terça-feira, 14 de março de 2017

A GREVE (1925)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM
★★★★ 
Título Original: Stachka / Стачка 
Realização: Seguei Eisenstein
Principais Actores: Grigori Aleksandrov, Aleksandr Antonov, Yudif Glizer, Mikhail Gomorov, I. Ivanov, Ivan Klyukvin, Anatoli Kuznetsov, Maksim Shtraukh, Boris Yurtsev, Vera Yanukova

Crítica:

A INSURREIÇÃO DOS OPERÁRIOS 

 Tudo aquilo em que assentam os tronos é obra dos operários. 

Todos os filmes nos dizem alguma coisa sobre o tempo e o espaço em que aconteceram. A Greve, não obstante, diz-nos tanto mais, proporcionando uma viagem no tempo assustadoramente real - permitam-me o oxímoro: fantasmagoricamente real. Convém lembrar que não se trata de um filme de época - retrata o quotidiano e a realidade, o contexto sócio-político da Rússia dos czars, nos anos 20 do século XX, vivido e experienciado pelos artistas que empreenderam o filme. Não é um documentário - aqui representa-se, ficciona-se - mas quase parece. Os seus protagonistas não são propriamente individuais, antes colectivos. A trama é sobre a reivindicação dos direitos dos trabalhadores - lutam por melhores condições de trabalho, melhores remunerações, melhor trato e respeito por parte da entidade patronal. Insurgem-se e têm na greve a arma da sua luta. Assim como Eisenstein tem no filme a sua arma, o seu manifesto.

O filme organiza-se em seis partes e a greve em todas elas, do antes ao depois. A força da classe operária reside na organização - já dizia Lenine, como lembra a epígrafe. - Sem organização o proletariado não é nada. O mote está lançado e a propaganda marxista não tardará a ganhar forma: começamos no frenético dia-a-dia da oficina de fundição, onde a roda e as engrenagens jamais cessam o seu movimento quase perpétuo, a todo o vapor. O ritmo do lufa-lufa confunde-se facilmente com a montagem, extremamente rápida, criativa e revolucionária - uma marca, essa sim inconfundível, de Eisenstein e da sua identidade autoral. Qual laboratório, é na montagem que Eisenstein experimenta de tudo um pouco, aplicando ao filme uma multiplicidade de técnicas e linguagens. O resultado é uma inesperada explosão de energia e uma profusão de quadros significantes, que exigem dos olhos e do cérebro do espectador uma alucinante capacidade de percepção. Não admira, pois, que o ousado e belíssimo trabalho de montagem e fotografia se nos revele como um dos mais estimulantes desafios da aventura cinematográfica, claramente influenciado pela estética documentarista do também comunista e construtivista Dziga Vertov, cujo zénite criativo seria atingido em 1929, com o genial e enciclopédico O Homem da Câmera de Filmar. Denota-se um diálogo aberto entre muitas das obras soviéticas da altura, uma vez que mais do que uma história ou singularidade, assumem uma corrente: artística, filosófica e/ou política.

Ao assistirmos a A Greve, apercebemo-nos da banalidade do termo, do seu conceito e da sua importância nos dias de hoje. Hoje, greve significa muitas vezes inacção e descanso, um evento promovido por sindicatos representativos de um todo, do qual apenas se mobilizam alguns. Uma greve de hoje envergonharia facilmente o proletariado desta altura. Não defenderei o caos: no filme, a greve significava muitas vezes a acção violenta e criminosa; mas os tempos eram outros e condenar o ontem hoje, conquistado o conforto, revelaria, da minha parte, não só negligência moral e intelectual como falta de memória, de respeito e de honradez. Naquela altura, greve era o tudo ou nada por melhores condições de vida, para ganhar tempo para a família e para a individualidade, para conquistar a dignidade humana. Por isso, arriscavam a própria pele. A multidão ficava na rua ou em casa e as fábricas ficavam vazias. A roda parava. Ao primeiro dia, os gordos e ávidos patrões pareciam não se preocupar, levando a sua vida faustosa de sempre. Eisenstein satiriza-os, com humor. Até para apanhar meia rodela de limão do chão chamam um criado. Mas com o passar dos dias, a sede de capital já martelava murros na mesa, reuniam-se os accionistas entre charutos e nuvens de fumo e, num acto de contra-greve, reclamavam a intervenção policial. E os operários enfrentavam as cargas das autoridades. Greve significava esperança, mas também significava sangue e morte.

No final, o confronto bestializa-se e os actos mais hediondos aparecem na tela. Chocam-nos a atenção e a consciência, à medida que se lavram as mortes e se silenciam os gemidos - imaginamos - como num autêntico matadouro; comparação à qual, aliás, o filme não resiste, entremeando o esventrar dos animais na acção corrente. Fica o grito e um testemunho para as gerações futuras, que Eisenstein procura inspirar. Não obstante, numa altura em que o socialismo já perdeu a sua força, fica-nos a vitalidade e o testemunho artístico de uma primeira obra verdadeiramente notável.

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