Realização: Steven Spielberg
Principais Actores: Tom Cruise, Dakota Fanning, Tim Robbins, Justin Chatwin, Miranda Otto, Rick Gonzalez, David Alan Basche, Yul Vazquez, Ann Robinson, Gene Barry, Channing Tatum, Morgan Freeman
Crítica:
Crítica:
A INVASÃO ALIENÍGENA
This is not a war any more than there's a war
between men and maggots... This is an extermination.
Admitamos que é arriscado conceber e estrear - mesmo para Steven Spielberg e em plena temporada de verão, na qual se sucedem os demais formatados blockbusters de Hollywood - um remake apocalítico sobre um ataque alienígena global, sem cair nos lugares comuns de um Michael Bay ou de um Roland Emmerich: refiro-me ao fogo-de-artifício pegado, regado a humor de algibeira, com desprimor para a narrativa e para as personagens, no qual se assistem comummente aos bastidores das investidas militares, plenos de ecrãs e de visões de satélite, ou a copiosos discursos de presidentes e líderes mundiais, ou nos quais damos a volta ao mundo, numa montagem de segundos, e nos apercebermos dos efeitos da catástrofe pelas variadíssimas culturas humanas. Esse cinema de consumo, de massas, tem o seu público, os seus lucros e raras as vezes alguns méritos artísticos dignos de nota, com exceção do som e dos efeitos digitais que são, por regra, tremendos. Guerra dos Mundos não cai nesses lugares comuns, não é um desses filmes, embora seja também sofisticadíssimo no que ao som e aos efeitos especiais diz respeito. Alguns preconceituosos, certamente, já haviam julgado a obra, mesmo antes de a terem vislumbrado. Outros tantos, ter-se-ão frustrado com as expectativas erradas que os acompanharam à sala de cinema e viram o que não queriam ver, ou seja, viram o que Guerra dos Mundos, efetivamente, é. Outros, sem expetativas, detestaram, outros com ou sem expetativas adoraram. Esta receção é comum a qualquer filme, mas esta introdução não é em vão: se há obra que dividiu opiniões foi este assombro de filme. Guerra dos Mundos é, ainda hoje e incompreensivelmente, uma das mais mal-amadas obras de Spielberg.
Porquê? Creio porque Guerra dos Mundos se diferencia no seu foco, na sua perspetiva. Spielberg aposta em abordar o cosmos pelo microcosmos, todo a complexidade do evento pelos olhos de uma só família (um pai e dois filhos). Qual é o resultado? A parte pelo todo. Um filme intimista, sobre as relações familiares em conflito e sobre o conflito potenciado pelo extremismo das circunstâncias, sobre os efeitos do terror, do medo e do pânico nas relações humanas, abismadas pela destruição das suas referências, pela insegurança, pelo desconhecido, por essa necessidade de esperança e de fuga perante um destino aparentemente condenado. Ao acompanhar a família Ferrier, Spielberg espelha toda a humanidade. A ausência de explicações sobre os acontecimentos, intensificam o mistério, o suspense, o medo. O espetador, tal como aquela família, está desprovido da verdade. O consequente desalento é tão desconfortável que muitos espetadores criticam o filme exatamente por essa ausência de explicação. Criticam a lógica, as possibilidades científicas... quando não é isso que está em causa. Aliás, nem poderão chegar a conclusão nenhuma, minimamente representativa da verdade absoluta, já que o filme não se descortina em fundamentos. Temos a solene voz de Morgan Freeman, no prólogo e no epílogo, a apontar para uma interpretação codificada: as moléculas, quimicamente alteradas pelo tempo, como antivirús capazes de destruir as forças extraterrestres. E é só. Spielberg e os argumentistas (David Koepp e Josh Friedman, a partir dos escritos originais de H. G. Wells) servem-se desse fator a favor da narrativa, da ação. As barreiras invisíveis, contra as quais lutam as personagens, despoletam o desespero, a claustrofobia e todas as outras fobias a uma escala inimaginável.
From the moment the invaders arrived, breathed our air, ate and drank,
they were doomed. They were undone, destroyed, after all of man's
weapons and devices had failed, by the tiniest creatures that God in his
wisdom put upon this earth. By the toll of a billion deaths, man had
earned his immunity, his right to survive among this planet's infinite
organisms. And that right is ours against all challenges. For neither do
men live nor die in vain.
