★★★★★
Título Original: ApocalyptoRealização: Mel Gibson
Principais Actores: Rudy Youngblood, Dalia Hernandez, Jonathan Brewer, Morris Birdyellowhead, Raoul Trujillo, Rodolfo Palacios
Crítica:
O ECLIPSE MORTAL
Apocalypto é um ritual de morte e sacrifício num mundo condenado à extinção. É trágico, brutal e sangrento. Aquele movimento de chariot inicial leva-nos into the wild e a selva e a natureza absorvem-nos por completo. Depois, é Mel Gibson que nos leva, dotado de mestria. E desta vez somos transportados - por inteiro - ao íntimo cultural e místico da sociedade Maia, perdida no tempo, perpetuada na memória e agora recriada sob um conceito visual arrojadíssimo: se os cenários se revelam, por um lado, grandiosos e cheios de detalhe, o guarda-roupa, por outro, é de uma concepção de todo incrível e arrebata-nos, falando por si só, diferenciando os diferentes extractos sociais. O trabalho de caracterização é, também, de uma qualidade e perfeição que nos transcende, reclamando autenticidade por todos os poros. Apesar da liberdade artística que não faz dele, propriamente, um documentário de rigor histórico, o filme demonstra um realismo atroz. Juntamente com a extraordinária fotografia de Dean Semler, Mel Gibson capta praticamente todo o espírito do argumento a partir da paisagem (seja ela natural ou artística) e isso é um feito admirável: é quase cinema em estado primitivo. Quantas não são as vezes, afinal, em que se precinde do diálogo para apenas ver e ouvir aqueles ambientes? É nessa qualidade que reside o principal fascínio de Apocalypto, esta obra sublime, de uma beleza impressionante.
É assim que termina a fábula que o ancião a todos conta naquela última noite de paz na aldeia. O ancião significa conhecimento e é uma figura amplamente respeitada. Essa sabedoria popular, assim como as superstições, os presságios e os sonhos, desempenha um papel fundamental no dia-a-dia dos Maias. São conhecidos como uma civilização bastante sofisticada, mas também é certo que eram muito religiosos. A sua devoção aos deuses levou alguns povos à loucura e à auto-destruição. É essa a cegueira de muitos fundamentalismos. E é esse o motivo que desencadeia toda a trama de Apocalypto. As doenças devastam e dizimam a população, eles crêem que o solo está enfermo e que devem satisfazer os deuses, para que estes os abençoem com a cura e com a salvação. O sangue dos sacrifícios renovará a terra. Contudo, a pior doença corrói-os no espírito e disso não têm consciência. Uma obra como Apocalypto tece, pois, uma crítica mordaz às sociedades humanas, independentemente da sua época ou das suas origens: as suas convicções, impregnadas de maldade e avidez, podem conduzir aos mais hediondos e monstruosos actos. O próprio ser humano pode ser o mais perigoso dos animais, a face mais cruel da natureza.
Se até à perturbadora cena do eclipse, de encontro ao coração da cidade e da cultura Maia, a obra mostra uma intensidade, exotismo e estranheza crescentes, é certo que a partir daqui a diegese se centra no retorno a casa de Pata-Jaguar, de encontro ao coração da selva e da natureza humana. Mas nem por isso cai, pelo menos, a intensidade ou o exotismo daquele paraíso ameaçado. O filme ganha contornos empolgantes, excitantes e capaz de pôr os nervos à flôr-da-pele, à medida que as sequências de acção se sucedem e que a luta pela sobrevivência se dificulta e é levada aos limites da resistência. Mel Gibson filma esta aventura aos confins da América com alma e coração, sem nunca prescindir da sua estética sobre o lado negro e violento do Homem. Os desempenhos de Rudy Youngblood, Jonathan Brewer ou de Raoul Trujillo são notáveis. E a composição de James Horner é magnífica, fluindo naturalmente entre a afirmação e a subtileza, consoante as necessidades dramáticas.
Por fim, Apocalypto não é senão uma saga pelos valores ancestrais e intemporais da família:
Apocalypto é, pois, um filme inesquecível. Um grande pedaço de arte e um forte apelo à reflexão.
Eu vi uma fossa no Homem, profunda como uma fome que nunca saciará. É ela que o torna triste e que o faz querer mais. Ele vai continuar a tomar mais e mais até ao dia em que o mundo dirá 'Já deixei de existir e nada mais tenho para dar.'
