★★★★★
Título Original: Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance) Realização: Alejandro Gonzalez Iñárritu
Principais Actores: Michael Keaton, Emma Stone, Naomi Watts, Edward Norton, Zach Galifianakis, Andrea Riseborough, Amy Ryan, Lindsay Duncan, Jeremy Shamos, Natalie Gold, Merritt Wever
Crítica:
O METEORITO E AS ALFORRECAS
A thing is a thing, not what is said of that thing.
Mas - permitam-me começar com a adversativa - como é que raio ou meteorito fizeram este inacreditável filme? Prodígio técnico absoluto - na câmera, na encenação e na representação -, assistir a Birdman será sempre um deslumbramento. O rigor e o formalismo jamais se esgotam em si mesmos, antes acentuam o realismo e a sensação de que assistimos a uma grande peça de teatro, com uma peça de teatro lá dentro. Sufoca-nos, a nós e às personagens, a claustrofobia daqueles corredores intermináveis, dos camarins minúsculos e da iluminação soturna e sempre artificial do backstage. Sufoca-nos, tão-mormente, aqueles geniais e engenhosos planos-sequência que se unem e fluem como um só. Não admira, pois, que quando a câmera acompanha as personagens ao topo do edifício ou numa saída à rua - alia-se geralmente a sinfonia - nós e o filme inspiremos e expiremos profundamente, numa prazerosa lufada de oxigénio. Nós e o filme, nós e as personagens - sempre: os travellings perseguitórios tornam-nos íntimos e cúmplices e, quais personagens, deambulamos pelo set, vivendo as suas angústias.
Michael Keaton, Naomi Watts e Edward Norton arrasam em atuações excepcionais. São actores a fazer de actores e o filme é, em parte, sobre o que significa ser actor. A busca, sempre crescente, do sucesso e do reconhecimento - ou da alimentação do ego. A procura da representação da verdade na ficção perante o risco de, sem perceber, se representar a vida, tornando-a uma trágica mentira. Note-se o caso de Mike (Norton) para quem o palco é o único sítio onde consegue ser autêntico e ter, com facilidade, uma erecção, sendo capaz de pôr toda a peça em risco em nome da verdade e das sensações genuínas. Note-se o caso de Lesley (Watts) que sempre sonhou ser actriz da Broadway e que, tornando-se finalmente quem sempre quis ser, se esbate com as inseguranças de menina. Note-se Riggan (Keaton, o protagonista) que investe tudo o que tem e o que é na derradeira tentativa de regresso aos êxitos e de não cair no esquecimento (relação metadiagética com a situação real do próprio actor), numa era em que se atropelam as sequelas de super-heróis (a sátira é clara) e a memória da trilogia Birdman, onde estrelou, se apaga a cada dia. Riggan é o meteorito com que a obra abre, a estrela-cadente que, plena de frustração e de incapacidade em superar-se e em renovar-se, conhecerá a morte no impacto que se aproxima. A imagem é belíssima. Conseguirá ele reerguer-se e tornar ao firmamento, ausente que está dos fenómenos virais da sua atualidade como o facebook, o youtube ou o twitter? Abismado que está pelas dúvidas existenciais, pela honra ferida e pela crítica feroz? Riggan está sozinho entre um elenco de egos. E ninguém parece disposto a dar-lhe a mão. This stage has belonged to a lot of great actors, but you are not one of them - diz-lhe Mike, a dado momento, confrontando-o - You nobody piece of shit! (...) My massive hard-on got 50,000 views on YouTube. A cat playing with a dildo gets more than that. O seu alter ego, com quem tantas vezes dialoga na solidão e que não é senão a voz do seu Birdman de outros tempos, tão depressa o endeusa como o desmoraliza: without me, all that's left is you... a sad, selfish, mediocre actor... grasping at the last vestiges of his career. A crítica Tabhita Dickson devasta-o: you're no actor, you're a celebrity. Let's be clear on that. E até a melancólica filha Sam (brilhante Emma Stone) o chama à razão: you're doing this because you're scared to death, like the rest of us, that you don't matter. And you know what? You're right. You don't. It's not important. You're not important. Get used to it. Quais alforrecas, todos se lhe colam e queimam o corpo e a alma. Não admira, portanto, que o desencanto triunfe e que o suicídio seja encarado como a única solução - e salvação. Terá um ego tão inflamado, mesmo na desilusão, coragem para tamanho feito?
