Mostrar mensagens com a etiqueta Federico Fellini. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Federico Fellini. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

A ESTRADA (1954)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM
Título Original: La Strada
Realização: Federico Fellini
Principais Actores: Anthony Quinn, Giulietta Masina, Richard Basehart, Aldo Silvani, Marcella Rovere, Livia Venturini

Crítica:

O CIRCO ERRANTE

Assistir a A Estrada, de Fellini, é de certa forma comparável à experiência de assistir a Umberto D., de Sica. Ambos os filmes devem a sua génese ao neo-realismo (embora em Sica o comprometimento político seja mais inflamado) e num retrato por demais assombrado e pessimista da realidade conquistam a nossa compaixão relativamente às personagens. Das dificuldades e da miséria que elas partilham emerge uma humanidade maior com a qual nos identificamos, sensibilizamos e emocionamos. É essa dor, universal, que nos toma de assalto o coração, independentemente do contexto sócio-económico, do tempo ou do espaço em que se passe a acção. A Estrada é, por isso, um filme desolador, de uma melancolia profunda, absolutamente desesperançada mas simultaneamente apaixonante. Quem esquecerá, afinal, o velho Umberto e o seu cão companheiro ou o estranho amor destes loucos Gelsomina e Zampanò?

A narrativa circular - na praia tudo começa, na praia tudo se finda - preocupa-se essencialmente com esta relação impossível entre os dois. Ela (Giulietta Masina, mulher do realizador, perfeita no papel), uma jovem inocente com o seu quê de autismo, é vendida ao Homem dos Pulmões de Aço, um artista ambulante que ganha a vida nas feiras, no circo e como pode, feio e bruto como uma besta. A família da rapariga vivia em extremas dificuldades e esta é a forma de, a troco de 10 mil liras, tentar a subsistência. Desconhecedora do mundo - duvido mesmo que conhecesse muito mais do que a praia em que vivia - parte para a viagem, a medo fascinada pela possibilidade de se tornar artista. A estrada é longa, imprevisível e de muito complicada adaptação. A cada dia, um novo horizonte, uma nova cidade... caras sempre diferentes, excepto, claro, a do barbudo e detestável Zampanò (magnífico e intenso Anthony Quinn), sempre a bater-lhe, a gritar-lhe ou a meter-se com outras mulheres, humilhando a sua existência e a sua utilidade. Os dias passam e as ilusões caem por terra, vencendo a tristeza e o arrependimento. 

Tudo se coaduna, na verdade, para uma autêntica obra de mestre. Do argumento às interpretações, da classe dos movimentos de câmera de Fellini à beleza das imagens captadas e enquadradas (brilhante direcção de fotografia de Otello Martelli); a construção da mise-en-scène obedece, diga-se, ao mais inspirado sentido estético. A composição musical de Nino Rita é, por sua vez, qualquer coisa de absolutamente arrebatador (ou não nos ficasse no ouvido muito para além dos créditos finais). Enfim, um filme memorável.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

8 1/2 (1963)

PONTUAÇÃO: EXCELENTE
★★★★★
Título Original: 8 1/2
Realização
: Federico Fellini

Principais Actores: Marcello Mastroianni, Claudia Cardinale, Anouk Aimée

Crítica:


O REAL,
O RECORDADO E O INVENTADO

8 1/2 é, simplesmente, um dos filmes mais geniais alguma vez feitos.
Para Fellini, o cinema é liberdade. A objectiva de uma câmera não se limita à escravidão da realidade física. É possível, pois, subverter as noções do real, converter a ficção em muito mais do que mera representação. É possível confluir o sonho, o imaginário e o real num só espaço, num só tempo: na incomensurável dimensão artística. O conceito de 8 1/2 é, por isso, não só moderno como completamente revolucionário. Para uma arte com poucas décadas de existência, tantas vezes considerada em atraso relativamente às outras, este foi um passo triunfal e assaz significativo.

Há que entender, de uma vez por todas, que na arte as coisas não têm necessariamente que fazer sentido. É por isso que num filme como 8 1/2, o mais importante não é perceber, mas sim sentir. Ainda para mais numa obra (e, já agora, filmografia) na qual há tendência para enfatizar as imagens e não as ideias. Guido (Mastroianni, excepcional) acabou recentemente o seu último filme e caiu num profundo marasmo de inspiração. Para o realizador, a recordação e a fantasia são um autêntico escape às pressões da equipa e de todos quantos estão à sua volta, constantemente a bombardeá-lo com questões e dúvidas sobre o seu próximo projecto. É como se um mundo inteiro dependesse dele, opressivo e sufocante. A personagem da deslumbrante Claudia Cardinale é a única que lhe traz apaziguamento. Ao mesmo tempo, essa constante alternância entre verossimilhança e inverossimilhança, que percorre toda a obra, dá-nos conta da confusão interior da mente criativa do realizador (alegoria do próprio Fellini, denunciada aliás pelo título) e, claro, do seu fascínio infinito por mulheres.

8 1/2 é tecnicamente irrepreensível: conta com um trabalho de fotografia e iluminação absolutamente magnífico (Gianni Di Venanzo), uma brilhante cadência de montagem (excelência de Leo Cattozzo) e uma direcção artística que é de um arrojo e primor puros (Piero Gherardi, Vito Anzalone). Nino Rota assume-se, uma vez mais, à frente de uma composição sublime e original; isto quando não soa, imponente e magistral, a aura eterna de Wagner. A realização, essa, é tão multifacetada e perfeita que nos deixa abismados...

