★★★★
Realização: Peter Jackson
Principais Actores: Ian McKellen, Martin Freeman, Richard Armitage, Orlando Bloom, Evangeline Lilly, Aidan Turner, Luke Evans, Lee Pace, Stephen Fry, Ken Stott, Graham McTavish, William Kircher, James Nesbitt, Stephen Hunter, Dean O`Gorman, Benedict Cumberbatch
Versão Alargada
Crítica:
A MONTANHA SOLITÁRIA
If this is to end in fire, then we will all burn together!
É difícil avaliar um filme como O Hobbit - A Desolação de Smaug porque é um filme e não é - não deixa de ser uma parte, ainda para mais a parte do meio. E no final, os três filmes deverão resultar como um só, assim como aconteceu com a trilogia O Senhor dos Anéis, sendo que muito provavelmente se estabelecerá a hexalogia. Enquanto filme isolado, estará sempre alguns furos abaixo dos restantes porque não tem individualidade, não tem um desfecho próprio - como se conseguiu, sui generis, n'As Duas Torres. O cliffhanger é gritante, como nunca o foi até então. Depois, mesmo perspectivando a trilogia, ainda se desconhece o terceiro capítulo, pelo que se desconhece obrigatoriamente a eficácia da construção narrativa deste pedaço, que se completa no seguinte. Uma coisa é certa: a versão alargada é uma versão superior, conferindo maior robustez à história e ao filme, enriquecendo o retrato político-social da Cidade do Lago e recuperando o arco e a sequência de Thrain (pai de Thorin), erroneamente eliminada da versão dos cinemas.
Por entre o corropio da acção, não creio que se perca o fio à história. Após um prólogo inesperado e anacrónico, que reposiciona o espectador na demanda de Thorin Escudo-de-Carvalho, eis a aguardada continuação da viagem de Bilbo, Gandalf e os anões pela reconquista de Erebor. Do abrigo de Beorn, ora homem ora urso, mudador-de-peles, ao ataque das aranhas gigantes na asfixiante claustrofobia da floresta de Mirkwood (e como Jackson a torna sufocante!), passando pelo incomensuravelmente belo Reino dos Elfos da floresta, liderado pelo igualmente belo porém egoísta Thranduil (Lee Pace) e pelas tramas políticas da Cidade do Lago, a aventura evolui a um ritmo imparável e alucinante. O génio do realizador para as sequências de acção sobressai com todo o virtuosismo na divertidíssima fuga nos barris. Que cena alucinada e plena de humor! As lutas são como bailados, coreografadas entre actores, figurantes e câmeras. Regressa Legolas (Orlando Bloom), príncipe da floresta, aqui muito mais próximo da arrogância do pai Thranduil, apaixonado pela deslumbrante Tauriel (Evangeline Lilly) - em boa hora adicionada à trama - cujos encantos recaem sobre o atraente anão Kili. Legolas e Tauriel mostram-se exímios na arte de matar à velocidade da elegância. Luke Evans e o seu notável Bard, o contrabandista, permitem a travessia do Lago rumo a Esgaroth e muito para além das ruínas de Dale - a desolação de Smaug -, até aos confins da Montanha Solitária, onde o temível dragão adormecido protege a imensidão do tesouro roubado. Bard parece predestinado a um feito maior, esperemos pelo próximo capítulo. Ainda em termos de interpretações, a realçar o crescente Balin de Ken Stott, a graça do roliço Bombur de Stephen Hunter e a hilariante caricatura de Stephen Fry, como ávido senhor da cidade de canais, peixe e trocas comerciais. Sentimos a falta do protagonismo de Martin Freeman durante a maior parte do filme, ainda que a mesma seja mais ou menos compensada no último acto.
Chegados à Montanha Solitária, a narrativa está tripartida. Bilbo e vários dos anões defrontam as chamas do perigo (acção principal), Gandalf encontra-se com Radagast e enfrenta o Necromante e Kili recupera de uma flecha envenenada graças à medicina e aos cuidados da elfo Tauriel. A eficácia da divisão é duvidosa, até porque a transição entre as várias linhas diegéticas, após o tão aguardado despertar de Smaug, parece forçada. Queremos focar-nos somente na acção principal; o que acontece nos outros núcleos não tem a mesma importância ou interesse, naquele momento. Mas enfim, o filme lá termina abruptamente com o vôo incandescente e ameaçador do dragão e continua na terceira parte. Por isso, é ingrato julgar um filme para já incompleto. O espectador, esse, fica em inevitável suspense. Propositadamente, com um sentimento de vazio ou insatisfação, sem saber bem se pelo que assistiu ou se pelo que faltou assistir.
