★★★★★
Título Original: Saving Private Ryan
Realização: Steven Spielberg
Principais Atores: Tom Hanks, Edward Burns, Tom Sizemore, Vin Diesel, Giovanni Ribisi, Matt Damon, Paul Giamatti, Adam Goldberg, Barry Pepper, Ted Danson, Jeremy Davies, Dennis Farina, Max Martini, Dylan Bruno, Leland Orser
Realização: Steven Spielberg
Principais Atores: Tom Hanks, Edward Burns, Tom Sizemore, Vin Diesel, Giovanni Ribisi, Matt Damon, Paul Giamatti, Adam Goldberg, Barry Pepper, Ted Danson, Jeremy Davies, Dennis Farina, Max Martini, Dylan Bruno, Leland Orser
Crítica:
Sangrento, visceral, impiedoso, cru. O Resgate do Soldado Ryan é o mais violento e impressionante filme de guerra a que já assisti. Aquela já mítica cena do desembarque dos Aliados na praia de Omaha, na Normandia, tem como não ser uma das melhores cenas jamais filmadas? Golpe de génio de Spielberg, no cúmulo da sua seriedade: a ação é ultra-rápida, feroz e avassaladora, qual confronto real (a trémula câmera ao ombro assegura o hiper-realismo, o sangue e a terra salpicam a tela ou o ecrã), o tiroteio é incessante e ensurdecedor (detalhista e brilhante sonoplastia de Gary Rydstrom, Gary Summers, Andy Nelson, Ron Judkins) sobre a desesperada paisagem, transfigurada pelo inferno (a imagética é poderosíssima, deveras impressionante, mérito da magistral direção de fotografia de Janusz Kaminski; as lentes são engenhosamente manipuladas, o frame é granulado e desfocado se necessário, os tons esverdeados e cinzentos são dessaturados). As balas perfuram capacetes, as metralhadoras dilaceram corpos, o mar enche-se de sangue. A carnificina choca-nos o olhar, nauseia-nos o estômago, estremece-nos por inteiro (mérito inegável da equipa de caracterização: Lois Burwell, Conor O'Sullivan, Daniel C. Striepeke). Spielberg, imperdoável, não nos poupa a nada. Um soldado procura o resto do seu braço pelo areal. Outros tantos instigam a invasão e o contra-ataque em diante, plenos de adrenalina. Multiplicam-se as explosões, a brutalidade e a morte. Mais tarde, até o simples cair da chuva sobre as folhas das árvores e outras plantas nos soará a troada.
Apesar de bélico por excelência e de tremendo na sua ação, furiosamente espetacular, O Resgate do Soldado Ryan desfere a sua filosofia a cada investida; não creio na violência pela violência. Há breves intervalos para o diálogo, para as conversas de circunstância, raramente algo de muito profundo - afinal, o homem ao nosso lado, com quem estreitamos a mínima afeição, é fuzilado no instante seguinte. Não há tempo nem espaço para a amizade, somente para o companheirismo, que se demonstra mormente no fulgor da refrega, no suor do imprevisível campo de batalha. Não há heróis; o heroísmo faz-se pela tenacidade do coletivo. O elenco de notáveis secundários, aliás, resplandece sobre essa pluralidade; passo a nomear: Tom Sizemore, Jeremy Davies, Edward Burns, Giovanni Ribisi, Vin Diesel, Paul Giamatti, Adam Goldberg. São todos homens iguais e comuns, organizados pelas hierarquias militares às quais juraram obediência ou serventia, mas todos com o mesmo propósito: lutar pela pátria. O Soldado Ryan é, pois, um filme de posições patrióticas, inequivocamente assumidas naquela bandeira hasteada ao vento e que nos aparece de forma circular, a abrir e a fechar a obra. A estrutura circular impõe-se também por força do prólogo e do epílogo, nos quais um velho homem (Harrison Young) se passeia entre os túmulos de militares idos; a música de John Williams confere solenidade e sentimento às cenas. Desconhecemos quem é aquele velho homem, claramente emocionado; certamente que abismado por memórias traumáticas. Faz-se acompanhar pela família, parece estar ali para homenagear alguém, depreendemos que provavelmente os companheiros que lutaram a seu lado, no passado. Quando os recorda e o flashback - em que consiste a maior parte do filme - nos faz viajar até ao fatídico 6 de Junho de 1944, instala-se a incógnita: será ele o Ryan do título, pelo qual se fará o resgate, ou o capitão John Miller (soberbo Tom Hanks), que a película a partir daí acompanha? A confusão é propositada e aliás potenciada por Spielberg, pela sugestão dos close-ups à cara de ambos. Só no fim a sublime montagem de Michael Kahn (determinante para o sucesso das sequências de ação e justamente de todas as outras) desvenda o mistério e dissipa as dúvidas que nos acompanharam durante toda a missão.
