★★★★★
Título Original: A Single Man
Realização: Tom Ford
Principais Actores: Colin Firth, Julianne Moore, Nicholas Hoult, Matthew Goode, Jon Kortajarena
Crítica:
O HOMEM INVISÍVEL
Filmado com rara e apurada sensibilidade estética, Um Homem Singular traz-nos a surpreendente estreia de Tom Ford na realização. Adaptando o romance homónimo do escritor Christopher Isherwood, Ford concretiza um melodrama tocante sobre a solidão de um homem que, mergulhado num luto inesperado, chocante e desolador, chora a perda do namorado e companheiro de dezasseis anos. A sua vida perdeu a cor - o tom é soturno e a espantosa fotografia de Eduard Grau não deixa margem para dúvidas. As memórias, envolvidas pela prodigiosa banda sonora de Abel Korzeniowski (música adicional de Shigeru Umebayashi), fluem-lhe persistentemente, intensamente. If one is not enjoying one's present, here isn't a great deal to suggest that the future should be any better. O seu olhar transfigura-se perante a sombra do passado. A cada flashback, preciosamente esculpido, fortalecem-se o desencanto e a depressão.
It takes time in the morning for me to become George, time to adjust to what is expected of George and how he is to behave. By the time I have dressed and put the final layer of polish on the now slightly stiff but quite perfect George I know fully what part I'm suppose to play.
A cada enquadramento, brota do filme um esplendor intimista, sedutor, de uma carga dramática poderosíssima. É a Colin Firth, num underacting brilhante e altamente contido, a quem cabe, à frente das câmeras, o mérito principal desses inegáveis e arrebatadores atributos. Um professor de Literatura, de nome George Falconer, que desde jovem aprendeu que usar uma máscara é a melhor forma para passar invisível entre os olhares condenatórios do preconceito. Um homem cujo sofrimento interior, no mais dilacerante e cruel dos silêncios, decide o suicídio. A arma sai da gaveta e entra na mala. A montagem (Joan Sobel) é metódica, tem a precisão de um relógio. George sai de casa.
É pelo seu olhar que acompanhamos a despedida. Ao partir no seu Mercedes, assiste às brincadeiras dos vizinhos e invade-o uma nostalgia da infância. Vê beleza. Dirige-se à faculdade e esvazia o escritório. Junto ao campo de ténis, a conversa sobre os mísseis de Cuba distancia-se nos vislumbres de um peito de homem em movimento, tonificado; quão sensualidade há naqueles planos aproximados. Vê desejo. A sua aula - a última - acaba por abordar os medos da maioria como causa para a existência das minorias. O olhar de um aluno - Kenny (Nicholas Hoult) - cruza-se com o seu. Há beleza e desejo. Vai ao banco, esvazia o cofre e tenta esvaziar, um a um, os significados da vida. Conhece Carlos (Jon Kortajarena), um latino charmoso com o estilo de James Dean e com o qual nega envolver-se. Note-se como as cores ganham calor, como a iluminação se transforma peranto o alento de um futuro. Decidiu matar-se, mas o seu olhar pinta o retrato do que há de mais belo, aliciando-o a viver. Ainda há esperança na sua vida, basta ultrapassar a dor e predispôr-se a sorrir. Sometimes awful things have their own kind of beauty, diz-lhe o espanhol.
A despedida mais difícil talvez seja a da sua melhor amiga Charley (esplêndida Julianne Moore). Conhecem-se há mais de quarenta anos. Chegaram a ser, outrora, amantes ocasionais - o que a marcou profundamente, sendo que desde então sempre guardou a esperança de uma vida conjunta com George. Charley é uma mulher frustrada - frustrada nas relações e pela solidão amorosa. Para George, será sempre uma amiga, fonte de boa disposição e amparo em todos os momentos, sobretudo nos mais delicados; afinal, foi a Charley que recorreu quando soube, por telefone, do fatal acidente do seu Jim.
Misteriosamente, a atracção entre George e Kenny fá-los-á aproximarem-se. A subtileza com que Ford trata o florescer da relação dos dois, mas sobretudo a forma como filma as suas personagens denota um misto de ternura e erotismo. Quando os corpos de ambos avançam para o mar, completamente nus, George já está mudado. Já sente prazer em viver, em respirar a vida, em ter esperança. Não há tempo a perder, há que viver o hoje e as intenções de suicídio desvanecem-se. Amanhã será um novo dia. Por isso, não deixa de ser trágica, a ironia que o destino lhe reserva, finalmente.
Elegante, charmoso e refinado pedaço de cinema. Sublime.