Na generalidade da obra e ainda em termos técnicos, a sofisticação impera, como esperado; ou não fosse a equipa a mesma de sempre. Dos cenários e decoração aos figurinos, aos penteados e à caracterização, da fotografia e iluminação aos efeitos digitais e à pujante banda sonora de Howard Shore, o filme é um festim visual e sonoro absolutamente impressionante e colossal.
Agora, aponto o dedo: incompreensivelmente, Peter Jackson reforça aquele que já n'Uma Viagem Inesperada se evidenciava como o potencial calcanhar de Aquiles da nova saga, dando alguma razão à maior parte dos detractores das suas aventuras na Terra Média, que resumem O Senhor dos Anéis a um amontoado de efeitos especiais exibicionistas, extraordinariamente artificiais e que tendem a desvirtuar a narrativa. Por mais credibilidade que a fantasia construa, até determinado ponto e pelos mais variados méritos, é difícil digerir wargs tão mal conseguidos e as contracenas entre Azog e Bolg, tão notoriamente artificiais. Estes dois líderes, por exemplo, destoam completamente dos restantes constituintes das negras hordas de mauzões, criados pela excelência da caracterização real, assim como sempre aconteceu desde A Irmandade do Anel. Foi claramente uma opção falhada, que faz destoar e colapsar as suas cenas. Menos do que terríveis, tornam-se personagens insuportavelmente ridículas. Depois da autêntica maravilha que é Gollum, nos filmes anteriores, não nos venham com estes orcs asquerosos. Evidenciar as fraquezas ao invés de disfarçá-las é um erro tremendo. Há abelhas, aranhas e até o dragão monumental, todos digitais, e todos merecem o nosso aplauso. Smaug não está, de todo, livre de lhe apontarem o dedo, mas dificilmente a equipa da Weta conseguiria fazer melhor, por certo. Agora Azog e Bolg, tenham piedade de nós. Não os perdoamos, porque não acreditamos que constem no filme por falta de alternativa ou talento; antes por capricho.
Concluída a visualização d'A Desolação de Smaug, vejo-me finalmente obrigado a ponderar a necessidade efectiva de estender a adaptação de um livro apenas por três longos filmes. E torno à defesa. A priori e distanciando-me do massivo coro crítico da trilogia de Jackson, não vejo essa decisão como um problema real, ainda que esteja ciente dos interesses capitalistas que a cimentam. Assistido o segundo filme, continuo a não sentir essa questão como um problema real. Para a adaptação, Jackson parte d'O Hobbit, de variadíssimos anexos e de anotações de Tolkien, mas também se apropria daquele mágico universo para criar uma ou outra personagem, uma ou outra situação. Aquele universo também é dele (não será só dele? Lembro a eterna questão: o livro é o livro, o filme é o filme). O que nos mostra é eficaz? Muito, tanto para a história como para assegurar a sua épica duração. Os filmes jamais se arrastam, perdendo a capacidade de enriquecer o seu e o nosso imaginário, perdendo a capacidade de nos maravilhar... Quem julga a nova trilogia do cineasta baseado no preconceito (ou tomado por ele) não sabe os filmes que perde. Eles existem e é ver para crer.
O Hobbit - A Desolação de Smaug não cumpre, porventura, todas as expectativas sobre ele criadas e consegue a proeza de levantar outras tantas. Ainda assim, soergue-se que nem o dragão, possante e banhado a ouro, como um grande filme de fantasia e aventuras. Resta-nos esperar pela incógnita da terceira e última parte.
Por entre o corropio da acção, não creio que se perca o fio à história. Após um prólogo inesperado e anacrónico, que reposiciona o espectador na demanda de Thorin Escudo-de-Carvalho, eis a aguardada continuação da viagem de Bilbo, Gandalf e os anões pela reconquista de Erebor. Do abrigo de Beorn, ora homem ora urso, mudador-de-peles, ao ataque das aranhas gigantes na asfixiante claustrofobia da floresta de Mirkwood (e como Jackson a torna sufocante!), passando pelo incomensuravelmente belo Reino dos Elfos da floresta, liderado pelo igualmente belo porém egoísta Thranduil (Lee Pace) e pelas tramas políticas da Cidade do Lago, a aventura evolui a um ritmo imparável e alucinante. O génio do realizador para as sequências de acção sobressai com todo o virtuosismo na divertidíssima fuga nos barris. Que cena alucinada e plena de humor! As lutas são como bailados, coreografadas entre actores, figurantes e câmeras. Regressa Legolas (Orlando Bloom), príncipe da floresta, aqui muito mais próximo da arrogância do pai Thranduil, apaixonado pela deslumbrante Tauriel (Evangeline Lilly) - em boa hora adicionada à trama - cujos encantos recaem sobre o atraente anão Kili. Legolas e Tauriel mostram-se exímios na arte de matar à velocidade da elegância. Luke Evans e o seu notável Bard, o contrabandista, permitem a travessia do Lago rumo a Esgaroth e muito para além das ruínas de Dale - a desolação de Smaug -, até aos confins da Montanha Solitária, onde o temível dragão adormecido protege a imensidão do tesouro roubado. Bard parece predestinado a um feito maior, esperemos pelo próximo capítulo. Ainda em termos de interpretações, a realçar o crescente Balin de Ken Stott, a graça do roliço Bombur de Stephen Hunter e a hilariante caricatura de Stephen Fry, como ávido senhor da cidade de canais, peixe e trocas comerciais. Sentimos a falta do protagonismo de Martin Freeman durante a maior parte do filme, ainda que a mesma seja mais ou menos compensada no último acto.
