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Título Original: CaravaggioRealização: Derek Jarman
Principais Actores: Nigel Terry, Noam Almaz, Dawn Archibald, Sean Bean, Jack Birkett, Sadie Corre, Una Brandon-Jones, Imogen Claire, Robbie Coltrane, Garry Cooper, Lol Coxhill, Nigel Davenport, Vernon Dobtcheff, Terry Downes
Crítica:
A PAIXÃO PELA ARTE
No seu leito de morte, um genial artista espera o último suspiro. Como companhia, sempre prestável, o jovem e formoso Jerusaleme. Entre os devaneios da febre, as recordações de uma vida plena de prazeres, excessos e paixões. Depois, com uma eloquência melódica e poética, marcadamente irreverente e homoerótica, brota a narração do próprio - Michelangelo Merisi da Caravaggio - que acompanhará os mais variados flashbacks, por meio dos quais serão recriados alguns dos mais conhecidos e mitificados episódios da sua vida pessoal e artística.
The process of painting is my knife!
A proposta biográfica de Derek Jarman é brilhante e desconcertantemente livre, ousada e criativa, nomeadamente pelo mérito legítimo das anacronias (uma máquina de escrever, um carro, uma calculadora, lâmpadas eléctricas coloridas, etc.) que vêm quebrar o efeito de mimesis e a verossimilhança do retrato histórico (de uma autenticidade em parte potenciada pela direcção artística de Christopher Hobbs e Michael Buchanan e pelo primoroso guarda-roupa de Sandy Powell), anunciando a experiência moderna da arte pela arte.
O fascinante exercício de estilo passa igualmente pela encenação de algumas das mais famosas obras do pintor, com actores de carne e osso. Jarman e o seu director de fotografia, Gabriel Beristain, transportam o tenebrismo ou o chiaroscuro directamente para a tela cinematográfica, recriando criteriosamente as luzes, as cores e a atmosfera dos feitos barrocos. Cativante e deslumbrante, o tremendo lirismo visual alcançado. Os modelos, quais estátuas perfeitamente esculpidas, ostentam as suas poses com elegância e sensualidade, concretizando impressionantes quadros vivos, semelhantes àqueles que terão inspirado o renascentista. A homenagem maior de Jarman ao seu herói, creio, reside nesta encenação dos quadros vivos. Se repararmos bem, até as telas que Nigel Terry (Caravaggio em adulto) pincela não têm, de todo, o traço de Caravaggio. Tudo é criatividade em estado puro, pelas mãos de Jarman e da sua equipa. Não poucas são as vezes em que a montagem de George Akers, por exemplo, determina e influencia os ritmos narrativos. É um trabalho deveras excepcional. A câmera, por sua vez, numa fluidez sempre precisa e apaixonada, eleva o conceito proposto ao máximo requinte.
Da infância e juventude à idade adulta, os saltos temporais dão conta da efeverscência do carácter do pintor e do talento que, desde tenra idade, se manifestou. Tendo eclesiásticos como patronos, finalmente, Caravaggio abandonou os temas da herança clássica (Pequeno Baco Doente, 1593-94) ou da natureza morta (Rapaz Levando Cesta de Frutas, 1593-94) e dedicou-se ao aspecto mundano da cena bíblica e sagrada; neste campo, inúmeros quadros foram interpretados, destaco três: A Madalena Arrependida, 1596-97, O Martírio de São Mateus, 1599-1600 e A Morte da Virgem, 1606. É durante a concepção destas três magistrais pinturas que a narrativa avança no ménage à trois, com a introdução do apolíneo Ranuccio (Sean Bean) e da prostituta Lena (Tilda Swinton). Caravaggio, é sabido, cedeu repetidamente aos seus apetites carnais, libidinosos e bissexuais com muitos destes seus modelos, gente devassa e de baixa estirpe social, que serviram de musas às figuras sagradas que, desde então, foram escandalosamente cultuadas pela Igreja. Ranuccio e Lena foram seus amantes, pagos a ouro. Entre eles, o desejo, o interesse e o ciúme que levou às mais trágicas consequências. Grandes papéis, os desempenhados pelo trio de actores.
Tão complexo quanto enigmático, Caravaggio revela-se, pois - mais do que um biopic original e arrojado - um prodigioso pedaço de arte.
Clássico de Derek Jarman, estreio aqui, com orgulho, o primeiro comentário sobre Caravaggio, valha-me o dia.
ResponderEliminarSe não é uma obra prima, é pelo menos um Top 100!
A reprodução da técnica do chiaroscuro da pintura barroca em um filme foi uma ideia sensacional. Também gostei muito de Jubille e dos videoclips de Jarman para os Smiths, banda fundamental dos oitenta.
ENALDO: É verdade ;) Suponho que muita gente não o conheça, o que não estranho. Também foi o meu primeiro do realizador e, infelizmente, o meu único até ao momento. Mea culpa. Brilhante.
ResponderEliminarRoberto Simões
CINEROAD