segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

ANTICRISTO (2009)

PONTUAÇÃO: EXCELENTE
★★★★
Título Original: Antichrist
Realização: Lars von Trier
Principais Actores: Willem Dafoe, Charlotte Gainsbourg

Crítica:

A RAPOSA, O CORVO E O VEADO


Nature is Satan's church.


O momento em que a mestria ascende à mais pura genialidade: um prólogo imaculado, a preto e branco, apresenta-nos Ele, Ela e Nic, o filho de ambos, condenado pelos misteriosos desígnios do sobrenatural. Ouve-se Lascia ch'io pianga, de Händel. A perfeição da fotografia e da arte de filmar sublima a tragédia, enquanto o slow motion nos enebria e arrepia. Que abertura lírica e transcendente - e, ao mesmo tempo, estranhamente apaziguadora e reconfortante. Espera-nos, contudo, o choque, o nojo e a provocação... Capítulos de Luto, Dor e Desespero e um profundo e repugnante mergulho na essência e nas origens do Mal, muito para além das fronteiras do terror psicológico. Magnífico trabalho de Lars von Trier.

I. Luto.
A morte do filho assume-se como algo absolutamente traumatizante. A queda fatal, enquanto fornicavam, assombra e consome-Lhes o pensamento, os sonhos e a existência. O sentimento de culpa existe e provém das raízes da alma. Especialmente a Ela que, após desmaiar no funeral da criança e acordar um mês depois numa cama de hospital, encontra uma assustadora e abominável depressão, cujas possibilidades de catarse são mínimas.

Ele é psiquiatra e decide, contra a ética, tratar o luto da mulher e do casal. What the mind can conceive and believe it can achieve. Primeiro, há que tentar tranquilizar-Lhe a tão intensa ansiedade: A main part of anxiety is physical: dizzy spells, dry mouth, distorted hearing, trembling, heavy breathing, fast pulse, nausea... (...) Do the breathing. Hold... Exhale. A sensibilidade na captação das imagens torna-se extrema e a câmera, bruxuleante. Intensificam-se a subtileza da montagem (Anders Refn, Åsa Mossberg), a virtuosa arte entre o focar e o desfocar e o esplendor sombrio e enigmático da fotografia (Anthony Dod Mantle). Depois, o processo terapêutico avança para o desbravar dos medos:

Ela: Do you love me?
Ele: Yes, I do.
Ela: Then help me.
Ele: It's what I'm doing. Exposure - that's the only thing that really works. Everything else is... just talk. You have to have the courage to stay in the situation that frightens you. And then you'll learn that fear isn't dangerous. Let's make a list of things you're afraid of. At the top, you put the situation you fear the most. (...) Maybe it would be easier for you to tell me where you're afraid? Where would you feel most exposed? What would be the worst place? An apartment? The street? A store? The park? Visiting someone, maybe. The woods. The woods?
Ela: The woods, yes.
Ele: It's funny because you were the one that always wanted to go to the woods. What scares you about the woods? What frightens you... there?
Ela: Everything.
Ele: Tell me what you think is supposed to happen in the woods. Eh? Is it any woods in particular?
Ela: Eden.

Fecham-se os olhos, cai-se em hipnose. Insinua-se um slow-motion cândido e tremendo. I'm at the bridge. It's evening. Almost no birds can be heard. The water is running without a sound. Darkness comes out anytime here. I walk into it. A atmosfera adensa-se. Um calafrio atravessa-nos a espinha. Lie down on the green - sugere-lhe o marido. - Lie down on the grass. (...) Lie down on the plants. (...) I want you... to melt into the green. Don't fight it. Just - turn - green.

No sono, Ela confunde-se com o arredor da cabana, a cabana do Éden onde passara o Verão com o filho, supostamente a preparar a Sua tese. Ela estudara a bruxaria e a misoginia que ao longo dos séculos irradicara da face da Terra milhares e milhares de mulheres, nomeadamente após a publicação do Malleus maleficarum.