Com Birdman, Alejandro G. Iñárritu lembra-nos por que é, afinal, um dos mais ambiciosos e mais estudados cineastas deste início de século - lembremos, a título de exemplo, Babel, esse seu extraordinário filme-mosaico, cuja urgência é gritante e a excelência completamente irrevogável. E quando utilizo o adjectivo estudado (não me justificarei quanto ao ambicioso, porque acho que a obra fala por si), utilizo-o na sua dupla acepção: não apenas no sentido em que o estudam, mas sobretudo no sentido em que Iñárritu estudou e conhece o legado que a sua arte e os seus mestres lhe deixaram. Só se pode procurar ser original e inovador, num mundo onde já tudo foi inventado, se estudarmos o melhor possível a nossa arte, os clássicos e o que já foi feito. Até imitar não é para todos e saber imitar bem uma obra de arte. O mesmo é válido para qualquer cinéfilo ou crítico: a nossa apreciação de filmes como este só beneficiará se tivermos assistido ao A Corda de Hitchcock ou se soubermos mais sobre as experiências e as propostas que têm sido feitas com os planos-sequência ao longo dos tempos. O estudo é importante. Da mesma forma é estúpido criticar Iñárritu só porque é audaz ou reúne esta ou aquela influência. Chamam-lhe, alguns, arrogância. À leviandade desses alguns, chamaria, por cortesia, inesperada virtude da ignorância. Por mais que se rodeie de alforrecas, se há coisa que Iñárritu não é é seguramente um meteorito; excepto na força. O seu trajecto é claramente inverso e ascendente. O cineasta arquitecta e concretiza aqui mais um desafiante e brioso exercício de estilo, distante de clichés, matematicamente preciso e assaz meticuloso e sem grandes truques de montagem, que se transcende em criatividade e emoções, sempre atento às fragilidades da condição humana. Não tenhamos dúvidas: Birdman é o fascinante resultado de ensaios, ensaios e mais ensaios, muita dedicação, paixão e entrega à arte e, claro, de uma boa dose de loucura. O assustador trabalho de Emmanuel Lubezki revela-se, em tudo e por tudo, absolutamente épico.
Por isto, estamos perante um imperioso triunfo - um filme para a vida.
Michael Keaton, Naomi Watts e Edward Norton arrasam em atuações excepcionais. São actores a fazer de actores e o filme é, em parte, sobre o que significa ser actor. A busca, sempre crescente, do sucesso e do reconhecimento - ou da alimentação do ego. A procura da representação da verdade na ficção perante o risco de, sem perceber, se representar a vida, tornando-a uma trágica mentira. Note-se o caso de Mike (Norton) para quem o palco é o único sítio onde consegue ser autêntico e ter, com facilidade, uma erecção, sendo capaz de pôr toda a peça em risco em nome da verdade e das sensações genuínas. Note-se o caso de Lesley (Watts) que sempre sonhou ser actriz da Broadway e que, tornando-se finalmente quem sempre quis ser, se esbate com as inseguranças de menina. Note-se Riggan (Keaton, o protagonista) que investe tudo o que tem e o que é na derradeira tentativa de regresso aos êxitos e de não cair no esquecimento (relação metadiagética com a situação real do próprio actor), numa era em que se atropelam as sequelas de super-heróis (a sátira é clara) e a memória da trilogia Birdman, onde estrelou, se apaga a cada dia. Riggan é o meteorito com que a obra abre, a estrela-cadente que, plena de frustração e de incapacidade em superar-se e em renovar-se, conhecerá a morte no impacto que se aproxima. A imagem é belíssima. Conseguirá ele reerguer-se e tornar ao firmamento, ausente que está dos fenómenos virais da sua atualidade como o facebook, o youtube ou o