segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

TRÓIA (2004)

PONTUAÇÃO: RAZOÁVEL
Título Original: Troy
Realização: Wolfgang Petersen
Principais Actores: Brad Pitt, Eric Bana, Orlando Bloom, Sean Bean, Rose Byrne, Diane Kruger, Brian Cox, Brendan Gleeson, Peter O`Toole, Julie Christie, Saffron Burrows, Garrett Hedlund

Versão do Realizador

Crítica:

A GUERRA PELA IMORTALIDADE

This war will never be forgotten, nor will the heroes who fight in it.
Odisseu

Na Director's Cut, Wolfgang Petersen intensifica o fulgor da batalha - o confronto torna-se muito mais violento e sangrento: há muito mais sangue a jorrar, mutilações, violações, enforcamentos, etc. - e há mais tempo para aprofundar a sua visão sobre a cultura e a cidade - os cenários são imponentes e impressionantes, Tróia resplandece mais bonita do que nunca. As alterações no emprego da banda sonora de James Horner conferem maior seriedade aos momentos dramáticos e àqueloutros em que a acção é por demais vibrante e empolgante - se há coisa em que o épico de Petersen brilha é nas sequências de acção -, ainda que deixe saudade a canção final Remember, pela voz de Josh Groban, aqui radicalmente eliminada do desfecho. Os trinta minutos adicionais sustentam melhor o retrato e a robustez da história e a sua construção, ainda que as cenas cruciais já lá estivessem desde a versão lançada nos cinemas em 2004. Tróia torna-se, assim e por tudo isto, um melhor filme do que a versão inicial. O que não quer dizer, necessariamente, que ascenda à qualidade de um bom filme. Aliás, apesar de lhe reconhecer as melhorias, acabo por atribuir a mesma classificação a ambas as versões. A ambição e megalomania do realizador são claras - há CGI a perder de vista, como se houvesse a necessidade de superação em relação a outros épicos, de fazer ainda maior - o que não deixa de ser constrangedor porque se há guerra que o filme não ganha é a da imortalidade.

Os valores seguros:
- a componente artística (cenários, adereços, figurinos, penteados, caracterização), a fotografia de Roger Pratt (embora preferisse enquadramentos e composições de planos mais ricos e interessantes, eventualmente uma melhor e mais intensa exploração da paleta de cores);
- a banda sonora de James Horner (bastante criticada, considerada exagerada ou inadequada a muitas situações e momentos narrativos, questão a que Petersen atendeu na Versão do Realizador, claramente em acordo. Há que salientar que a Warner Brothers recusou anteriormente a banda sonora de Gabriel Yared, que o compositor concebeu durante um ano, por considerá-la antiquada e fora de moda. Petersen usou excertos dessa banda sonora ao finalizar esta sua versão, assim como excertos de bandas sonoras de outros filmes como Planeta dos Macacos, Soldados do Universo ou O Conde de Monte Cristo);
- a destreza do cineasta para filmar cenas de luta (excepcionalmente coreografadas, note-se a título de exemplo esse notável duelo entre Aquiles e Heitor, pleno de suspense e sem recurso a duplos);
- a estrela Brad Pitt e alguns nomes sonantes entre o elenco secundário, célebres no género, como Peter O'Toole, Sean Bean, Brian Cox ou Brendan Gleeson.

Gostaríamos que o filme fosse abençoado pelos deuses, alheio a calcanhares de Aquiles, já para não pedirmos uma adaptação minimamente digna do poema sagrado da literatura que é a Ilíada de Homero. Apesar de tudo o que tem de bom, não é propriamente o que acontece em Tróia. Falemos, então, das falhas ou dos aspectos menos positivos.

Comecemos por um descuro técnico que, considerando os grandes estúdios em causa, o grande orçamento e o ano de produção do filme, me parece indesculpável: refiro-me aos escabrosos efeitos especiais, especificamente aqueles que, sobre o mar, comprometem a credibilidade exigida (ainda para mais quando a visão evita os eventos mitológicos a bem da autenticidade). Mas a algum espectador terá sido indiferente o facto de mil barcos sobre o Egeu parecerem tão falsos, tão artificiais e tão feitos a computador, comprometendo o arranque da história? Falemos pois da história, precisamente, porque o maior calcanhar desprotegido é esse. Nem vou falar da má adaptação à epopeia homérica, porque sabemos das liberdades criativas que determinaram que os deuses ficassem confinados ao Olimpo e se retratasse uma guerra de homens. E não de dez anos, porque as grandes massas que pagariam um blockbuster destas proporções nas bilheteiras de todo o mundo não o compreenderiam; afinal, passe a ironia, só teriam capacidade para atribuir a lógica ao acolhimento de um enorme cavalo de madeira portões adentro, no interior do qual se escondem gregos brutais, aguçados pelo engenho de Ulisses. Tróia não adapta, inspira-se livremente, portanto.

