Realização: Isao Takahata
Filme de Animação
Crítica:
O REFLEXO DA GUERRA
Porque é que os pirilampos morrem tão cedo?
As consequências da guerra são profundamente trágicas e desoladoras - afirmá-lo chega a ser constrangedor para alguém que - como eu - só sabe da guerra o que viu no cinema, do que dela ouviu falar aqui e ali. Quem nunca a sentiu na pele e na alma é, certamente, alguém mais feliz, que deverá dar valor ao tempo e às circunstâncias privilegiadas em que vive. Pergunto-me, em consciência, quantos filmes terão o poder de nos desarmar e de nos confrontar com a dura e cruel realidade da guerra com a eficácia e a carga dramática deste comovente O Túmulo dos Pirilampos, de Isao Takahata. Não deixa de ser curioso que seja uma animação, quase servida de um neo-realismo improvável, a consegui-lo tão veementemente.
Talvez por ser uma animação, precisamente, O Túmulo dos Pirilampos apele mais à inocência e à criança que houve em nós e nos convoque a memória e a nostalgia dos anos passados. Lembramos - até por mérito da banda sonora de Michio Mamiya, sempre tão sonante e envolvente - os tempos passados com a nossa irmã ou com o nosso irmão, mais novo ou mais velho. Recordamos aquele sentimento de proteção ou de responsabilidade para com ela ou ele, as horas em que brincámos juntos, que corremos livremente pela praia, um atrás do outro. Por isso, identificamo-nos plenamente com os protagonistas: Seita (um pré-adolescente obrigado a crescer pela força dos acontecimentos) e Setsuko (a pequena desprotegida).
Os bombardeamentos aéreos dos americanos, durante a Segunda Guerra Mundial, enchem o céu de chamas e impõem, em terra, um cenário de miséria e destruição. O pai de ambos está ausente na Marinha (não chegando a responder-lhes às cartas nem por uma vez) e a mãe é brutalmente ferida durante um ataque. Quando acaba por falecer, não resistindo aos ferimentos, os dois irmãos, quais órfãos, são recolhidos por uma tia que os despreza, que lhes vende os bens da mãe e que lhes fica com uma considerável parte do arroz, negando-lhes mais tarde a refeição (uma vez que não trabalham e que, sendo assim, não colaboram para o pagamento das despesas). O egoísmo e a maldade da tia são de tal modo hediondos que chegará a contar à pequena Setsuko - como viremos a descobrir mais tarde - que a mãe morreu, apesar de ter garantido a Seita que a pouparia, para já, ao desgosto. Certo dia, para proteção de ambos e para felicidade da tia, Seita decide-se a partir com a irmã, sem destino determinado, sem sítio para pernoitarem. Acabam por arranjar um abrigo e, a história que se segue, é uma história de dificílima sobrevivência. Do esforço do irmão para divertir a pequenina (já que a seriedade dos acontecimentos lhe retirou o direito de brincar, ao menos que não o retire à irmã), de comprar e de mais tarde roubar escassos alimentos para alimentá-la (a fome e a desidratação acabarão por adoecê-la). A irmã é sempre a prioridade, a coisa mais importante da sua vida e do seu coração. Tudo aquilo que Seita faz por ela, fá-lo porque a ama mais do que a todas as coisas e porque sente que é essa a sua obrigação, de zelar por ela, para que os pais, estejam onde estiveram, fiquem orgulhosos e radiantes com o seu desempenho. De um dia para o outro, Seita torna-se um pai e o desafio é extremo e demasiado para um miúdo da sua idade. Bem que tem esperança durante todo o filme, mas é vencido pela desgraça. Inocentes crianças, que não mereciam tal infortúnio. A situação agrava-se, só se têm a eles e ninguém os ajudará, até porque em tempo de guerra todos precisam de ajuda. A perda e o sofrimento dos inocentes é infame. O desfecho, depreendemos pela abertura, será o mais trágico - muito mais do que fazer o enterro a pirilampos não mais luminosos.
Em termos de virtuosismo da animação, Isao Takahata não chega à qualidade artística e poética do mestre Hayao Myiazaki, é certo. Veja-se que, no mesmo ano, Myiazaki deslumbrava o mundo com o seu maravilhoso e infantil O Meu Vizinho Totoro. Contudo, aquilo que Takahata atinge neste assombroso filme foi coisa que nenhum filme de Myiazaki jamais tentou alcançar, porque são artistas diferentes e a visão deste O Túmulo dos Pirilampos é singular. Aqui, a animação não é mais a mágica, fantástica e enternecedora animação para crianças, lírica muitas vezes, como é característica dos estúdios Ghibli. É, com uma clarividência notável e assustadora, uma representação da guerra (e das suas consequências) muito mais real e humana do que a de muitas obras cinematográficas até então filmadas em live action. Há sangue, morte e dor em O Túmulo dos Pirilampos, pela experiência e olhar de duas crianças... é, verdadeiramente, a representação plena do fim da inocência. E é tão lúgubre, naturalmente, sem qualquer possibilidade de um final feliz.