Cenas memoráveis, para além da do desembarque? Mais que muitas. O resgate impulsivo de uma chorosa menina aos pais consumidos pela perda e pelo medo, a libertação de um alemão que mais tarde disparará sobre Miller, o humor escapista dos soldados, acalorados pela melodramática e sonante voz de Edith Piaf ao gramofone ou o intenso assalto dos tanques alemães à ponte armadilhada, no final, até à chegada dos P-51's - angels on our shoulders; outra das tão prodigiosas sequências de combate, maravilhosamente filmadas por Spielberg. É à medida que caminhamos para este final estrondoso, tão trágico como qualquer instante da guerra, que nos apercebemos da extraordinária recriação histórica, somente possível dada a excelsa dedicação da direção artística (Thomas E. Sanders, Lisa Dean) - veja-se o cenário de absoluta destruição, os edifícios em ruínas ou os montes de escombros.
A dado momento da conversa com Miller, o cabo Timothy E. Upham (inesquecível Jeremy Davies, como pacifista cobarde e alter-ego do espetador) cita Emerson, tentando convencer-se: War educates the senses, calls into action the will, perfects the physical constitution, brings men into such swift and close collision in critical moments that man measures man. Partilhando a temida, arriscada e perigosa experiência com aquele batalhão desde o desembarque, quase sobrevivendo dos disparos da mais variada artilharia tanto como eles, tal é a nossa imersão no universo do filme, sabemos que as palavras de Emerson são completamente desajustadas e que não fazem sentido algum. A guerra é um acontecimento desmesuradamente hediondo e vergonhoso e nada edificante; pelo contrário. Daí que o pensamento do bravo sargento Horbath (Tom Sizemore), por oposição, faça todo o sentido: Someday we might look back on this and decide that saving Private Ryan was the one decent thing we were able to pull out of this whole godawful, shitty mess. E que a dívida de gratidão do soldado Ryan (Matt Damon, acabado de atingir o sucesso em O Bom Rebelde) seja eterna.
Do que é que podem acusar esta inolvidável obra-prima? De sentimentalismo exacerbado no prólogo, interlúdio e epílogo? A sério? Não reconhecer a magnificência e o cânone posterior de O Resgate do Soldado Ryan (afinal, redefiniu a estética do género, às portas do novo milénio) deve ser frustrante. É, senão o melhor, seguramente um dos melhores filmes de guerra jamais feitos. Directed by... Steven Spielberg, versátil e eclético; sinais de maturidade e de sabedoria. Mais um exemplo de que, às vezes, uma realização sublime pode suplantar, a existir, qualquer fraqueza de um guião (Robert Rodart) e re-potenciar toda uma história.
O HORROR DA GUERRA
This time the mission is the man.
Sangrento, visceral, impiedoso, cru. O Resgate do Soldado Ryan é o mais violento e impressionante filme de guerra a que já assisti. Aquela já mítica cena do desembarque dos Aliados na praia de Omaha, na Normandia, tem como não ser uma das melhores cenas jamais filmadas? Golpe de génio de Spielberg, no cúmulo da sua seriedade: a ação é ultra-rápida, feroz e avassaladora, qual confronto real (a trémula câmera ao ombro assegura o hiper-realismo, o sangue e a terra salpicam a tela ou o ecrã), o tiroteio é incessante e ensurdecedor (detalhista e brilhante sonoplastia de Gary Rydstrom, Gary Summers, Andy Nelson, Ron Judkins) sobre a desesperada paisagem, transfigurada pelo inferno (a imagética é poderosíssima, deveras impressionante, mérito da magistral direção de fotografia de Janusz Kaminski; as lentes são engenhosamente manipuladas, o frame é granulado e desfocado se necessário, os tons esverdeados e cinzentos são dessaturados). As balas perfuram capacetes, as metralhadoras dilaceram corpos, o mar enche-se de sangue. A carnificina choca-nos o olhar, nauseia-nos o estômago, estremece-nos por inteiro (mérito inegável da equipa de caracterização: Lois Burwell, Conor O'Sullivan, Daniel C. Striepeke). Spielberg, imperdoável, não nos poupa a nada. Um soldado procura o resto do seu braço pelo areal. Outros tantos instigam a invasão e o contra-ataque em diante, plenos de adrenalina. Multiplicam-se as explosões, a brutalidade e a morte. Mais tarde, até o simples cair da chuva sobre as folhas das árvores e outras plantas nos soará a troada.
If God's on our side, who the hell could be on theirs?
