★★★★★
Título Original: The Man Who Shot Liberty Valance
Realização: John Ford
Principais Actores: John Wayne, James Stewart, Vera Miles, Lee Marvin, Edmond O'Brien, Andy Devine, Ken Murray, John Carradine, Jeanette Nolan, Denver Pyle, John Qualen, Woody Strode, Lee Van Cleef
Crítica:
A LEI: MATAR OU MORRER
This is the West, sir.
When the legend becomes fact, print the legend.
When the legend becomes fact, print the legend.
Aclamado como o último grande western de John Ford, O Homem que Matou Liberty Valance marca a transição entre dois tempos, entre duas eras: entre o passado onde a justiça se fazia pelas próprias mãos, onde o crime se resolvia pelas armas, e o presente, onde a imposição da lei vem zelar por uma maior igualdade entre todos os Homens. O comboio a vapor - com que abre a obra - e os caminhos de ferro - que rasgaram a paisagem e a aridez do deserto, aproximando e unindo as grandes cidades às pequenas vilas do fim do mundo - simbolizam a evolução tecnológica, mas essa evolução na moral e nos costumes, só nos apercebemos dela aquando da entrevista ao senador Ransom Stoddard (James Stewart), recém-chegado a Shinbone para o funeral do bêbedo e desgraçado Tom Doniphon (John Wayne).
O argumento desenvolve-se estruturadamente. Aquando da viagem no tempo, na qual residirá a maior parte da acção, conheceremos as raízes do político àquela terra e àquela gente. Vindo de leste, traz o advento da nova civilização, onde é cultivada a ordem e a escolarização. Onde deveria trazer uma arma, traz os livros de Direito, que perante brutais criminosos como Liberty Valance são perfeitamente inúteis. Tão inúteis como o xerife Link Appleyard, que acomodado na sua inércia pessoal e na ineficácia do sistema, colecciona suculentos bifes no fiado da estalagem, em vez de foras-da-lei na prisão.
Como noutros filmes de Ford (lembra-me de repente o anterior que vi dele, Os Cavaleiros), colidem duas formas distintas de ver o mundo, num conflito assumido pelos protagonistas. O então carismático e corajoso Tom Doniphon duvida da eficácia das efabulações do advogado, perante a selvagaria do oeste, que tão bem conhece:
Quando, logo à chegada, a diligência do culto peregrino é assaltada, sendo este violentamente espancado, a dureza da realidade impõe-se sobre quaisquer ilusões ou utopias académicas. Vingar-se pela força contriaria, contudo, todos os seus princípios e crenças.
Pois... Mas ninguém faz frente a Liberty Valance, por aquelas bandas, nem sequer as autoridades que supostamente são pagas para isso. Stoddard jamais terá, portanto, o perfil de herói do faroeste. Não deixa de ser trágica, por isso, a cedência de Stoddard aos seus ideais, empunhando a pistola na direcção de Liberty Valance. O assumir da fraqueza, da sua humanidade, ou a conversão à nova realidade, onde ser fora-da-lei é a única forma de fazer pela lei. Somente Tom configura esse perfil, mas abandoná-lo-á em favor dos novos tempos, dos novos tipos de heróis e... por amor a Hallie (Vera Miles), que entretanto parece ter caído de admiração e paixão pelo advogado. You taught her how to read and write; now give her something to read and write about!, diz-lhe Tom, que daí em diante se entregará ao álcool e à desgraça.
O twist e o desfecho do filme deixam bem clara a verdade sobre o título e sobre Tom. O homem que salvou Ransom Stoddard morrerá no esquecimento, por vontade própria, justificando as tão poucas presenças no seu velório. A entrevista do senador repõe a verdade, mas como acaba destruída pelo impulso da lenda, ficará apenas entre nós, espectadores. A respeito, o filme remata com a máxima memorável com que me iniciei:
Em cenas como as da cozinha, da escola ou das eleições, há espaço e tempo para desenvolver os secundários, focando as suas particularidades. A soma de todos traz uma riqueza imensa e indispensável para um retrato que se quer plural e colectivo. O povo, a democracia. A comédia toma, não raras as vezes, as rédeas da acção. A obra constitui, por isso mesmo e provavelmente, o western mais divertido de Ford. E também o mais violento, na medida em que não somos privados de assistir à ferocidade com que são disferidos, uma e outra vez, os tantos golpes.