Narrador
Guerra dos Mundos abre como o mais comum dos filmes, sem especiais cuidados cénicos ou de fotografia. Tom Cruise é Ray Ferrier - um homem como qualquer outro - trabalha nas docas, entre gruas e contentores. Quando chega a casa, apercebemo-nos das suas particularidades: é um pai imaturo, com dificuldades de relacionamento com o filho adolescente, Robbie (Justin Chatwin). Tem ainda uma filha de dez anos, Rachel (prodigiosa e arrepiante Dakota Fanning), com maior sentido de responsabilidade do que ele - What are you? Your mother or mine? -, mas que não passa, afinal de contas, de uma criança. É divorciado de Mary Ann, mãe dos filhos (Miranda Otto), que vem deixá-los para passarem o fim-de-semana consigo, no meio de uma casa desarrumada e sem um pacote de leite no frigorífico que seja. What are we supposed to eat?, pergunta-lhe a filha. You know, order!, responde-lhe o pai. Exusado será dizer que passar um fim-de-semana com o pai não é propriamente, para eles, um fim-de-semana de sonho. You're an asshole. I hate coming here, diz-lhe Robbie.
Algures pelo zapping da tv - tal é o tédio em casa do pai - antevemos que alguma coisa está a acontecer pelo mundo; os noticiários dão-nos conta de qualquer acontecimento trágico. Mas é quando o céu fica negro e uma chuva de incontáveis e estrondosos relâmpagos rebenta sobre eles que o filme começa. Os carros e quase todos os aparelhos elétricos deixam de funcionar, metade da multidão, apavorada, fica em casa, a outra metade sai à rua curiosa. Ray deixa os filhos em casa e vai averiguar o que se passou. Dezenas de raios cairam todos no mesmo lugar, perfuraram o solo e agora o chão abre-se e racha edifícios. Inicia-se a destruição. Do interior da terra ergue-se uma máquina gigante, como que despertada de um longo sono. Maybe it came down in the lightning storm. Tripods, chamam-lhe mais tarde. They come down in capsules, riding the lighting into the ground into the machines. Os tripods lançam raios que reduzem os humanos a pó, parecem ter um plano: aniquilar toda a humanidade. A ação é frenética, os efeitos digitais (Dennis Muren, Pablo Helman, Randy Dutra, Daniel Sudick) não parecem efeitos digitais. Tudo parece real. Ray escapa ao ataque, regressa a casa e arranja maneira de colocar os filhos numa viatura que funcione para fugir dali o quanto antes. Nova Jersey não tardará a ficar em escombros. Os Tripods revirarão a enorme ponte da cidade, os carros cairão como formigas. O espetáculo impôr-se-á tão vibrante quanto assustador. Is it the terrorists?, pergunta Rachel. É o trauma do 11 de Setembro a influenciar, claramente, esta renovada visão.
A partir daqui, Guerra dos Mundos - até então drama, ficção científica, filme de ação e suspense - torna-se também um imprevisível e inquietante road movie. Os gritos de Dakota Fanning espelharão o quão traumática está a ser a experiência para milhões de pessoas, por todo o globo. Ray ver-se-á obrigado a crescer e a assumir finalmente as suas responsabilidades como pai; veja-se o seu desespero e desorientação naquela fatia de pão atirada à janela, barrada a manteiga de amendoim. De episódio em episódio, Ray, Robbie e Rachel farão por estar unidos, por se protegerem, por sobreviverem, tentando pôr as suas diferenças de parte; diferenças que, ao fim e ao cabo, já não importam. São agora os laços de sangue que os unem, mais do que alguma vez imaginariam. Cenas memoráveis? Mais do que muitas: enquanto se escondem e refugiam na vivenda de Mary Ann, despenham-se aviões que tudo estremecem sobre a casa. Quando tornam ao experior, o cenário de devastação é impressionante e inacreditável. Mais tarde, quando param no meio do campo, parece que mais ninguém habita a região. Where is everybody?, questiona Rachel. I don't know, admite o pai. Running, hiding, hiding in their basements. De seguida, Rachel depara-se com dezenas de mortos a flutuar no rio, visão por demais chocante para uma criança. Há um comboio em chamas, que tudo silencia, instala-se o pânico e a confusão para ficar com um carro ou entrar num ferry. Chovem roupas na escuridão da noite (foram-se os corpos). Robbie separa-se da família e sobe a colina de encontro ao fogo, na inconsciência do seu ímpeto juvenil, julgando-se capaz de batalhar ao lado do exército. Mas não vemos mais Robbie até ao fim. Guerra dos Mundos não faz cedências e não há espaço para heroísmos. A Ray e Rachel resta-lhes somente tentar fugir, tentar sobreviver, tentar.
