como estímulo, mas sim como pressão para atingir a perfeição. Essa austeridade tem reflexo na personalidade da própria Erika. É uma pessoa fria, aparentemente sem defeitos e sem sentimentos, até. É professora de piano no Consevatório de Viena e é sobre os alunos que descarrega todas as suas frustrações, mascaradas na forma de exigência e mau feitio. Porém, todos a idolatram. É um exemplo. Quantos de nós não exteriorizamos senão uma construção de nós próprios? O que acontece é que quantas mais mágoas do passado, mais defesas empenhamos e empreendemos. O risco, altíssimo, prende-se com a possibilidade de nos tornarmos inatingíveis, insensíveis aos outros e convictos de que ninguém toca a nossa Verdade interior. Até aqui, facilmente nos identificamos com Erika. Só que Haneke, a partir do romance de Elfriede Jelinek, propõe-nos a desconstrução da personagem: da imagem ao íntimo, às fantasias e aos pensamentos mais secretos. E as aparências, se não iludem, pelo menos escondem. E escondem muito.

Porque tenta destruir aquilo que nos podia aproximar? - questiona Walter. E a questão acaba por resumir toda a pertinência do argumento. Erika é, afinal, uma mulher frágil, tarada e sexualmente recalcada. Consome pornografia, desloca-se a parques de estacionamento com sede do sexo alheio e aproveitar-se-á de um aluno para concretizar as suas sádicas ficções. O erotismo da obra rapidamente se esgota em nojo e em sensações repugnantes. Às tantas, Erika revela-se assustadoramente indiferente às preocupações maternas e absolutamente perdida entre obsessões e maldades (o que faz a Anna, aluna com quem se identifica, é totalmente desprezível e denota todo o seu desiquilíbrio mental; quiçá genético).

Michael Haneke traz-nos A Pianista à luz de um realismo atroz, que se espelha especialmente em todos os enquadramentos simples, nos takes mais ou menos longos e na valorização da cenografia que daí resulta. É cinema sem artifícios maiores, denso e frontal, dotado de performances incríveis e que encerram em si próprias um inestimável poder.

7 comentários:

  1. Um filme interessantíssimo e revelador. Um argumento marcante!

    Abraço

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  2. Do que conheço da filmografia de Michael Haneke, A Pianista é o meu preferido. Desde a temática que mexe com o meu lado mais negro e perverso até à ligação emocional ao filme, há muitos motivos para gostar dele. Vi-o devia ter 15, 16 anos... nunca soube o nome dele e de quem era, até há pouco tempo atrás e sempre me ficou na memória. Mexeu verdadeiramente comigo. Isabelle Hupert é outra das razões para amar este filme. UMA GRANDE ACTRIZ. Ui, agora não saía daqui a explicar as razões pessoais.

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  3. Confesso que não gostei nem um pouco deste filme, provavelmente, vi-o numa idade errada LOOOOL
    Mas não guardo boas memórias dele.
    Bjs

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  4. Um filme excepcional. O realismo, a procura de uma identidade no meio de uma sociedade tão marcada pelas fachadas, é "atroz", de facto, como dizes. Adoro-o e é dos melhores filmes de Haneke!

    Abraço

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  5. JACKSON: Absolutamente. Estou de acordo. "Marcante" é mesmo a palavra. As imagens do filme ainda me assombram ;)

    TIAGO RAMOS: Não é o meu preferido. Pelo menos do que vi até agora, prefiro FUNNY GAMES. Mas é muito bom, sem dúvida. Pois, que acredito com 15, 16 anos te tenha marcado bastante... Michael Haneke é muito forte, frontal e chocante. Isabelle Hupert é uma grande actriz, sim, independentemente das tuas razões pessoais, não é, fará para ti considerando essas razões! Já percebi que o filme te marcou e não foi pouco!

    GEMA: Provavelmente. Também não é um filme fácil de se gostar. Confesso que pessoalmente não gosto muito da temática... mas não tenho como não reconhecer o valor da obra.

    FLÁVIO GONÇALVES: :D É um filme raro, de facto. Não é para todos, sob muitas perspectivas, mas é cinema em grande, é inegável.

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

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  6. Nossa, Haneke é meu diretor preferido e A Pianista está no meu TOP 10 de filmes. Amo a forma como Haneke constroi e desenvolve o filme. Frio, bruto, expondo verdades, mostra o que é escondido e negado mas que está sempre lá, presente, cru e que por mais perturbador que seja é algo intrínseco e inerente.

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  7. É um filme que aprecio, mas não morro de amores por ele (aliás, não morro de amores por nenhum dos filmes de Haneke - são extremamente frios e calculistas que me impedem de me envolver emocionalmente com eles. O Caché é capaz de ser a excepção à regra :p), mas a Isabelle Huppert demonstra toda a sua potencialidade naquela que é uma das grandes interpretações da última década - a meu ver, é a interpretação que consolida a posição de Huppert como a melhor actriz do cinema moderno.

    Cumps

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