Por mais que se tenha afastado da mulher e do filho, em tempos idos, Ele não consegue compreender o porquê de tanto medo em relação à Natureza daquele bosque negro... E isso instiga-o a continuar a expiação. Deslocam-se, pois, ao Éden.

II. Dor.
Reina o caos. Não prolifera mais o cosmos, no Jardim do Éden. Crescem o suspense, a agonia daquela mulher e os seus descontrolados impulsos sexuais. As mais improváveis situações começam a acontecer na hostilidade daquele meio. As bolotas, por exemplo, começam a cair sobre o telhado, que nem uma forte e amaldiçoada chuvada:

Oak trees grow to be hundreds of years old - conta-lhe Ela. - They only have to produce one single tree every hundred years in order to propagate. May sound benign to you, but it was a big thing for me to realize that when I was out here with Nic. The acorns fell on the roof then, too... kept falling, and falling, and dying, and dying. And I understood that... everything that used to be beautiful about Eden, was perhaps hideous. Now I could hear what I couldn't hear before. The cry of all the things that are to die.

Mais tarde, Ele encontra as fotografias do Verão passado, partilhado a sós entre mãe e filho, abre a carta da autópsia que Ela desconhece existir e... as dúvidas insurgem-se. O luto, a dor e o mistério envolvente intensificam a ruína do casamento e da relação dos dois.

III. Desespero.
Ele encontra, no sótão, o material de pesquisa da tese da mulher e apercebe-se do subtexto sobrenatural dos acontecimentos... da ligação histórica e profana entre Satanás e as mulheres... das manifestações sexuais... Começa a ter sonhos estranhos. Fala-Lhe, à mulher, desses devaneios oníricos, mas Ela apela-Lhe, ironicamente, à lucidez e ao cepticismo deontológico que nunca partilhou: dreams are of no interest to modern psychology. Freud is dead.


Ele: I am nature, all the things you call nature - tenta.
Ela: If human nature is evil, then that goes as well... for the nature of... Of the women? Female nature? The nature of all the sisters.

Ela tenta a fornicação, mas Ele resiste. Ela está possuída pelo Mal: foge da cabana, embrenha-se na neblina e na escuridão da floresta e, tendo as raízes de uma árvore antiga como altar, pressiona os genitais na mais compulsiva masturbação. Ele encontra-A e possui-A. A força do feminino reclama o Gynocide e os maquiavélicos planos de Satanás. O fotograma que a fantasia proporciona, no seguimento do acto sexual, não é senão um dos mais memoráveis e deslumbrantes de toda a obra. Viscerais e assombrosos desempenhos de Willem Dafoe e de Charlotte Gainsbourg, no abismo e fascínio do enredo.

Regressados à cabana, Ela encontra o resultado da autópsia. Nic falecera com uma deformação nos pés e Ele confronta-A com o facto. As fotografias que encontrara, nomeadamente, ostentavam os pés do miúdo com os sapatos trocados. Relembrando o prólogo, encontraremos na memória a imagem dos sapatos do menino, premeditadamente trocados. Face à Verdade, a mulher é tomada pela violência e desfere-a sobre o marido: uma violência atroz, sádica e masoquista, plena de uma essência narcísica, despudoradamente explícita, fria e cruel. Completamente possuída, a mulher jamais dará oportunidade ao remorso.

IV. Os Três Pedintes.


Ele: Did you want to kill me?
Ela: Not yet. The three beggars aren't here yet. (...) When the three beggars arrive, someone must die.

Terá sido provocada, a morte do pequeno Nic, por mera negligência? Ilumina-se o complexo argumento e as dúvidas dissipam-se. Um revelador flashback dá-nos a resposta; a nós e a Ela. Há muito que o Mal germinara no coração daquela mulher, afinal. Com a auto-mutilação, é desencadeado o insuportável e doloroso clímax. Os gritos pungentes servem o chamamento d'Os Três Pedintes. There is no such constellation, profere Ele, mas o cepticismo é tardio. Resolvem-se as simbologias e a morte chega, implacável.

Fique o Éden livre de todo o Mal. E, com ele, todas as almas para sempre perdidas.