It takes time in the morning for me to become George, time to adjust to what is expected of George and how he is to behave. By the time I have dressed and put the final layer of polish on the now slightly stiff but quite perfect George I know fully what part I'm suppose to play.
A cada enquadramento, brota do filme um esplendor intimista, sedutor, de uma carga dramática poderosíssima. É a Colin Firth, num underacting brilhante e altamente contido, a quem cabe, à frente das câmeras, o mérito principal desses inegáveis e arrebatadores atributos. Um professor de Literatura, de nome George Falconer, que desde jovem aprendeu que usar uma máscara é a melhor forma para passar invisível entre os olhares condenatórios do preconceito. Um homem cujo sofrimento interior, no mais dilacerante e cruel dos silêncios, decide o suicídio. A arma sai da gaveta e entra na mala. A montagem (Joan Sobel) é metódica, tem a precisão de um relógio. George sai de casa.
For the first time in my life I can't see my future. Everyday goes by in a haze, but today I have decided will be different.
É pelo seu olhar que acompanhamos a despedida. Ao partir no seu Mercedes, assiste às brincadeiras dos vizinhos e invade-o uma nostalgia da infância. Vê beleza. Dirige-se à faculdade e esvazia o escritório. Junto ao campo de ténis, a conversa sobre os mísseis de Cuba distancia-se nos vislumbres de um peito de homem em movimento, tonificado; quão sensualidade há naqueles planos aproximados. Vê desejo. A sua aula - a última - acaba por abordar os medos da maioria como causa para a existência das minorias. O olhar de um aluno - Kenny (Nicholas Hoult) - cruza-se com o seu. Há beleza e desejo. Vai ao banco, esvazia o cofre e tenta esvaziar, um a um, os significados da vida. Conhece Carlos (Jon Kortajarena), um latino charmoso com o estilo de James Dean e com o qual nega envolver-se. Note-se como as cores ganham calor, como a iluminação se transforma peranto o alento de um futuro. Decidiu matar-se, mas o seu olhar pinta o retrato do que há de mais belo, aliciando-o a viver. Ainda há esperança na sua vida, basta ultrapassar a dor e predispôr-se a sorrir. Sometimes awful things have their own kind of beauty, diz-lhe o espanhol.
A few times in my life I've had moments of absolute clarity, when for a few brief seconds the silence drowns out the noise and I can feel rather than think, and things seem so sharp and the world seems so fresh. I can never make these moments last. I cling to them, but like everything, they fade. I have lived my life on these moments. They pull me back to the present, and I realize that everything is exactly the way it was meant to be.
A despedida mais difícil talvez seja a da sua melhor amiga Charley (esplêndida Julianne Moore). Conhecem-se há mais de quarenta anos. Chegaram a ser, outrora, amantes ocasionais - o que a marcou profundamente, sendo que desde então sempre guardou a esperança de uma vida conjunta com George. Charley é uma mulher frustrada - frustrada nas relações e pela solidão amorosa. Para George, será sempre uma amiga, fonte de boa disposição e amparo em todos os momentos, sobretudo nos mais delicados; afinal, foi a Charley que recorreu quando soube, por telefone, do fatal acidente do seu Jim.
Misteriosamente, a atracção entre George e Kenny fá-los-á aproximarem-se. A subtileza com que Ford trata o florescer da relação dos dois, mas sobretudo a forma como filma as suas personagens denota um misto de ternura e erotismo. Quando os corpos de ambos avançam para o mar, completamente nus, George já está mudado. Já sente prazer em viver, em respirar a vida, em ter esperança. Não há tempo a perder, há que viver o hoje e as intenções de suicídio desvanecem-se. Amanhã será um novo dia. Por isso, não deixa de ser trágica, a ironia que o destino lhe reserva, finalmente.
Elegante, charmoso e refinado pedaço de cinema. Sublime.
Nota especial para o péssimo título português.
Excelente filme! Gostei mesmo muito... e prefiro mil vezes o Colin Firth aqui que no novo King's Speech!
ResponderEliminarO meu filme preferido do ano passado!! Sublime!
ResponderEliminar"Prefiro mil vezes o Colin Firth aqui que no novo King's Speech!" [2]
Eu não gostei assim tanto do filme mas compreendo a adoração por este filme. Agora não percebo (estará a escapar-me alguma coisa?) é o porquê da "nota especial para o péssimo título português". O título é fiel Roberto.
ResponderEliminarNEUROTICON: Ainda não vi O DISCURSO DO REI. Aqui, Firth tem um papel uff... é como se representasse com os olhos, é muito intenso. É formidável.