Compreende-se, pois, porque O Túmulo dos Pirilampos marcou a história da animação e o coração de muitos espetadores. A sua narrativa, a partir do romance de Akiyuki Nosaka, é a força e a verdade do filme, tanto mais do que os seus méritos visuais. A quem é que, às tantas, o simples acto de chamar pelo irmão, repetidamente - Seita! Seita! Seita! -, não parte o coração? Filme tremendo.
Os bombardeamentos aéreos dos americanos, durante a Segunda Guerra Mundial, enchem o céu de chamas e impõem, em terra, um cenário de miséria e destruição. O pai de ambos está ausente na Marinha (não chegando a responder-lhes às cartas nem por uma vez) e a mãe é brutalmente ferida durante um ataque. Quando acaba por falecer, não resistindo aos ferimentos, os dois irmãos, quais órfãos, são recolhidos por uma tia que os despreza, que lhes vende os bens da mãe e que lhes fica com uma considerável parte do arroz, negando-lhes mais tarde a refeição (uma vez que não trabalham e que, sendo assim, não colaboram para o pagamento das despesas). O egoísmo e a maldade da tia são de tal modo hediondos que chegará a contar à pequena Setsuko - como viremos a descobrir mais tarde - que a mãe morreu, apesar de ter garantido a Seita que a pouparia, para já, ao desgosto. Certo dia, para proteção de ambos e para felicidade da tia, Seita decide-se a partir com a irmã, sem destino determinado, sem sítio para pernoitarem. Acabam por arranjar um abrigo e, a história que se segue, é uma história de dificílima sobrevivência. Do esforço do irmão para divertir a pequenina (já que a seriedade dos acontecimentos lhe retirou o direito de brincar, ao menos que não o retire à irmã), de comprar e de mais tarde roubar escassos alimentos para alimentá-la (a fome e a desidratação acabarão por adoecê-la). A irmã é sempre a prioridade, a coisa mais importante da sua vida e do seu coração. Tudo aquilo que Seita faz por ela, fá-lo porque a ama mais do que a todas as coisas e porque sente que é essa a sua obrigação, de zelar por ela, para que os pais, estejam onde estiveram, fiquem orgulhosos e radiantes com o seu desempenho. De um dia para o outro, Seita torna-se um pai e o desafio é extremo e demasiado para um miúdo da sua idade. Bem que tem esperança durante todo o filme, mas é vencido pela desgraça. Inocentes crianças, que não mereciam tal infortúnio. A situação agrava-se, só se têm a eles e ninguém os ajudará, até porque em tempo de guerra todos precisam de ajuda. A perda e o sofrimento dos inocentes é infame. O desfecho, depreendemos pela abertura, será o mais trágico - muito mais do que fazer o enterro a pirilampos não mais luminosos.
Em termos de virtuosismo da animação, Isao Takahata não chega à qualidade artística e poética do mestre Hayao Myiazaki, é certo. Veja-se que, no mesmo ano, Myiazaki deslumbrava o mundo com o seu maravilhoso e infantil O Meu Vizinho Totoro. Contudo, aquilo que Takahata atinge neste assombroso filme foi coisa que nenhum filme de Myiazaki jamais tentou alcançar, porque são artistas diferentes e a visão deste O Túmulo dos Pirilampos é singular. Aqui, a animação não é mais a mágica, fantástica e enternecedora animação para crianças, lírica muitas vezes, como é característica dos estúdios Ghibli. É, com uma clarividência notável e assustadora, uma representação da guerra (e das suas consequências) muito mais real e humana do que a de muitas obras cinematográficas até então filmadas em live action. Há sangue, morte e dor em O Túmulo dos Pirilampos, pela experiência e olhar de duas crianças... é, verdadeiramente, a representação plena do fim da inocência. E é tão lúgubre, naturalmente, sem qualquer possibilidade de um final feliz.
Compreende-se, pois, porque O Túmulo dos Pirilampos marcou a história da animação e o coração de muitos espetadores. A sua narrativa, a partir do romance de Akiyuki Nosaka, é a força e a verdade do filme, tanto mais do que os seus méritos visuais. A quem é que, às tantas, o simples acto de chamar pelo irmão, repetidamente - Seita! Seita! Seita! -, não parte o coração? Filme tremendo.
Só dei conta do teu comentário hoje Roberto, tenho andado meio negligente relativamente ao Animólico confesso!
ResponderEliminarMas agrada-me constatar que também adoraste este filme! É um dos meus preferidos no campo da animação, com um argumento que incide nas pessoas que vivem em tempo de guerra, naquelas que realmente sofrem as consequências e como a transformação de uma realidade pacífica também transforma e faz revelar, muitas vezes, o que de pior há no ser humano.
Chorei neste filme e soube-me muito bem.
Vai dando notícias! Cumps.
http://animolico.blogspot.pt/