De certa forma e reflectindo sobre essas duas eras, O Homem Que Matou Liberty Valance condensa em si próprio toda a maturidade que o western alcançou até então (seja com Ford, Mann ou Hawks) e antecipa o western de Leone, Peckinpah ou Eastwood, onde o género se debruçará flagrantemente sobre si próprio, consciente e munido de intenções moralizantes, condenando o carácter meramente lúdico e a acção do matar por matar da sua longa herança cultural (questão amplamente desenvolvida na crítica a Imperdoável). Ford despede-se do western, tal e qual a personagem de John Wayne. Sem heroísmos, conservador e fiel aos seus valores, mas pleno de sentimentos, consciente da nova realidade.
O argumento desenvolve-se estruturadamente. Aquando da viagem no tempo, na qual residirá a maior parte da acção, conheceremos as raízes do político àquela terra e àquela gente. Vindo de leste, traz o advento da nova civilização, onde é cultivada a ordem e a escolarização. Onde deveria trazer uma arma, traz os livros de Direito, que perante brutais criminosos como Liberty Valance são perfeitamente inúteis. Tão inúteis como o xerife Link Appleyard, que acomodado na sua inércia pessoal e na ineficácia do sistema, colecciona suculentos bifes no fiado da estalagem, em vez de foras-da-lei na prisão.
The jail's only got one cell, and the lock's broke and I sleep in it.
Como noutros filmes de Ford (lembra-me de repente o anterior que vi dele, Os Cavaleiros), colidem duas formas distintas de ver o mundo, num conflito assumido pelos protagonistas. O então carismático e corajoso Tom Doniphon duvida da eficácia das efabulações do advogado, perante a selvagaria do oeste, que tão bem conhece:
I know those law books mean alot to you, but not out here.
Out here a man settles his own problems.
Out here a man settles his own problems.
Quando, logo à chegada, a diligência do culto peregrino é assaltada, sendo este violentamente espancado, a dureza da realidade impõe-se sobre quaisquer ilusões ou utopias académicas. Vingar-se pela força contriaria, contudo, todos os seus princípios e crenças.
I don't want to kill him, I just want to put him in jail!
Pois... Mas ninguém faz frente a Liberty Valance, por aquelas bandas, nem sequer as autoridades que supostamente são pagas para isso. Stoddard jamais terá, portanto, o perfil de herói do faroeste. Não deixa de ser trágica, por isso, a cedência de Stoddard aos seus ideais, empunhando a pistola na direcção de Liberty Valance. O assumir da fraqueza, da sua humanidade, ou a conversão à nova realidade, onde ser fora-da-lei é a única forma de fazer pela lei. Somente Tom configura esse perfil, mas abandoná-lo-á em favor dos novos tempos, dos novos tipos de heróis e... por amor a Hallie (Vera Miles), que entretanto parece ter caído de admiração e paixão pelo advogado. You taught her how to read and write; now give her something to read and write about!, diz-lhe Tom, que daí em diante se entregará ao álcool e à desgraça.
O twist e o desfecho do filme deixam bem clara a verdade sobre o título e sobre Tom. O homem que salvou Ransom Stoddard morrerá no esquecimento, por vontade própria, justificando as tão poucas presenças no seu velório. A entrevista do senador repõe a verdade, mas como acaba destruída pelo impulso da lenda, ficará apenas entre nós, espectadores. A respeito, o filme remata com a máxima memorável com que me iniciei:
This is the West, sir.
When the legend becomes fact, print the legend.
When the legend becomes fact, print the legend.