Já acima elogiei a construção narrativa, pelo que não cairei em contradição, ao criticar o argumento pelos diálogos, que limitarão os actores na modelação de personagens. Faltam mormente personagens, a Tróia. Personagens bem dimensionadas. Vejamos Menelau e Agamémnon, desempenhados por extraordinários actores (Gleeson e Fox), mas que se vêem confinados ao overacting, à grandiloquência bacoca das suas declamações, de personagens maniqueístas, sem especial complexidade dramática, que não existem nem poderiam existir, sem diálogos que as tornassem reais. Se o guião faz com que actores como estes falhem, imagine-se o que acontece com actores menores ou menos experientes como Orlando Bloom (por mais cobarde que seja o jovem príncipe troiano, o Páris de Bloom é de uma inexpressividade tal capaz de envergonhar todo o produto), Diane Kruger (reduzida à sua beleza, o que é imcompreensível dado o seu papel narrativo) ou Rose Byrne (irritante porque só geme, a coitadinha). Mesmo Eric Bana, já com outra maturidade e talento, só nalgumas cenas consegue escapar à retórica da sua personagem e ao boneco. Apenas Peter O'Toole, a lenda de Lawrence da Arábia, igualmente imerso em retórica (alguma dela teatral, que lhe é tão característica) consegue transmitir-nos alguma verdade; só o seu olhar, consumido pela tragédia, consegue espelhá-la realmente.

I've fought many wars in my time. Some I've fought for land, some for power, some for glory. I suppose fighting for love makes more sense than all the rest. 
Príamo

As motivações para a guerra são efectivamente muito diferentes: Menelau luta pela restituição da honra, o irmão por sede de poder, Páris (a medo) por amor, Príamo decididamente por amor (aos filhos e à pátria) e gregos e troianos lutam porque... pois, não sabemos, o povo aqui não tem perspectiva, mas depreendemos que por dever moral e pela defesa dos seus, como sempre acontece nestas circunstâncias. Os mirmidões lutam por Aquiles e Aquiles luta pela imortalidade. Crente no presságio da mãe Tétis, Aquiles supera-se a si próprio não por ouro, não por reis ou por amor, somente para que o seu nome seja lembrado depois da sua morte, para sempre, enquanto os Homens tiverem memória. Aquiles é o herói: bonito, influente e poderoso, mas não tanto o tradicional herói porque não luta em defesa de outrém. Na sua tempestuosa independência, luta pela fama, para proveito próprio. É, porventura, o mais individualista e egoísta dos heróis, longe dos ideais cristãos. Neste aspeto, Tróia de Petersen respeita os ideais da antiguidade clássica. Brad Pitt é sempre uma escolha acertada e tem um grande desempenho; tinha papel para isso. Curioso que Pitt tenha abandonado The Fountain para protagonizar este épico, cedendo o lugar a Hugh Jackman.

Tróia foi um colossal sucesso de bilheteiras, mas não é um épico tão memorável e sobretudo credível quanto isso. Chega a ser, a espaços, ridículo. Vale, no entanto, pela acção, pela estruturação dos actos narrativos e por variadíssimos méritos artísticos que compõem a totalidade dos quadros.

5 comentários:

  1. Pode ter falhado em muito, mas na componente de entretenimento mantém um nível muito aceitável. Pelo menos na altura em que o vi, provavelmente com menos exigência e conhecimento que possuo hoje.

    Mas a memória que tenho é essa, um filme que entretém, com personagens cativantes e heróicas, com argumento interessante (talvez mais a história, gosto) e cenas nas batalhas épicas, com as coreografias a se destacarem, de facto. Em suma gosto, não como um Gladiador e Senhor dos Anéis, mas como um bom filme. Contudo a rever.

    abraço

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  2. PEDRO PEREIRA: É oco no sentido em que falta credibilidade à história e às personagens, essenciais para que o filme se tivesse afirmado.

    JORGE: Sim, as sequências de ação são entretenimento mais do que aceitável, dignas de um bom filme. Gostei mais do malogrado ALEXANDRE, O GRANDE de Oliver Stone ou do não menos malogrado REINO DOS CÉUS de Ridley Scott.

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

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  3. Muito bom filme mas com falhas à mistura, cortaram passagens importantes que são relatadas na Ilíada, não houve interação nenhum relativamente aos deuses, personagens fundamentais como Enéias e Criseida nem sequer obtiveram destaque (e a Criseida nem sequer aparece). O Menelau e o Aquenamón não morrem em batalha, pelo contrário, Menelau recupera a esposa e lava-a de volta para Esperta e Aquenamon morre depois da guerra pela própria esposa. E o Ajax não morre em batalha segundo as fontes clássicas..

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  4. ANDREIA MIRANDA: Bem-vinda ao CINEROAD! Claramente, o filme não segue a narrativa de Homero à risca. Esse seria outro filme. Volte sempre!

    Roberto Simões
    CINEROAD

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