É assim que termina a fábula que o ancião a todos conta naquela última noite de paz na aldeia. O ancião significa conhecimento e é uma figura amplamente respeitada. Essa sabedoria popular, assim como as superstições, os presságios e os sonhos, desempenha um papel fundamental no dia-a-dia dos Maias. São conhecidos como uma civilização bastante sofisticada, mas também é certo que eram muito religiosos. A sua devoção aos deuses levou alguns povos à loucura e à auto-destruição. É essa a cegueira de muitos fundamentalismos. E é esse o motivo que desencadeia toda a trama de Apocalypto. As doenças devastam e dizimam a população, eles crêem que o solo está enfermo e que devem satisfazer os deuses, para que estes os abençoem com a cura e com a salvação. O sangue dos sacrifícios renovará a terra. Contudo, a pior doença corrói-os no espírito e disso não têm consciência. Uma obra como Apocalypto tece, pois, uma crítica mordaz às sociedades humanas, independentemente da sua época ou das suas origens: as suas convicções, impregnadas de maldade e avidez, podem conduzir aos mais hediondos e monstruosos actos. O próprio ser humano pode ser o mais perigoso dos animais, a face mais cruel da natureza.
Se até à perturbadora cena do eclipse, de encontro ao coração da cidade e da cultura Maia, a obra mostra uma intensidade, exotismo e estranheza crescentes, é certo que a partir daqui a diegese se centra no retorno a casa de Pata-Jaguar, de encontro ao coração da selva e da natureza humana. Mas nem por isso cai, pelo menos, a intensidade ou o exotismo daquele paraíso ameaçado. O filme ganha contornos empolgantes, excitantes e capaz de pôr os nervos à flôr-da-pele, à medida que as sequências de acção se sucedem e que a luta pela sobrevivência se dificulta e é levada aos limites da resistência. Mel Gibson filma esta aventura aos confins da América com alma e coração, sem nunca prescindir da sua estética sobre o lado negro e violento do Homem. Os desempenhos de Rudy Youngblood, Jonathan Brewer ou de Raoul Trujillo são notáveis. E a composição de James Horner é magnífica, fluindo naturalmente entre a afirmação e a subtileza, consoante as necessidades dramáticas.
Por fim, Apocalypto não é senão uma saga pelos valores ancestrais e intemporais da família:
Chamo-me Pedra-Céu e caço nesta floresta desde que me tornei homem. E o meu pai caçou nela comigo e já caçava nela antes de mim. O meu filho, Pata-Jaguar, caça nesta floresta comigo. E caçará com o filho dele depois de eu morrer.
A luta de Pata-Jaguar é a luta pela preservação da família, pelo respeito pelos antepassados e pelo assegurar de um futuro às gerações vindouras. E essa é - ou pelo menos deveria ser - a luta universal de cada um de nós.Apocalypto é, pois, um filme inesquecível. Um grande pedaço de arte e um forte apelo à reflexão.
Um pedaço de cinema interessante do ponto de vista histórico, original e de proporções visuais grandiosas. Mas apenas se fica por aí.
ResponderEliminarConcordo um pouco com o Flávio Gonçalves. Gosto bastante da articulação histórica, do impacto visual, enfim, do trabalho que foi criado em torno do tema. Mel Gibson esmerou-se. No entanto, a dado momento julgo que este se perde um pouco (a cena da perseguição final é exaustiva, menos 5/10 minutos e chegava) e a violência chega a tornar-se gratuita.
ResponderEliminarEnfim, são pormenores que gosto de apontar a quem vai ver o filme, mas que não retiraram o meu apreço pela obra.
Boa crítica, como sempre.
Eu fiquei abalado (pela positiva) quando o vi. Estou a precisar de o rever, mas o cariz violento não puxa muito...
ResponderEliminarO que mais me marcou foi o final. Fantástico.
Abraço
P.S.- Bela imagem. Posta por alguma razão especial?
O filme está imensamente belo. As suas paisagens e planos, quanto à vertente histórica, como tu referiste, a devoção aos deuses e a luta estão muito bem canalizadas no filme, embora desta grandiosidade atreviria-me a dar o 8.
ResponderEliminarAbraço
http://nekascw.blogspot.com/
Acho Apocalypto um filme fraco. Com uma direção arrojada por parte de Mel Gibson, mas sem uma boa utlização histórica.
ResponderEliminarÉ como se a utlização do povo Maia fosse apenas uma desculpa para cenas de forte violência.
Uma história desinteressante, enfim.
Abraço.
Cinema para Desocupados
És ridículo. O filme é brilhante
EliminarConcordo contigo Roberto. Aliás, Mel Gibson tem vindo a surpreender desde o grande Braveheart. E tanto este, como o Passion of the Christ e o Braveheart são grandes filmes.
