domingo, 2 de janeiro de 2011

RIO BRAVO (1959)

PONTUAÇÃO: BOM
Título Original: Rio Bravo
Realização: Howard Hawks
Principais Actores: John Wayne, Walter Brennan, Ward Bond, Dean Martin, Ricky Nelson, Angie Dickinson
 
Crítica:

A LEI DO XERIFE

Em Rio Bravo, essencialmente, é tudo uma questão de diálogos e de actores. A câmera revela uma presença subtil e discreta e o espectador entra na esquadra, no saloon, no Hotel Alamo e em todas as ruas empoeiradas da cidade, sentindo-se como um dos seus passivos e atemorizados habitantes, familiarizado com todas as suas extraordinárias personagens.

Em poucos minutos e com uma acção bem humurada, conhecemos o xerife John T. Chance, um àspero mas correcto homem-da-lei (John Wayne, numa performance repleta de nuances expressivas; sejam elas gestos, olhares ou significativos silêncios). Ao contrário do marshall de O Comboio Apitou Três Vezes - filme que motivou Hawks a realizar este Rio Bravo, em jeito de contra-resposta - em que Will Kane (Gary Cooper) passava a maior parte do filme a pedir ajuda aos habitantes da cidade, aqui John T. Chance passa o filme a rejeitar as ajudas que os mais próximos lhe teimam em oferecer. Afinal, Chance está consciente do seu papel na sociedade e, em concreto, na sua cidade. Ele é o xerife, é a autoridade e, por isso, deve proteger os seus conterrâneos, zelando sempre e acima de tudo pela ordem e pela lei. É esse o seu papel, não o de mais ninguém, e deve entregar a sua vida à sua causa.

Feathers: How does a man get to be a sheriff?
John T. Chance: Gets lazy. Gets tired of selling his gun all over. Decides to sell it in one place.

Como parceiros da sua trupe justiceira, tem, de estrela ao peito, o velho e aleijado Stumpy (genial e hilariante Walter Brennan), um cowboy de coração ferido e perdido no álcool, Dude Borachón (Dean Martin, estupendo no acting e na canção My Rifle, My Pony, and Me). Mais tarde, junta-se-lhes o jovem e destemido Colorado (Ricky Nelson), a cumplicidade-extra de Carlos, o latino-fala-barato-dono-do-hotel que vive sempre amedrontado pela sua esposa Consuela e o vaso oportuno da insolente, vigarista, forasteira, procurada, sensual e deslumbrante Feathers (Angie Dickinson, numa performance memorável, que viverá com o protagonista um verdadeiro romance à moda antiga). Por todo o mérito alcançado pelas interpretações, há a salientar a magistral direcção de actores.

A narrativa avança a um ritmo lento; para o espectador, revela-se um exercício extremamente prazeroso de se acompanhar. Num compasso de espera repleto de improvisos, aguardamos a chegada do marshall que decidirá o que fazer com o assassino Joe Burdette, aprisionado com empenho. Até lá, seguimos com tensão e suspense as sucessivas tentativas dos malfeitores para resgatarem o malfeitor. A notável competência do guarda-roupa e da direcção artística compõe a moldura, perfeitamente iluminada e enquadrada (fotografia de Russell Harlan).

Grande western de Hawks. Uma lição de amizade, liderança, respeito e redenção.

7 comentários:

  1. Para mim, este é o melhor western americano de sempre! Há que realçar o pormenor de John Wayne, para onde quer que vá, leva sempre a sua winchester! Apesar de ser acima de tudo um fã de westerns-spaghetti, este RIO BRAVO é um dos meus filmes favoritos de todos os tempos. Escusado será dizer que RIO BRAVO foi imitado por muitos cineastas até à exaustão!

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  2. ÁLVARO MARTINS: Sei, sim. É o teu Hawks favorito e o teu western de eleição. Vejo nele um grande entretenimento, grandes diálogos e personagens amplamente dimensionadas. Ponderei bastante esta avaliação e presentemente não vejo qualidades suficientes para lhe atribuir uma classificação superior. Mas é incontornavelmente um grande filme.