O veredicto é unânime: 8 1/2 é uma obra-prima ímpar e um dos melhores filmes de sempre. A prova concreta de que é na imaginação que se fazem os maiores e mais extraordinários pedaços de cinema.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

AMARCORD (1973)

PONTUAÇÃO: EXCELENTE
★★★★★
Título Original: Amarcord
Realização: Federico Fellini
Principais Actores: Pupella Maggio, Armando Brancia, Magali Noël, Ciccio Ingrassia, Nando Orfei, Luigi Rossi, Bruno Zanin, Gianfilippo Carcano, Josiane Tanzilli, Maria Antonietta Beluzzi, Giuseppe Ianigro, Ferruccio Brembilla

Crítica:

AMARCORD
OU AS QUATRO ESTAÇÕES
DE UM UNIVERSO HILARIANTE


Se é verdade que a 7ª arte tem as suas maravilhas, Amarcord é sem dúvida uma delas. As memórias de Federico Fellini são o ponto de partida: a nostalgia dos tempos idos chega a Rimini que nem os licoperdons que anunciam a Primavera. É esse o segredo do título: Amarcord significa "eu recordo-me" e inscreve a omnipresença de Fellini-autor neste genial devaneio.

O universo daquela vila italiana é-nos dado a conhecer durante quatro estações: é genuinamente hilariante, repleto de situações grotescas e burlescas (capazes de arrancar o riso a qualquer um) e riquíssimo em personagens memoráveis: Titta (à frente da juventude eferverscente e libidinosa), o seu pai (ignorante e violento), a sua mãe (defensora e preocupada dona-de-casa), o seu tarado e peidoso avô, o seu tio demente, o acordionista cego, Biscein (o mentiroso compulsivo) Gradisca (a glamourosa mulher-desejo), Volpina (a prostituta ninfomaníaca), a mamalhuda da tabaqueira... a mistura é tão improvável que resulta numa das maiores comédias de todos os tempos. O argumento (da autoria de Fellini e de Tonino Guerra) é original e arrojado na sua construção e serve os propósitos da paródia: sátira à política (veja-se, por exemplo, a ridicularização da figura do duce e do regime fascista), à educação (notem-se o castigo e a memorização como ferramentas essenciais à aprendizagem, assim como o recalcamento sexual ou a standardização) à religião, à família e aos costumes. A provocação autoral rende-se, com ousadia e frontalidade, ao despudor da nudez e das formas femininas, da masturbação ou do acto de urinar.

Da abertura ao desfecho, venha sol, neve ou nevoeiro, a magnífica banda sonora de Nino Rota confunde-se com a alma, vitalidade e fascínio do filme. Cenas inesquecíveis? Mais que muitas: o episódio do tio sobre a árvore, aos gritos: voglio una donna!, as discussões à mesa, em casa de Titta, o aparecimento do pavão, as fabulações oníricas, o casamento, no final... Enfim, o filme é todo ele construído com sequências atrás de sequências maravilhosas. Amarcord não é senão, pois, uma obra-prima absoluta. Uma dança fluída de nostalgia em alegria, de rara beleza, que viverá para sempre.

domingo, 20 de junho de 2010

A DOCE VIDA (1960)

PONTUAÇÃO: RAZOÁVEL
Título Original: La Dolce Vita
Realização: Federico Fellini
Principais Actores: Marcello Mastroianni, Anita Ekberg, Anouk Aimée, Yvonne Furneaux, Magali Noël, Alain Cuny, Annibale Ninchi, Walter Santesso, Valeria Ciangottini, Riccardo Garrone, Ida Galli, Audrey McDonald

Crítica:

OS INÚTEIS


A Doce Vida poderia intitular-se A Boa Vida, perfeitamente... Até Cristo anda de helicóptero. E com essa provocadora imagem é iniciada toda uma dissertação sobre a decadência existencial.

Com Marcello Rubini (personagem de Marcello Mastroianni, acertado e tão natural no seu papel) somos levados a conhecer a elite da perdição. Há dinheiro, há fama, há prestígio... mas não há muito mais naquelas vidas vazias. A não ser, claro, as três grandes evasões: fumar, beber e ir para a cama. Muito fumo, muito álcool e muito sexo jamais poderão faltar. Marcello vagueia de cena em cena que nem o argumento, de episódio em episódio, com mais ou menos coerência. O trabalho de cenografia e de guarda-roupa são magníficos. Anita Ekberg imortaliza uma das mais icónicas femmes fatales da História do Cinema, sendo que pelo filme deambulam também muitas outras. O universo feminino de Fellini é sempre - diga-se - rico em mulheres de carácter forte, vincado e irresistível. A ponte deste mundo de loucos com a realidade é feita tanto por Maddalena, a namorada de Marcello, como pelas sanguessugas (os paparazzi, que se alimentam destes bons vivants até ao tutano, sem quaisquer preocupações éticas) ou pela encantadora rapariga do bar da praia.

No seu todo, todavia, não creio que A Doce Vida prime pela coesão narrativa. Os episódios sucedem-se, uns mais necessários do que outros, o tempo arrasta-se e o próprio filme se arrasta, parecendo nunca mais acabar. Penso, também, que há muito mais inspiração noutros títulos de Fellini. É uma obra bem fotografada, com uma ou outra cena memorável, mas que apesar disso não encerra em si nenhum feito extraordinário. Lá que o vazio daquelas vidas assombra o filme, lá isso é indiscutível. Mas enquanto assistia ao filme jamais deixei de pensar em como a minha vida seria mais útil se - realmente - estivesse a fazer outra coisa...


<br>


CINEROAD ©2020 de Roberto Simões