★★★★★
Título Original: O Brother, Where Art Thou? Realização: Ethan Coen e Joel Coen
Principais Actores: George Clooney, John Turturro, Tim Blake Nelson, John Goodman, Holly Hunter, Charles Durning, Stephen Root
Crítica:
UMA ODISSEIA AMERICANA
Irmão, Onde Estás?, dos irmãos Coen, é uma comédia absolutamente excêntrica e insólita, tecnicamente sofisticada, visualmente estonteante e dotada de uma dramaturgia refinada e muito bem-humorada. É, em poucas palavras, uma obra brilhante e sublime, com um iluminado rasgo de profundo génio.
Tendo a Odisseia de Homero como inspiração, o devaneio criativo dos Coen propõe uma versão alucinada da história de Ulisses, passada no interior americano, durante os anos da Grande Depressão. Confluem-se, com assaz mestria, referências da mitologia clássica com elementos do próprio folclore americano, convocando-se costumes, figuras e personagens do imaginário colectivo daquela cultura ocidental.
Primeiro que tudo, a invocação:
Of that man skilled in all the ways of contending...
A wanderer, harried for years on end...
Depois, os cânticos. Que nem marinheiros fustigados pelo suor dos remos, os condenados de uma prisão do Mississipi são forçados a partir pedra, empunhando ao sol as picaretas. George Clooney é Everett Ulysses McGill, um desses desgraçados, condenados à Circe da justiça: que nem o herói homérico, sonha voltar a casa, para junto da sua amada Penélope, mas o derradeiro regresso far-se-á somente após uma série de aventuras e desventuras, de acasos e infortúnios. Ao Ulisses dos Coen não falta a eloquência do discurso. A eloquência do discurso e as latas de brilhantina (afinal, uma das principais preocupações de Everett é o estado imaculado do seu penteado). Contudo, falta-lhe o engenho e o plano ardiloso para escapar ao malfadado destino. É certo que tem a graça de conseguir manipular os seus comparsas do crime, a ele acorrentados, como forma de conseguir fugir primeiramente aos guardas. Porém, o plano de fuga resume-se à evasão. O que acontecerá depois nem eles sabem nem adivinham: um cego profeta dos carris que nem Tirésias, o sábio antigo, um burlão gigante e de um só olho que nem Polifemo, o ciclope devorador de homens, um grupo de esbeltas e sedutoras lavadeiras cantadeiras que nem as matreiras e encantatórias sereias dos mares revoltos. E mais: um negro pactuante com o Diabo num cruzamento da meia-noite que nem o lendário Robert Johnson, um ladrão completamente insano que nem o Nelson Babyface, religiosos protestantes, políticos promíscuos, cruzes em chamas e encontros secretos do Ku Klux Klan, sapos saltitantes, telhados com vacas, inundações inesperadas e caixões que servem de bóias. Um universo mirabolante, que faz de Irmão, Onde Estás? uma comédia deveras excepcional.
Para além disto, estamos perante uma obra com uma vertente musical muito vincada. Do gospel à country, passando pela aclamação da banda dos Rabos Molhados e pelas constantes personagens cantantes, temos uma natureza melódica e quase erudita que se impõe na sublimação do poema. Por outro lado, chega até nós um elenco de interpretações sólidas (Clooney, Turturro, Goodman) e um trabalho de fotografia de uma excelência digna das maiores referências, a cargo de Roger Deakins: pela primeira vez na História do Cinema se procedeu à manipulação integral da imagem de um filme, neste caso por saturação cromática através de um processo designado impressão digital de resposta - uma técnica ambiciosa e inovadora, que abriria as portas do Cinema a todo um novo horizonte de possibilidades. O feito de Deakins contribuiu, de forma determinante e inequívoca, para a beleza e para o estatuto superiores de Irmão, Onde Estás? enquanto objecto de sobrevalorização estética.
Enfim, um filme, sob todos os primas, memorável. Divertidíssimo. Extremamente bem filmado. Um clássico instantâneo.
Tendo a Odisseia de Homero como inspiração, o devaneio criativo dos Coen propõe uma versão alucinada da história de Ulisses, passada no interior americano, durante os anos da Grande Depressão. Confluem-se, com assaz mestria, referências da mitologia clássica com elementos do próprio folclore americano, convocando-se costumes, figuras e personagens do imaginário colectivo daquela cultura ocidental.
Primeiro que tudo, a invocação:
O muse!
Sing in me, and through me tell the story Of that man skilled in all the ways of contending...
A wanderer, harried for years on end...