Em cenas como as da cozinha, da escola ou das eleições, há espaço e tempo para desenvolver os secundários, focando as suas particularidades. A soma de todos traz uma riqueza imensa e indispensável para um retrato que se quer plural e colectivo. O povo, a democracia. A comédia toma, não raras as vezes, as rédeas da acção. A obra constitui, por isso mesmo e provavelmente, o western mais divertido de Ford. E também o mais violento, na medida em que não somos privados de assistir à ferocidade com que são disferidos, uma e outra vez, os tantos golpes.
De certa forma e reflectindo sobre essas duas eras, O Homem Que Matou Liberty Valance condensa em si próprio toda a maturidade que o western alcançou até então (seja com Ford, Mann ou Hawks) e antecipa o western de Leone, Peckinpah ou Eastwood, onde o género se debruçará flagrantemente sobre si próprio, consciente e munido de intenções moralizantes, condenando o carácter meramente lúdico e a acção do matar por matar da sua longa herança cultural (questão amplamente desenvolvida na crítica a Imperdoável). Ford despede-se do western, tal e qual a personagem de John Wayne. Sem heroísmos, conservador e fiel aos seus valores, mas pleno de sentimentos, consciente da nova realidade.
É um grande western. Longe do lirismo e do esplendor visual de outras obras de John Ford, como por exemplo as que aparecem planos do Monumental Valley. O melhor para mim são as grandes interpretações dos dois veteranos e aquele twist que referiste.
ResponderEliminarAbç
Um grandioso filme grande :)
ResponderEliminarAntes demais gostei muito de ler a crítica!
Gosto muito do argumento, com todos os seus detalhes e particularidades. As personagens são bem exploradas, mesmo as secundárias, o que reforça a intensidade do filme. No entanto, para mim Ford é um mestre na realização, aí sim ele se destaca, com planos e enquadramentos brilhantes. O twist final é delicioso, com a frase "When the legend becomes fact, print the legend" como cereja no topo do bolo :)
De todos os westerns americanos que vi, e já são umas dezenas apreciáveis :P, só mesmo o "Stagecoah" do Ford considero superior a este, ainda que seja sobretudo uma questão pessoal eheh
Abraço
ANDRÉ SOUSA: Sim, o lirismo de Ford não é para aqui chamado. Penso que o que brilha mais aqui é mesmo a realização e o argumento. As performances do elenco secundário também, um tanto ou quanto mais ainda do que as dos protagonistas. Não quero ser mal interpretado, gosto das performances de Wayne (não muito diferente do habitual, enfim) e da de Stewart (muito bom a interpretar um homem comum), mas não vejo nelas o brilhantismo que muitos apontam sobretudo à prestação de Stewart. Mas gosto.
ResponderEliminarPEDRO D. M. TEIXEIRA: Obrigado ;) O argumento é de facto muito bom, estamos de acordo. As personagens secundárias são um must, verdadeiramente! O editor do jornal, sempre embebido em álcool, o xerife medroso e comilão, ou os simpáticos pais de Hallie, entre tantos outros.
Apesar de reconhecer os méritos do filme, tenho a admitir que não é dos meus westerns favoritos, nem mesmo de Ford.
Roberto Simões
» CINEROAD «
Ótimo western, que tem ainda o grande interpretaçõ de Lee Marvin como o vilão.
ResponderEliminarAbraço
HUGO: A personagem de Marvin é asquerosa e a sua entrega ao papel, não sendo propriamente extraordinária, é francamente boa, sim. Grande western, grande filme.
ResponderEliminarRoberto Simões
» CINEROAD «
Grande crítica. Gosto muito deste Western, sendo mesmo um dos meus filmes preferidos de Ford (embora ainda sejam alguns eheh). Aqui destaco a fotografia, o argumento e a realização, todos em plena sintonia e de qualidade excepcional. Tal como ainda as interpretações a cargo de John Wayne e James Stewart, divinais! Este último tem um desempenho algo particular dado a sua carreira e os filmes que vi, gostei de ver alguma versatilidade e novos trejeitos ali.
ResponderEliminarabraço
JORGE: Obrigado ;) É um muito bom filme, Wayne e Ford dão-nos aqui uma grande parceria, sem dúvida. Gostei sobretudo do argumento.
ResponderEliminarRoberto Simões
» CINEROAD «