twitter? Abismado que está pelas dúvidas existenciais, pela honra ferida e pela crítica feroz? Riggan está sozinho entre um elenco de egos. E ninguém parece disposto a dar-lhe a mão. This stage has belonged to a lot of great actors, but you are not one of them - diz-lhe Mike, a dado momento, confrontando-o - You nobody piece of shit! (...) My massive hard-on got 50,000 views on YouTube. A cat playing with a dildo gets more than that. O seu alter ego, com quem tantas vezes dialoga na solidão e que não é senão a voz do seu Birdman de outros tempos, tão depressa o endeusa como o desmoraliza: without me, all that's left is you... a sad, selfish, mediocre actor... grasping at the last vestiges of his career. A crítica Tabhita Dickson devasta-o: you're no actor, you're a celebrity. Let's be clear on that. E até a melancólica filha Sam (brilhante Emma Stone) o chama à razão: you're doing this because you're scared to death, like the rest of us, that you don't matter. And you know what? You're right. You don't. It's not important. You're not important. Get used to it. Quais alforrecas, todos se lhe colam e queimam o corpo e a alma. Não admira, portanto, que o desencanto triunfe e que o suicídio seja encarado como a única solução - e salvação. Terá um ego tão inflamado, mesmo na desilusão, coragem para tamanho feito?
Com Birdman, Alejandro G. Iñárritu lembra-nos por que é, afinal, um dos mais ambiciosos e mais estudados cineastas deste início de século - lembremos, a título de exemplo, Babel, esse seu extraordinário filme-mosaico, cuja urgência é gritante e a excelência completamente irrevogável. E quando utilizo o adjectivo estudado (não me justificarei quanto ao ambicioso, porque acho que a obra fala por si), utilizo-o na sua dupla acepção: não apenas no sentido em que o estudam, mas sobretudo no sentido em que Iñárritu estudou e conhece o legado que a sua arte e os seus mestres lhe deixaram. Só se pode procurar ser original e inovador, num mundo onde já tudo foi inventado, se estudarmos o melhor possível a nossa arte, os clássicos e o que já foi feito. Até imitar não é para todos e saber imitar bem uma obra de arte. O mesmo é válido para qualquer cinéfilo ou crítico: a nossa apreciação de filmes como este só beneficiará se tivermos assistido ao A Corda de Hitchcock ou se soubermos mais sobre as experiências e as propostas que têm sido feitas com os planos-sequência ao longo dos tempos. O estudo é importante. Da mesma forma é estúpido criticar Iñárritu só porque é audaz ou reúne esta ou aquela influência. Chamam-lhe, alguns, arrogância. À leviandade desses alguns, chamaria, por cortesia, inesperada virtude da ignorância. Por mais que se rodeie de alforrecas, se há coisa que Iñárritu não é é seguramente um meteorito; excepto na força. O seu trajecto é claramente inverso e ascendente. O cineasta arquitecta e concretiza aqui mais um desafiante e brioso exercício de estilo, distante de clichés, matematicamente preciso e assaz meticuloso e sem grandes truques de montagem, que se transcende em criatividade e emoções, sempre atento às fragilidades da condição humana. Não tenhamos dúvidas: Birdman é o fascinante resultado de ensaios, ensaios e mais ensaios, muita dedicação, paixão e entrega à arte e, claro, de uma boa dose de loucura. O assustador trabalho de Emmanuel Lubezki revela-se, em tudo e por tudo, absolutamente épico.
Por isto, estamos perante um imperioso triunfo - um filme para a vida.
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ResponderEliminarObrigado pela participação!
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