ResponderEliminarFLÁVIO GONÇALVES: Por acaso, não creio que seja interessante do ponto de vista histórico. Aliás, não se prende à História e chega a ser crassamente anacrónico. Lá que é original é, sem dúvida, na abordagem. Visualmente é também grandioso. E, na minha opinião, é muito mais cinema do que apenas isso.
ResponderEliminarCLÁUDIA GAMEIRO: Obrigado ;) Quanto a APOCALYPTO, não estamos de acordo. Não vejo violência gratuita, vejo estética. Uma estética arrojada sobre violência, com violência. Violência explícita, que conduz à reflexão. E o conceito para mim faz todo o sentido.
JACKIE BROWN: Por acaso não o acho assim tão tão violento, mas é porque depois de A PAIXÃO DE CRISTO já estou para tudo ;D Mas é claro que tem mais violência do que a habitual num épico do género. Pelo menos mais explícita.
Por acaso recordo muitas cenas que me marcaram e não só o final. O filme é maravilhoso.
Quanto à imagem, apeteceu-me colocá-la. Foi, porventura, o fotograma que mais gostei na película. E gostei tanto do efeito que já adicionei imagens a várias críticas ;D
NEKAS: Os vossos oitos e noves correspondem mais ou menos e tantas vezes ao meu MUITO BOM.
O filme é mesmo imensamente belo.
MATEUS, O INDOLENTE: E para que serviria uma «boa utilização histórica»? Torná-la-ia uma obra de arte melhor?
Quanto ao conteúdo do seu segundo parágrafo, discordo dele absolutamente.
Quanto ao conteúdo do terceiro, também ;)
ÁLVARO MARTINS: Absolutamente. Já tivemos em tempos uma discussão acesa sobre A PAIXÃO DE CRISTO, mas já re-avaliei a minha opinião em relação ao filme. Tenho que tecer uma melhor crítica ao filme. Fá-lo-ei em breve, espero.
Cumps.
Roberto Simões
CINEROAD - A Estrada do Cinema
Realmente Mel Gibson faz poucos filmes, mas quando os faz...surgem obras como esta, que à parte do pedaço histórico ou realista que tenta transparecer, é acima de tudo um prazer assistir a um argumento tão bem construído sem pressas e a seu tempo, através de personagens credíveis num ambiente tão único e esquecido por vezes, mas que detém imensa potencialidade e frescura. O material é original e talvez seja por isso mais fácil de assistir e de se gostar, mas que inegavelmente é um filme a recomendar...sem dúvida.
ResponderEliminarTalvez carece de uma banda sonora mais presente que nos guie pelas paisagens e pelas cenas sem diálogo, no entanto de dizer que os sons naturais por vezes possuem e conseguem substituir essa ferramenta! Não me parece totalmente aqui o caso, pelo menos a nível pessoal.
abraço
JORGE: Gostei do teu comentário. Concordo contigo, a banda sonora podia ser melhor. Mas ainda assim creio que não prejudica o todo, que é um autêntico achado.
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
Ao contrário da opinião generalizada eu não vejo nada de extraordinário neste intento de Mel Gibson. Aliás não lhe reconheço sequer capacidades enquanto realizador.
ResponderEliminarPEDRO PEREIRA: Mais heresias ;D Estou a ver que temos - mesmo - opiniões muito distintas em relação à arte do cinema.
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
É um autêntico portento de Cinema, poderoso nas imagens e na história contada.
ResponderEliminarMel Gibson *é* realizador e sabe aliar-se aos melhores técnicos da indústria. Revela também um sentido de perfeccionismo que, por vezes (mas sempre a anos-luz, claro!), só é comparável ao de Kubrick.
Mais uma vez, excelente texto!
Abraço.
SAM: Obrigado ;) Partilho da mesma opinião e do mesmo apreço pelo filme e pelo realizador. Grande filme.
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
» CINEROAD – A Estrada do Cinema «
Este fim-de-semana trabalhaste bem! Parabéns por todos estes textos, vou passar algumas horas a lê-los.
ResponderEliminarBastante interessante, mas não consigo vê-lo como um filme capaz de ter essa pontuação. :)
ResponderEliminarhttp://cinemaschallenge.blogspot.com/
Não gostei do final: "os bons cristãos chegaram para por um fim à esta barbárie" (como se os espanhois não tivessem procedido a um genocídio), mas todo o resto me agrada bastante. É um filme que sempre exibo aos meus alunos, desde o seu lançamento.
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