Apesar de bélico por excelência e de tremendo na sua ação, furiosamente espetacular, O Resgate do Soldado Ryan desfere a sua filosofia a cada investida; não creio na violência pela violência. Há breves intervalos para o diálogo, para as conversas de circunstância, raramente algo de muito profundo - afinal, o homem ao nosso lado, com quem estreitamos a mínima afeição, é fuzilado no instante seguinte. Não há tempo nem espaço para a amizade, somente para o companheirismo, que se demonstra mormente no fulgor da refrega, no suor do imprevisível campo de batalha. Não há heróis; o heroísmo faz-se pela tenacidade do coletivo. O elenco de notáveis secundários, aliás, resplandece sobre essa pluralidade; passo a nomear: Tom Sizemore, Jeremy Davies, Edward Burns, Giovanni Ribisi, Vin Diesel, Paul Giamatti, Adam Goldberg. São todos homens iguais e comuns, organizados pelas hierarquias militares às quais juraram obediência ou serventia, mas todos com o mesmo propósito: lutar pela pátria. O Soldado Ryan é, pois, um filme de posições patrióticas, inequivocamente assumidas naquela bandeira hasteada ao vento e que nos aparece de forma circular, a abrir e a fechar a obra. A estrutura circular impõe-se também por força do prólogo e do epílogo, nos quais um velho homem (Harrison Young) se passeia entre os túmulos de militares idos; a música de John Williams confere solenidade e sentimento às cenas. Desconhecemos quem é aquele velho homem, claramente emocionado; certamente que abismado por memórias traumáticas. Faz-se acompanhar pela família, parece estar ali para homenagear alguém, depreendemos que provavelmente os companheiros que lutaram a seu lado, no passado. Quando os recorda e o flashback - em que consiste a maior parte do filme - nos faz viajar até ao fatídico 6 de Junho de 1944, instala-se a incógnita: será ele o Ryan do título, pelo qual se fará o resgate, ou o capitão John Miller (soberbo Tom Hanks), que a película a partir daí acompanha? A confusão é propositada e aliás potenciada por Spielberg, pela sugestão dos close-ups à cara de ambos. Só no fim a sublime montagem de Michael Kahn (determinante para o sucesso das sequências de ação e justamente de todas as outras) desvenda o mistério e dissipa as dúvidas que nos acompanharam durante toda a missão.
Cenas memoráveis, para além da do desembarque? Mais que muitas. O resgate impulsivo de uma chorosa menina aos pais consumidos pela perda e pelo medo, a libertação de um alemão que mais tarde disparará sobre Miller, o humor escapista dos soldados, acalorados pela melodramática e sonante voz de Edith Piaf ao gramofone ou o intenso assalto dos tanques alemães à ponte armadilhada, no final, até à chegada dos P-51's - angels on our shoulders; outra das tão prodigiosas sequências de combate, maravilhosamente filmadas por Spielberg. É à medida que caminhamos para este final estrondoso, tão trágico como qualquer instante da guerra, que nos apercebemos da extraordinária recriação histórica, somente possível dada a excelsa dedicação da direção artística (Thomas E. Sanders, Lisa Dean) - veja-se o cenário de absoluta destruição, os edifícios em ruínas ou os montes de escombros.
A dado momento da conversa com Miller, o cabo Timothy E. Upham (inesquecível Jeremy Davies, como pacifista cobarde e alter-ego do espetador) cita Emerson, tentando convencer-se: War educates the senses, calls into action the will, perfects the physical constitution, brings men into such swift and close collision in critical moments that man measures man. Partilhando a temida, arriscada e perigosa experiência com aquele batalhão desde o desembarque, quase sobrevivendo dos disparos da mais variada artilharia tanto como eles, tal é a nossa imersão no universo do filme, sabemos que as palavras de Emerson são completamente desajustadas e que não fazem sentido algum. A guerra é um acontecimento desmesuradamente hediondo e vergonhoso e nada edificante; pelo contrário. Daí que o pensamento do bravo sargento Horbath (Tom Sizemore), por oposição, faça todo o sentido: Someday we might look back on this and decide that saving Private Ryan was the one decent thing we were able to pull out of this whole godawful, shitty mess. E que a dívida de gratidão do soldado Ryan (Matt Damon, acabado de atingir o sucesso em O Bom Rebelde) seja eterna.
Do que é que podem acusar esta inolvidável obra-prima? De sentimentalismo exacerbado no prólogo, interlúdio e epílogo? A sério? Não reconhecer a magnificência e o cânone posterior de O Resgate do Soldado Ryan (afinal, redefiniu a estética do género, às portas do novo milénio) deve ser frustrante. É, senão o melhor, seguramente um dos melhores filmes de guerra jamais feitos. Directed by... Steven Spielberg, versátil e eclético; sinais de maturidade e de sabedoria. Mais um exemplo de que, às vezes, uma realização sublime pode suplantar, a existir, qualquer fraqueza de um guião (Robert Rodart) e re-potenciar toda uma história.