ResponderEliminarFILIPE: Pensando bem, terá sido também "o" ou "um" dos meus filmes preferidos de 2010.
ÁLVARO MARTINS: O título é literal, isso sim. Quantas não são as vezes em que uma tradução literal bastaria para um bom título em português. Mas não é o caso, aqui o facto de ser literal corta crassamente com as potencialidades semânticas do original.
Roberto Simões
CINEROAD
Para mim acho que foi o melhor de 2009. Não estava nada à espera. Ford soube realizar este filme como tu o disseste e todos o sabem. É mesmo um bom pedaço de cinema.
ResponderEliminarFrank and Hall's Stuff
Ó Roberto single é singular, é a tradução á letra, agora singular pode é ter muitos contextos, penso eu. E o contexto está lá na mesma. Que querias que pusessem? Único? Só? Simples? Sinceramente acho que o título está bem.
ResponderEliminarO "single" tem um duplo significado: o de só/solitário e o de singular... Perde-se claramente informação na tradução... Mas a tradução portuguesa sempre é mais aceitável que a brasileira ("Direito de amar" blahhhhh!!!!! :S)
ResponderEliminarBRUNO CUNHA: Estamos, pois, de acordo.
ResponderEliminarÁLVARO MARTINS: O título "um homem singular", pela acepção mais usual que o adjectivo 'singular' tem em português, significa mais um homem particular, distinto, notável, não tanto um homem que não está casado, que não está casado com ninguém ou que não quer ou não tem ninguém, um solteiro ou "um homem no singular", como o título original alude. Pessoalmente, jamais faria esta tradução e duvido muito que alguém ligado à área da tradução, conhecendo a natureza do filme, avançasse com este título português. Penso que ao empregarmos o adjectivo "singular" se desvirtua o sentido original. Claro que se nos prendermos à etimologia a correspondência é perfeitamente aceitável. Cá para mim é discutível. A não ser que se use com frequência o adjectivo "singular" com o sentido original inglês, não sei, talvez varie com a região do país.
FILIPE: Sem dúvida, o título português é melhor que o brasileiro.
Roberto Simões
CINEROAD
Um filme lindíssimo e único. Nunca me desapontou das inúmeras vezes que o revi.
ResponderEliminarTambém gostei. Um filme belíssimo e singular (passo a redundância com o título). A interpretação de Firth está abismal, a fotografia é de uma extrema beleza e requinte (nas suas nuances e estreita relação com a narrativa), a banda sonora é um portento tal como ainda a óptima realização de Ford.
ResponderEliminarEm suma um filme elegante, contemporâneo e muito bem filmado, não admira por isso que seja um dos melhores do ano passado.
abraço
Desta vez estamos em perfeita sintonia, Roberto. Quer pela qualidade e agradável surpresa deste filme quer pelo equívoco do título em português. Aliás, também chamei a atenção para isso quando comentei o filme em Agosto do ano passado.
ResponderEliminarO Rato Cinéfilo
JORGE: Muito elegante. Extremamente elegante, requintado, subtil. Como eu gosto de filmes assim.
ResponderEliminarRATO: Indeed.
Roberto Simões
CINEROAD
Mas eu acho que o George é isso tudo Roberto, não só o homem solteiro ou solitário (que o fica após a morte do companheiro), mas também um homem particular, distinto e notável, até porque a sua relação com os alunos ou a forma como os alunos o vêem e a forma como o realizador o quer mostrar (aparte a intimidade e esse lado frustrado ou dilacerado pela opressão sexual) indica isso. Aliás, essa conduta de auto-repressão ou auto-comiseração indica esse lado distinto e notável, indica a sua preocupação e “zelo” com a sua imagem para com a sociedade, penso eu…
ResponderEliminarJá sabes a minha opinião ;) Gostei do texto e concordo. Folgo em saber que adoraste.
ResponderEliminarÁLVARO MARTINS: Porventura. Não pretendo nem provavelmente consigo arranjar argumentos para contrariar a tua leitura. Não só é legítima como plausível. O George de Colin Firth será/é certamente esse homem notável. Contudo, não sei se é esse homem - ou esse lado do homem - que Ford quis retratar mormente e ao qual o título original mais directamente faz alusão.
ResponderEliminarFLÁVIO GONÇALVES: É mesmo muito bom. Puro deleite artístico.
Roberto Simões
CINEROAD
Filmão, é uma obra de arte tecnicamente e na história com uma sublime atuação do Colin Firth. ;)
ResponderEliminarMAYARA BASTOS: Pode crer ;) É isso aí.
ResponderEliminarRoberto Simões
CINEROAD