A cena que se segue, na cave e na companhia do perturbado e alucinado Harlan Ogilvy (inspiradíssimo Tim Robbins, a fazer lembrar o seu Dave Boyle de Mystic River) evoca, plena de tensão, a encenação de Jurassic Park, no assalto à cozinha. É um momento notável e nucluar na ação da última parte. Tom Cruise apercebe-se, então, que tem que cometer o mais impraticável e hediondo dos actos em nome da sua sanidade mental e para proteção da filha e dele próprio: matar. Apercebe-se que nem canções de embalar conhece para tranquilizar a filha. Acaba por cantar-lhe Little Deuce Coupe, dos Beach Boys, em lágrimas. Se sobreviverem, apercebe-se também, não mais será o mesmo pai: tão pouco presente e envolvido na vida dos filhos. Para além do mais, é nesta cave que nos confrontamos pela primeira vez, cara-a-cara, com os alienígenas. Lembramos Encontros Imediatos do 3º Grau, lembramos E.T. - O Extraterrestre, mas não sabemos o que esperar destes, agora inimigos e tão malévolos. E não ficamos desiludidos com o seu aspeto físico: o digital resulta magnificamente em todo o filme, impregnado de realismo a cada frame. Quando Ray e Rachel sobem à superfície, são apanhados pelo Tripod. A paisagem mudou. Raízes vermelho-sangue estendem-se pelos campos, por todo lado. O cenário, mais do que nunca, transpira a ficção científica. A iluminação e as cores do portentoso trabalho de fotografia de Janusz Kaminski transcendem-se, sempre com aquele grão na imagem que vem desde O Resgate do Soldado Ryan. A banda sonora de John Williams joga magistralmente com o medo, a agonia e as demais emoções do espetador, num misto de dissonância e estranheza. Perturba-nos e inquieta-nos. É absolutamente determinante para o exotismo da experiência.
Guerra dos Mundos não é Steven Spielberg longe do seu melhor, pelo contrário. É um filme intenso e sublime, que escreve na pedra: fazer um remake é um acto de imaginação e de pura recriação. Guerra dos Mundos convoca todos os nossos sentidos e é memorável para com todos eles.
Houve muita gente que não gostou deste filme, mas eu gostei bastante. É certo que ás vezes é um pouco exagerado, mas em filmes deste género é sempre normal que se exagere ;)
ResponderEliminarBjs
Para mim não passa de uma autêntica anedota industrial.
ResponderEliminarAbraço
GEMA: É fácil chamar a um filme de ficção científica "exagerado". Muitas vezes não será plausível.
ResponderEliminarJACKSON: Discordo completamente.
Cumps.
Filipe Assis
CINEROAD - A Estrada do Cinema
Concordo com a tua pontução, foi um remake que valeu mesmo a pena e que mostrou Spielberg e a sua paixão pelo sci-fi...
ResponderEliminarAbraço
http://nekascw.blogspot.com/
Um filme que me impressionou só pelo barulho das maquinas e pela genial rapariguinha que se chama Dakota....
ResponderEliminarDe resto é mais um filme mediano de Spielberg que passou um decada sem conseguir fazer um GRANDE FILME, logo um cineastra como ele que chega a lançar 2 filmes por ano!!!!!
E caso para dizer.... fazes demasiados filmes Spielberg!!!!
NEKAS: Valeu muito a pena. Não conheço ainda a obra original, mas este remake é fabuloso. Foi uma surpresa para mim.
ResponderEliminarNASP: Não estou de acordo. GUERRA DOS MUNDOS foi o filme que mais gostei de ver de Spielberg esta década 2000. Só ainda não vi MINORITY REPORT. GUERRA DOS MUNDOS, tem, a meu ver, uma concepção genial.
Cumps.
Roberto Simões
CINEROAD - A Estrada do Cinema
Para mim é apenas um filme mediano a caminhar para o bom. Tem cenas relativamente interessantes e bem concebidas, mas no seu todo não me satisfez.