Epílogo: preto e branco, Lascia ch'io pianga, fecho circular.

Anticristo é, por tudo isto, uma das mais inquietantes, perturbantes e destroçantes experiências cinematográficas deste virar de década. Uma absoluta obra-prima.

38 comentários:

  1. Colossal libertação de Lars Von Trier. Assim se faz a grande arte.

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  2. De acordo com as palavras ali do Flávio, mas que filme abissal. Não te sairá da cabeça durante algum tempo!

    Abraço

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  3. Um filme perturbador e pensativo. Algo tocante de uma forma abrupta mas humana.
    Prólogo fenomenal!

    Abraço
    Cinema as my World

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  4. FLÁVIO GONÇALVES: Mesmo! Que filmaço. Obra-prima absoluta.

    MARCELO PEREIRA: Absolutamente. A fotografia e as imagens que constrói são inesquecíveis e assaz penetrantes!

    NEKAS: Pensativo? Passe a hipálage, não é ;D Prólogo genial, a iniciar todo um filme incrível.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  5. Detestei tanto este filme. Mas tanto, tanto... Quase tanto como detesto o Lars von Trier como cineasta - o realizador mais brejeiro e destestável da História do cinema. Provocar por provocar, para depois se falar por falar - Cinema tem que ser muito mais que isso. Fora o Dogville (lemnro-me de ter adorado esse filme), não acho que ele tenha feito filme algum de jeito.
    O prólogo parece um spot publicitário para a negligência infantil Acho que para isso ele tem jeito, eheh... O resto é a horribilidade do Mundo, da Mulher, porque o Homem, esse é intocável. Sem dúvida alguma. A fotografia é melhor que o filme e gostei dos animaizinhos a passear por ali, fez-me lembrar o Bambi...
    Mas já vi que tu (e não só) gostaste muito do filme, portanto fico-me por aqui... :)

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  6. JOÃO PALHARES: Lars Von Trier "o realizador mais brejeiro e destestável da História do cinema"? Ainda não conheço a sua obra completa, mas pelo que conheço... essas declarações são, no mínimo, muito injustas. Brejeiro? Provocar por provocar? Para depois se falar por falar? Então e a arte de filmar estes argumentos extraordinários? E a direcção de actores? Este filme tem tudo isso, assim como uma fotografia abismal. Não compreendo e não concordo. Estás, parece-me, a perder a essência e o valor de um dos melhores cineastas vivos.
    ANTICRISTO fazer-te lembrar o BAMBI é engraçado... mas quer dizer, é como dizer que OS OUTROS faz-me lembrar o Casper... O prólogo faz-me também a mim lembrar um spot publicitário... e que sublime spot publicitário seria...
    O facto de eu ter gostado muito não significa que não possas ter uma opinião contrária e que não possas afirmá-lo aqui, obviamente. Muito pelo contrário. Isso só enriquece a discussão. DOGVILLE é um grande filme, assim como DANCER IN THE DARK, assim como EUROPA e assim como tantos outros, certamente. Este ANTICRISTO é dos melhores. Dos mais sensíveis. Dos mais geniais. Ah, e também provocadores, está claro. Mas brejeiro? Não. Seria brejeiro porquê? Não compreendo. Não obstante, gostaria imenso de saber de saber porque pensas assim ;)

    Cumps.
    Roberto Simões
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  7. Concordo em absoluto contigo! Genial obra, uma das melhores do ano e a minha preferida de Lars. E não é provocação gratuita. O que surge em Anticristo é muito mais que isso. Excelente, mas excelente crítica!

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  8. TIAGO RAMOS: Obrigado! ;) Muito, muito mais do que isso. A tua crítica aliciou-me tanto a ver este filme. E de facto merece muito mais do que a pontuação máxima. Sublime. Genial. Grande Von Trier.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  9. "ANTICRISTO fazer-te lembrar o BAMBI é engraçado... mas quer dizer, é como dizer que OS OUTROS faz-me lembrar o Casper..."