Depois, os cânticos. Que nem marinheiros fustigados pelo suor dos remos, os condenados de uma prisão do Mississipi são forçados a partir pedra, empunhando ao sol as picaretas. George Clooney é Everett Ulysses McGill, um desses desgraçados, condenados à Circe da justiça: que nem o herói homérico, sonha voltar a casa, para junto da sua amada Penélope, mas o derradeiro regresso far-se-á somente após uma série de aventuras e desventuras, de acasos e infortúnios. Ao Ulisses dos Coen não falta a eloquência do discurso. A eloquência do discurso e as latas de brilhantina (afinal, uma das principais preocupações de Everett é o estado imaculado do seu penteado). Contudo, falta-lhe o engenho e o plano ardiloso para escapar ao malfadado destino. É certo que tem a graça de conseguir manipular os seus comparsas do crime, a ele acorrentados, como forma de conseguir fugir primeiramente aos guardas. Porém, o plano de fuga resume-se à evasão. O que acontecerá depois nem eles sabem nem adivinham: um cego profeta dos carris que nem Tirésias, o sábio antigo, um burlão gigante e de um só olho que nem Polifemo, o ciclope devorador de homens, um grupo de esbeltas e sedutoras lavadeiras cantadeiras que nem as matreiras e encantatórias sereias dos mares revoltos. E mais: um negro pactuante com o Diabo num cruzamento da meia-noite que nem o lendário Robert Johnson, um ladrão completamente insano que nem o Nelson Babyface, religiosos protestantes, políticos promíscuos, cruzes em chamas e encontros secretos do Ku Klux Klan, sapos saltitantes, telhados com vacas, inundações inesperadas e caixões que servem de bóias. Um universo mirabolante, que faz de Irmão, Onde Estás? uma comédia deveras excepcional.
Para além disto, estamos perante uma obra com uma vertente musical muito vincada. Do gospel à country, passando pela aclamação da banda dos Rabos Molhados e pelas constantes personagens cantantes, temos uma natureza melódica e quase erudita que se impõe na sublimação do poema. Por outro lado, chega até nós um elenco de interpretações sólidas (Clooney, Turturro, Goodman) e um trabalho de fotografia de uma excelência digna das maiores referências, a cargo de Roger Deakins: pela primeira vez na História do Cinema se procedeu à manipulação integral da imagem de um filme, neste caso por saturação cromática através de um processo designado impressão digital de resposta - uma técnica ambiciosa e inovadora, que abriria as portas do Cinema a todo um novo horizonte de possibilidades. O feito de Deakins contribuiu, de forma determinante e inequívoca, para a beleza e para o estatuto superiores de Irmão, Onde Estás? enquanto objecto de sobrevalorização estética.
Enfim, um filme, sob todos os primas, memorável. Divertidíssimo. Extremamente bem filmado. Um clássico instantâneo.
Gostei bastante deste filme! Uma comédia "a la Cohen Bros"...
ResponderEliminarOutros filmes dos Coen me chamaram mais a atenção, mas dos que ele trabalhou com o Clooney foi o que eu mais curti. O trio de desajustados caiu como uma luva para a história.
ResponderEliminarCultura? O Lugar é aqui:
http://culturaexmachina.blogspot.com
JOÃO BASTOS: Também eu, João, também eu! É um filme magnífico e incompreensivelmente menosprezado.
ResponderEliminarPSEUDO-AUTOR: Os Coen têm filmes incríveis. São argumentistas e realizadores simplesmente excepcionais. Este IRMÃO, ONDE ESTÁS? está repleto de virtudes. Não é perfeito, mas é puro deleite cinematográfico.
Cumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
Queria muito vê-lo desde Destruir Depois de Ler, que é verdadeiramente delicioso. Onde o arranjaste?
ResponderEliminarAbraço
MARCELO PEREIRA: Comprei-o na fatídica liquidação da Blockbuster. Vale mesmo a pena. É visualmente assombroso e no seu todo um filme muito bom.
ResponderEliminarCumps.
Roberto Simões
» CINEROAD - A Estrada do Cinema «
Também gostei bastante, a sua comicidade mirabolante e os seus atributos estéticos fazem deste filme um dos melhores que vi dos irmãos Coen. Tem uma grande fotografia, um enorme argumento e uma excelente banda sonora. Destaco acima de tudo a capacidade que os Coen têm de nos oferecer uma história simultaneamente emocionante e divertida por um lado e inteligente, perspicaz e original por outro. Neste departamento são fantásticos os seus filmes.
ResponderEliminarContudo o filme não é perfeito, porventura falta-lhe mais união, coesão ou profundidade na história. Não sei bem, mas não deixa de ser uma delícia muito especial este O Brother, Where Art Thou?.
Fica a pergunta inevitável, estão para breve mais alguns filmes dos Coen?
abraço