ResponderEliminarEu gosto bastante desse filme, não sei por que outras pessoas falam mal dele.
ResponderEliminarGosto pq vi o filme sem expctativa nenhuma, ao contrário de alguns que o superestimarm por causa de Steven Spilberg
TIAGO RAMOS: A mim, satisfez-me muito. É uma obra genialmente arquitectada.
ResponderEliminarMIRELLA SANTOS: Talvez. De facto, fui vê-lo sem qualquer expectativa. E fiquei abismado com a claustrofobia, o ambiente de medo e a relação pai-filhos, entre Ray, Rachel e Robbie.
Cumps.
Roberto Simões
CINEROAD - A Estrada do Cinema
Não é muito diferente do Minority Report,digo,tanto em concepção como em resultado final, só para fazer uma pequena comparação pegando na citação feita nos comentários anteriores. Se bem me lembro, vi o filme pela mesma altura dos Sinais e se calhar já ia um pouco condicionada pela imagem dos ETs. É um bom filme, muito Spielberg, aquele final faz-me aprecíá-lo, mas fiquei sempre com a sensação de...opá, há muitas pontas soltas, muita coisa mal explicada!Lembro-me que na ocasião o filme saiu rente áo fim do ano, para poder ir aos óscares. Se calhar o sr.Spielberg não teria perdido muito se tivesse lançado a obra mais tarde...
ResponderEliminarCLÁUDIA GAMEIRO: Ainda não vi MINORITY REPORT, não poderei comparar. Acredita que o que importa em GUERRA DOS MUNDOS não é tanto a explicação... De qualquer forma, o filme estreou em Portugal a 7 de Julho de 2005 e não no final do ano. Nos EUA foi em Junho.
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
CINEROAD - A Estrada do Cinema
oops, my mistake!! Devo ter confundido com outro filme. Enfim,é uma boa obra, mas acredito que falta ali algum investimento em certos casos.
ResponderEliminarCLÁUDIA GAMEIRO: Acontece a todos ;) Estamos então em desacordo ;)
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
CINEROAD - A Estrada do Cinema
"Tem cenas relativamente interessantes e bem concebidas, mas no seu todo não me satisfez"
ResponderEliminarO Tiago Ramos aqui disse tudo. De facto, e infelizmente mais um Spielberg que não aprecio por aí além. Não é mau, mas sabe-me a pouco, sabes a sensação?! Acho que sim.
O todo não me satisfaz mesmo. Agora é inegável os seus atributos na fotografia, banda sonora, actuações e montagem. O argumento também me parece cuidado e pensado e até coerente, só acho que faltou algo mais. Pessoalmente claro.
Infelizmente é por estas e por outras que Spielberg, para mim, tem altos e baixos. Faz muitos filmes e varia muito de géneros. Talvez seja por isso difícil de agradar sempre e a todos.
Já agora, não sei se já viste Minority Report, mas digo-te que esse já gostei bem mais. Um grande filme.
abraço
JORGE: Sei qual é a sensação, mas nem por sombras a entendo ao assistir a um filme deste gabarito. Mais um filme que voltarei a assistir em breve. E quem sabe se não lhe subirei a nota. É um dos meus Spielbergs favoritos. Genial, genial, genial. Não estamos nada de acordo, aqui neste caso. É um filme muito substimado.
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
Uma rara opinião entusiástica sobre esse filme tão maltratado do Spielberg... Pergunto-me se foi mais bem compreendido na Europa do que aqui nas Américas. Também aprendi a admirar vários dos pontos aí ressaltados, sobretudo o ar desesperador e agressivo, bem diferente do ufanismo alegre de ID4 (filme do qual gosto, mas de modo diferente). Não é à toa que muitos americanos se incomodaram com as alusões visuais às ruínas do 11/9.
ResponderEliminarEm termos de sci-fi, foi a última grande ousadia do realizador.
GUSTAVO: Não te sei dizer se foi melhor compreendido por cá do que desse lado do oceano, sei que por cá são poucos os que gostam do filme. Quem sabe serão mais. Também gosto do Dia da Independência, por razões diferentes. Mais um que não revejo há imenso tempo.
ResponderEliminarObrigado pelo comentário.
Cumps.
Roberto Simões
CINEROAD.blogspot.pt