    LOL, matei-me com esta frase xD

    Mas ainda assim concordo com o João. Não digo que detestei o filme, porque nem sequer o consegui ver. Aquele prólogo pôs-me logo de pé atrás. Muito atrás. Não suporto filmes que puxam assim pelo estômago e Anticristo parece fazê-lo de forma demasiado gratuita.

    Posso estar enganado, mas duvido.

    Abraço ;)

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  10. Voltei para te felicitar quanto ao texto. Muito bem analisado, parabéns :) Não lhe daria o excelente, mas, como pudeste também constatar pela minha opinião, eu adorei. Dogville continua a ser o meu preferido.

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  11. Boa, agora fiquei com vontade de ver o filme...

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  12. JACKIE BROWN: Violência gratuita? Reflecti bastante sobre o assunto. Não creio de tudo. Da mesma forma que não há como representar um beijo sem mostrá-lo no ecrã, como se há-de representar a violência - questão central no filme - sem mostrar violência? É que há uma grande diferença entre esta violência e a violência gratuita e despropositada.
    Não suportares filmes que puxem pelo estômago já é outra questão, mas assim sendo não estarás apto para enfrentar grande parte da obra deste senhor; genial, em ANTICRISTO.

    FLÁVIO GONÇALVES: Não resisti à análise geral do filme ;) Obrigado. O meu preferido é por agora este.

    MARTA: E vale imensamente a pena! Não sei se gostarás - afinal, não é para todos - mas não tenho como deixar de recomendar.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  13. Divinal a igreja ter papel neste filme!
    BEST MOVIE EVAH!

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  14. DIOGO: Não sei se entendi bem a tua breve consideração, mas depreendo e partilho o entusiasmo ;) Bem-vindo ao CINEROAD.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  15. estava a ser sarcastico, não gosto deste filme, é uma brincadeira

    obrigado pela recepção!

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  16. DIOGO: Nesse caso ficarei a sós com o entusiasmo ;D

    Cumps.
    Roberto Simões
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  17. A tua crítica também merece um 'excelente'! Gostei imenso de ler... Quanto ao filme, também ele, é sublime. E o prólogo é, para mim, provavelmente o início de filme mais dramático, mas também, mais belo que tenho visto no cinema.

    Cumps***

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  18. BLACKBERRY: Não será "O" mais, mas será certamente "um dos" mais ;) Obrigado pelo elogio, fico contente que tenhas gostado. Partilhamos então da mesma opinião em relação a esta autêntica obra-prima de Lars Von Trier.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  19. sério? gostaste? ainda não vi, mas fiquei com aquela impressão que ou se adora ou se detesta...

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  20. CLÁUDIA GAMEIRO: Sim, completamente. Ou se adora ou se detesta. Eu adorei, como é evidente. Recomendo vivamente.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  21. Não se pode dizer que partilho do mesmo entusiasmo que tanto referes na crítica. Contudo gostei, e até fiquei com algum fascínio perante o que vi, não será extremo, mas o suficiente para me motivar a ver mais obras do cineasta.

    Esta película é deveras perturbadora, incisiva e visualmente cativante. Possui uma fotografia muito boa e reveladora da atmosfera que pretende, interpretações ao mais alto nível, realização muito própria, algo pessoal e intimista para com o argumento. Esse que, e para mim falha um pouquinho, mais propriamente na segunda parte do filme. Acho que se perde em psicologia, simbologia e demência a mais, sem propósito ou objectivo claro e com sentido para com o que se está a ver. Enfim muitos dirão que é nessa subjectividade que impera a qualidade do mesmo, não concordo. Me parece que acaba por não entreter a determinada altura sendo mesmo cansativo e repetitivo.

    O que não lhe tira, de todo, o seu mérito, a sua polémica e a sua força. Às vezes é na sua excessividade ou extremismo criativo e libertador a cabo do seu criador e manipulador da obra que ela mesma ganha intemporalidade e qualidade artística. Aqui?...porventura, não tenho a certeza ainda. Mas de facto e inegavelmente ficou-me na memória.