    EMANUEL NETO: Não é dos meus favoritos, apesar de ter gostado bastante.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  3. Lembro-me de ter visto pela primeira vez e não gostar por aí além, mas o filme cresce a cada revisão, porque é mais complexo do que aparenta ser e, sei agora, merece a mesma dedicação e paciência que um filme do Tarkovski ou um livro do Dostoievski. Aquela primeira sequência sem diálogos é formidável e toda a construcção narrativa pensada ao limite, subversiva. Nos anos 50 não se faziam westerns com mais de duas horas e em que não se passava nada - a história é simples e conta-se em menos dum minuto - é um filme moderno, radical e de ruptura, em Hollywood. Mesmo, ou sobretudo, para os padrões de hoje.

    Escrevo isto porque já não é a primeira vez que ouço ou leio que este filme é um entretenimento mais ou menos leve. Há detractores, obviamente, como para tudo, mas acredito, por muitas razões (que ultrapassam o mero adorar o filme, lendo Rivette, Moullet, vendo outros filmes), que o Rio Bravo abriu uma brecha estética na altura, e todos os filmes (e toda a crítica) têm que passar por ela, parafraseando o Rivette (para o caso foi Rosselini mas podia muito bem ser Hawks). É um dos filmes obrigatórios para compreender o nascimento do cinema moderno. O Luc Moullet escreveu isto sobre o filme:

    "À primeira vez, não vemos nada; à segunda, divertimo-nos e intrigámo-nos; à terceira, somos deslumbrados pelo refinamento da ideia. A beleza justifica os meios."

    De qualquer maneira, é muito bom ver uma crítica a um filme do Hawks por aqui. :)

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  4. JOÃO PALHARES: Talvez o Moullet tenha razão. Fiquei-me, para já, pela segunda visualização. Acredito piamente que seja "um dos filmes obrigatórios para compreender o nascimento do cinema moderno": digo isto não com grande aprofundamento da ideia, mas por diversas vezes, por exemplo, lembrei-me de Tarantino. Sei que Tarantino idolatra este filme, mas não é por isso. É precisamente pela aparente espontaneidade com que brotam os diálogos e as cenas se estendem com uma naturalidade notável (tal como em Tarantino, ainda que neste caso a construção do diálogo seja mais evisente). Agora vem-me à cabeça o Proust, mas são cenas que valem quando muito não seja pelo prazer do texto, de ler e de fazer cinema.

    Cumps.
    Roberto Simões
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  5. Já o vi :) e partilho mais ou menos da tua opinião. Também não o considero um grande grande filme, e como se diz muito, o melhor Western de sempre. No entanto penso que compreendo quem o considere (e quem sabe não o virei a considerar também).

    Gostei particularmente das personagens, da naturalidade em cena, da fluidez da narrativa (ainda que simples), em suma da calma, tranquilidade e ritmo que a película transpira. Não consigo apontar claramente um defeito, no entanto acho que não atinge a excelência em nenhum departamento. Talvez nos cenários, nos adereços.

    Mas gostei acima de tudo. E a minha cena favorita é a da cantoria que os três principais personagens orquestram. Muito boa mesmo, que espontaneidade.

    Aconselho também o Red River (anterior a este) que constitui também um excelente filme e entretenimento. Estou para ver em breve o El Dorado, também do Hawks. Em relação à comparação deste Rio Bravo com o High Noon não sabia dessa ligação. Mas gostei de saber :)

    E High Noon é um grande filme, aconselho também. Roberto, talvez venhas a gostar mais deste High Noon que Rio Bravo...por isso trata de o ver :)

    abraço

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  6. JORGE: Quem sabe ;) Pois quanto a este RIO BRAVO não há de facto defeitos a apontar. Mas também não encontro nele, propriamente, nada que me faça considerá-lo a obra-prima que apregoam.

    Cumps.
    Roberto Simões
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