★★★★★
Título Original: Sunset BoulevardRealização: Billy Wilder
Principais Actores: William Holden, Gloria Swanson, Erich von Stroheim, Nancy Olson, Cecil B. DeMille, Franklyn Farnum, Jack Webb, Lloyd Gough, Fred Clark, Larry J. Blake, Buster Keaton
Crítica:
A GRANDE ILUSÃO
No-one ever leaves a star.
That's what makes one a star...
That's what makes one a star...
Chega a ser cruel, o reflexo e o retrato de Hollywood, magistralmente concretizado por Billy Wilder e equipa neste O Crepúsculo dos Deuses. Eis a sátira à teia de oportunistas que deambula pela Sunset Boulevard, sedentos de celebridade. Na avenida da cidade dos sonhos, a mansão assombrada por Norman Desmond - o grande astro do cinema mudo, estrela agora cadente e decadente face à ascenção do cinema sonoro, perdida entre a excentricidade e a extravagância do seu carácter e da sua carteira. A prodigiosa tour de force de Gloria Swanson confronta-nos com a tragédia, a efemeridade do sucesso e da fama, com o pavor do envelhecimento e do esquecimento, com a sombra por detrás dos holofotes que outrora abrilhantaram e fizeram dela uma aclamada artista. There's nothing tragic about being fifty. Not unless you're trying to be twenty-five. Norma sonha com o regresso - It's a return, a return to the millions of people who have never forgiven me for deserting the screen. - um regresso impossível, potenciado pela ilusão. Afinal, todos lhe mentem - revelar ou ocultar a verdade, ambas as soluções acarretam consequências terríveis.
Norma sonha com o regresso mas há muito que deixou de ser solicitada. Recebe milhares de cartas de fãs, mas são todas escritas pelo mordomo Max; facto que ela desconhece, coitada. Os telefonemas que recebe da Paramount são para lhe alugar o carro, não porque Cecil B. DeMille a queira de volta ou tenha adorado o seu argumento falhado. É por isso que nos enche de compaixão, a cena em que a diva torna aos antigos estúdios e se reencontra com o cineasta dos grandes épicos. Primeiramente, só os velhos técnicos e funcionários se recordam dela - a indústria do presente dispensou-a. Icónica e simbólica, por isso mesmo também, a cena dos Bonecos de Cera, em que os deuses do mudo jogam às cartas no seu empoeirado Olimpo. Buster Keaton, Anna Q. Nilsson e H.B. Warner, os renegados do silêncio. Mais do que aparições, eles representam-se a si próprios, potenciando uma metalinguística incomensurável. O mesmo a dizer de Cecil B. DeMille, que dirigiu Gloria no passado; Gloria que, tal como Norma, foi uma actriz do outrora, cuja personagem no filme de Wilder lhe sentenciou o regresso áureo. Esta dupla leitura entre relações diegéticas e metadiegéticas far-se-á sempre em O Crepúsculo dos Deuses, resultando daí a maior parte do seu fascínio. A propósito, o mordomo Max desempenhará uma personagem-chave em toda a trama. Afinal, também ele se representa, de alguma forma, a si próprio. Max von Mayerling assume-se como o primeiro realizador de Norma e o primeiro dos seus maridos, super-protegendo-a desde sempre e edificando à sua volta um palácio de sonhos e fantasias. Max von Mayerling não é senão o aclamado (e de outros tempos) realizador Erich von Stroheim - a cena a que Norma e Gillis assistem na sala de projecção não é nada mais nada menos do que uma das cenas de A Rainha Kelly, realizado por Erich e estrelado por Gloria Swanson em 1932.
O Crepúsculo dos Deuses é também um noir envolvente, uma história de crime narrada a partir da primeira pessoa - uma narrativa póstuma, uma vez que o narrador se assume logo desde início como o morto, vítima de um mistério desvendado analepticamente. Não deixa de ser irónica, a natureza deste narrador (mais tarde recuperada exemplarmente em Beleza Americana, de Sam Mendes). O narrador e o protagonista (ainda que a prestação magnetizante seja sempre a de Gloria Swanson) é Joe Gillis, William Holden, um argumentista falhado, perseguido pelas dívidas, que encontra na rica Norma o remédio para a sua instável situação. Será o único a afrontar a actriz, levando-a ao devaneio final, à insanidade pura e ao crime. Se na cena do baile já tínhamos pena daquela mulher, o que sentir aquando daquela delirante descida pela escadaria, envolta em multidão, completamente refém da ilusão...
I am big. It's the pictures that got small.