    Um pormenor (que de facto é só isso mesmo), as cenas de violência e sobretudo sexuais são em alguns casos demasiado explícitas, acho que se ultrapassou aqui e ali certos padrões éticos...pelo menos para mim que não sou lá muito forte e resistente de estômago. Talvez este facto prejudique até a minha visão do conjunto, não gostando tanto como à partida quereria a quando do seu final.

    Do realizador estará para breve Dogville, a ver se também gosto...mais.

    abraço

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  22. JORGE: Assim sendo, e pelo menos para já, não estamos totalmente de acordo. Não sei se gostarás de DOGVILLE, também é extremista à sua maneira. São ambas obras sublimes.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  23. Esqueci-me de referir o grande início, prólogo do filme. Extremamente cativante e inspirador, de enorme qualidade. Aliás o início e também o fim, com a respectiva banda sonora de fundo. Muito bom, é pena lá para o meio não estar a este nível.

    abraço

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  24. JORGE: Sabes que não concordo. A obra funciona igualmente muito bem como um todo, de rara e genial beleza. Boa aventura pelos tenebrosos meandros de Lars Von Trier!

    Cumps.
    Roberto Simões
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  25. Mais uma vez comento, porque é um dos meus filmes preferidos do ano, está seguramente no top 3. Dificilmente me sai da memória.

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  26. Olá, parece que temos aqui algo capaz de extremar posições e que eu ainda não vi. A razão prende-se por não ter ficado lá muito entusiasmado com os dois filmes que conheço do mesmo realizador, que pessoalmente considero de um "escalão inferior": "Dogville" e "Dancer in the Dark". Mas pronto, é mais um que à custa do que tenho lido por aqui me vai ficar na agenda.
    ROBERTO: Permite-me discordar da tua afirmação aí de cima quando dizes "Da mesma forma que não há como representar um beijo sem mostrá-lo no ecrã, como se há-de representar a violência - questão central no filme - sem mostrar violência?"
    Nada de mais errado! No Cinema um "beijo" pode ser representado, por exemplo, por um longo olhar de ternura; e a violência pode ser sugerida muito mais eficazmente a um nível sub-consciente do que explicitamente. Esses exemplos abundam felizmente no Cinema. Não do tal dos efeitos especiais mas no outro, aquele que por mestria dos seus criadores é justamente considerado uma Arte.

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  27. TIAGO RAMOS: Penso que te referes aos melhores de 2010, pelo facto do filme ter estreado em terras lusas nesse ano, mas é igualmente um dos melhores de 2009, o seu ano de produção. Assombroso. Genial.

    RATO: Nesse caso recomendo-te vivamente o filme. Quanto ao tópico que desenvolves no comentário, eu concordo com o que dizes, e compreendo o que dizes, mas estamos a falar de coisas distintas. Clarifico: não me refiro ao poder da sugestão. Estou a falar directamente. Não se pode mostrar uma flor sem mostrar uma flor, não se pode mostrar uma tesoura sem mostrar uma tesoura, não se pode mostrar uma luva sem mostrar uma luva, não se pode mostrar um beijo sem mostrar um beijo. É claro que podemos sugeri-lo, mas não é a isso que me refiro. Nesse caso será sempre a sugestão de um beijo e não um beijo, a sugestão de uma luva sem ser uma luva, a sugessão de uma flor sem ser uma flor. Não é algo concreto. Se quisermos ser concretos, mostrar as coisas de que falamos não há outra solução se não mostrá-las claramente. O que estou a dizer é tremendamente redundante, mas é só para tentar explicar a simplicidade da premissa a que me referi inicialmente. Estou a falar de uma coisa muito simples.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  28. Este filme ainda me está fresco na memória. E é incrível pois já o vi há quase dois meses :P.

    É acima de tudo um exercício de cinema diferente daquele que se faz aos montes actualmente. Apesar de não partilhar do entusiasmo de muita gente. Ando para ver o Dogville, mas sinceramente não me tem puxado muito. Há de chegar o dia.

    abraço

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  29. Não era a "sugestões" a que eu me referia mas sim a algo ligeiramente diferente. No caso do "beijo" pensava antes no "desejo de beijar" do que simplesmente "beijar" (acto que sem o desejo a ele associado nada mais é do que uma troca de bacilos em campo húmido...). Ora sendo o Cinema uma ilusão, quando essa ilusão atinge a perfeição és bem capaz de "sentir" mais um beijo que na realidade não viste do que outro que te é apresentado em todos os seus detalhes.
    No caso da violência é mais fácil explicar-te o que penso pois tenho um exemplo bem concreto - "Apocalypse Now". A cena final, aquele grande monólogo do Marlon Brando, é de uma violência atroz. E não são só as palavras, é todo o ambiente construído em redor dessa cena. Desde o início do filme que Coppola te vai preparando psicologicamente para aquele desenlace de terror - está tudo na montagem, nos cenários, na lentidão da subida do rio que te vai conduzir àquele preciso instante. Graficamente que violência gratuita é que o filme te mostra? Praticamente nenhuma, para além de dois ou três planos muito rápidos. Toda a violência do filme funciona dentro de ti, da tua imaginação. Tu chamas-lhe "sugestão". Mas para mim "sugerir" não é "fazer ver". Eu vou um pouco mais mais além e volto a referir a ilusão da Arte fílmica que te faz sentir e ver o que na realidade não vês.

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  30. JORGE: Há-de chegar, certamente. Não sei contudo se gostarás. Este ANTICRISTO não nos sai mesmo da cabeça.

    RATO: Pois, volto a dizer que não só te compreendo como partilho da mesma opinião. Estava a falar de uma coisa diferente, mas não me fiz entender.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  31. Acabei de ver o filme. Gostei do prólogo, que prometia muito e de algumas imagens que efectivamente poderão ficar na memória. De resto um filme pretencioso, chegando a ser entediante a espaços (dei por mim frequentemente a bocejar). Alguma violência gratuita que certamente contribuiu para que a menina do clube de video me avisasse: "olhe que é um filme muito 'forte'". Sorri na altura e provavelmente voltarei a sorrir amanhã quando lhe devolver o filme.

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  32. RATO: Fica então com o prólogo, com o tédio e com as pretensões que eu fico com um filme absolutamente genial ;)

    Cumps.
    Roberto Simões
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  33. Ai não fico não, amanhã devolvo o filme todo inteiro!

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  34. Talvez a melhor crítica tua que já li. Das melhores, vá.

    A seguir a Europa, o meu favorito de Lars.

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  35. DIOGO F: Muito obrigado pelas palavras ;) Gosto imenso do EUROPA, mas ainda assim não se encontra no meu top 3 do realizador. ANTICRISTO, DOGVILLE, DANCER IN THE DARK e verei em breve o ONDAS DE PAIXÃO.

    Roberto Simões
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  36. Lars von Trier é um cineasta que parece desejar arduamente atrair a repulsa e a admiração alheia. Lembra-me a personagem de O Perfume de Patrick Susskind. Adorei a cena inicial de Anticristo, para depois sofrer angustiadamente com o desenrolar do filme.

    Mas Lars von Trier me parece igualmente daqueles adolescentes temidos e amados pela professora, daqueles que podem tirar a nota máxima mas o recusam fazê-lo, apenas para contrariar.

    It's show business.

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  37. ENALDO: Também adorei a cena inicial, porém encontro tanto virtuosismo genial na restante obra. É claro que também fechei os olhos ou cerrei os dentes na evolução do terror - é inevitável aos mais sensíveis, sobretudo, é chocante e irreverente quanto baste. Mas para além disso, considero genial e doentio. Genial.
    É show business, ele é um polémico-nato, tanta da sua polémica é gratuita. Mas para além do nevoeiro, encarando a sua obra de frente, é cinema com todas as letras.

    Roberto Simões
    CINEROAD

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  38. Devo concordar com o jorge e o rato, tanto no que diz respeito ao filme como no que diz respeito ao implícito/explicito. No entanto, um óptimo texto, gosto muito da estrutura. Cumprimentos

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