Norma sonha com o regresso mas há muito que deixou de ser solicitada. Recebe milhares de cartas de fãs, mas são todas escritas pelo mordomo Max; facto que ela desconhece, coitada. Os telefonemas que recebe da Paramount são para lhe alugar o carro, não porque Cecil B. DeMille a queira de volta ou tenha adorado o seu argumento falhado. É por isso que nos enche de compaixão, a cena em que a diva torna aos antigos estúdios e se reencontra com o cineasta dos grandes épicos. Primeiramente, só os velhos técnicos e funcionários se recordam dela - a indústria do presente dispensou-a. Icónica e simbólica, por isso mesmo também, a cena dos Bonecos de Cera, em que os deuses do mudo jogam às cartas no seu empoeirado Olimpo. Buster Keaton, Anna Q. Nilsson e H.B. Warner, os renegados do silêncio. Mais do que aparições, eles representam-se a si próprios, potenciando uma metalinguística incomensurável. O mesmo a dizer de Cecil B. DeMille, que dirigiu Gloria no passado; Gloria que, tal como Norma, foi uma actriz do outrora, cuja personagem no filme de Wilder lhe sentenciou o regresso áureo. Esta dupla leitura entre relações diegéticas e metadiegéticas far-se-á sempre em O Crepúsculo dos Deuses, resultando daí a maior parte do seu fascínio. A propósito, o mordomo Max desempenhará uma personagem-chave em toda a trama. Afinal, também ele se representa, de alguma forma, a si próprio. Max von Mayerling assume-se como o primeiro realizador de Norma e o primeiro dos seus maridos, super-protegendo-a desde sempre e edificando à sua volta um palácio de sonhos e fantasias. Max von Mayerling não é senão o aclamado (e de outros tempos) realizador Erich von Stroheim - a cena a que Norma e Gillis assistem na sala de projecção não é nada mais nada menos do que uma das cenas de A Rainha Kelly, realizado por Erich e estrelado por Gloria Swanson em 1932.
She was the greatest of them all.
O Crepúsculo dos Deuses é também um noir envolvente, uma história de crime narrada a partir da primeira pessoa - uma narrativa póstuma, uma vez que o narrador se assume logo desde início como o morto, vítima de um mistério desvendado analepticamente. Não deixa de ser irónica, a natureza deste narrador (mais tarde recuperada exemplarmente em Beleza Americana, de Sam Mendes). O narrador e o protagonista (ainda que a prestação magnetizante seja sempre a de Gloria Swanson) é Joe Gillis, William Holden, um argumentista falhado, perseguido pelas dívidas, que encontra na rica Norma o remédio para a sua instável situação. Será o único a afrontar a actriz, levando-a ao devaneio final, à insanidade pura e ao crime. Se na cena do baile já tínhamos pena daquela mulher, o que sentir aquando daquela delirante descida pela escadaria, envolta em multidão, completamente refém da ilusão...
I promise you I'll never desert you again because after 'Salome' we'll make another picture and another picture. You see, this is my life! It always will be! Nothing else! Just us, the cameras, and those wonderful people out there in the dark!... All right, Mr. DeMille, I'm ready for my close-up.
Eis, pois, um feito notável no seio da indústria americana. Uma produção corajosa, que privilegia a história e os actores sobre todas as coisas, mas que detém igualmente o mérito de conciliar o primor nas mais variadas catergorias técnicas: exuberante, a direcção artística, em cada cenário, em cada figurino. Imaculada a fotografia, a cargo de John F. Seitz. Sublime, a banda sonora de Franz Waxman, na condução da melancolia trágica. Grande clássico de Billy Wilder.
Brilhante filme, e bela crítica. :) Um dos filmes que consigo revisitar constantemente sem nunca me aborrecer durante um segundo que seja. Love love love.
ResponderEliminarDelicioso, um filme que sabe tão bem. Obra-prima de Billy Wilder e estrondoso desempenho de Gloria Swanson?
ResponderEliminarClássico Absoluto. Meu favorito de Billy Wilder :)
ResponderEliminarNUN0B: Obrigado ;) Sem dúvida, um filme brilhante e inesquecível. Acontece o mesmo comigo. É puro prazer, o que sinto ao assisti-lo.
ResponderEliminarMARCELO PEREIRA: Não tenho como não te subscrever inteiramente.
ALAN RASPANTE: Nem mais ;)
Roberto Simões
CINEROAD
Sem dúvida grande clássico. E grande Gloria Swanson. É daqueles filmes, tal como Eva e para mim, que vai melhorando sempre que penso neles e sempre que revejo partes ou o seu todo. Este é rico em praticamente tudo, desde os personagens à realização, da sua história à sua condução e narração, da fotografia à banda sonora, etc etc.
ResponderEliminarUm clássico imperdível e obrigatório.
abraço
Unanimidade. Desconheço quem não o aprecie deveras.
ResponderEliminarJORGE: Suplanta EVA em praticamente todos os níveis, ainda que pessoalmente prefira a criação de Bette Davis no filme do Wilder. Em termos de filmes, prefiro este. Subscrevo-te em tudo.
ResponderEliminarENALDO: Bem-vindo ao CINEROAD. "Unanimidade" é a palavra, mesmo. Volte sempre!
Roberto Simões
CINEROAD