O Smaug the Unassessably Wealthy. I merely wanted to gaze upon your
magnificence, to see if you were as great as the old tales say. I did
not believe them. (...) Truly songs and tales fall utterly short of your enormity, O Smaug the Stupendous...
Bilbo
Chegados à Montanha Solitária, a narrativa está tripartida. Bilbo e vários dos anões defrontam as chamas do perigo (acção principal), Gandalf encontra-se com Radagast e enfrenta o Necromante e Kili recupera de uma flecha envenenada graças à medicina e aos cuidados da elfo Tauriel. A eficácia da divisão é duvidosa, até porque a transição entre as várias linhas diegéticas, após o tão aguardado despertar de Smaug, parece forçada. Queremos focar-nos somente na acção principal; o que acontece nos outros núcleos não tem a mesma importância ou interesse, naquele momento. Mas enfim, o filme lá termina abruptamente com o vôo incandescente e ameaçador do dragão e continua na terceira parte. Por isso, é ingrato julgar um filme para já incompleto. O espectador, esse, fica em inevitável suspense. Propositadamente, com um sentimento de vazio ou insatisfação, sem saber bem se pelo que assistiu ou se pelo que faltou assistir.
Na generalidade da obra e ainda em termos técnicos, a sofisticação impera, como esperado; ou não fosse a equipa a mesma de sempre. Dos cenários e decoração aos figurinos, aos penteados e à caracterização, da fotografia e iluminação aos efeitos digitais e à pujante banda sonora de Howard Shore, o filme é um festim visual e sonoro absolutamente impressionante e colossal.
Agora, aponto o dedo: incompreensivelmente, Peter Jackson reforça aquele que já n'Uma Viagem Inesperada se evidenciava como o potencial calcanhar de Aquiles da nova saga, dando alguma razão à maior parte dos detractores das suas aventuras na Terra Média, que resumem O Senhor dos Anéis a um amontoado de efeitos especiais exibicionistas, extraordinariamente artificiais e que tendem a desvirtuar a narrativa. Por mais credibilidade que a fantasia construa, até determinado ponto e pelos mais variados méritos, é difícil digerir wargs tão mal conseguidos e as contracenas entre Azog e Bolg, tão notoriamente artificiais. Estes dois líderes, por exemplo, destoam completamente dos restantes constituintes das negras hordas de mauzões, criados pela excelência da caracterização real, assim como sempre aconteceu desde A Irmandade do Anel. Foi claramente uma opção falhada, que faz destoar e colapsar as suas cenas. Menos do que terríveis, tornam-se personagens insuportavelmente ridículas. Depois da autêntica maravilha que é Gollum, nos filmes anteriores, não nos venham com estes orcs asquerosos. Evidenciar as fraquezas ao invés de disfarçá-las é um erro tremendo. Há abelhas, aranhas e até o dragão monumental, todos digitais, e todos merecem o nosso aplauso. Smaug não está, de todo, livre de lhe apontarem o dedo, mas dificilmente a equipa da Weta conseguiria fazer melhor, por certo. Agora Azog e Bolg, tenham piedade de nós. Não os perdoamos, porque não acreditamos que constem no filme por falta de alternativa ou talento; antes por capricho.
Concluída a visualização d'A Desolação de Smaug, vejo-me finalmente obrigado a ponderar a necessidade efectiva de estender a adaptação de um livro apenas por três longos filmes. E torno à defesa. A priori e distanciando-me do massivo coro crítico da trilogia de Jackson, não vejo essa decisão como um problema real, ainda que esteja ciente dos interesses capitalistas que a cimentam. Assistido o segundo filme, continuo a não sentir essa questão como um problema real. Para a adaptação, Jackson parte d'O Hobbit, de variadíssimos anexos e de anotações de Tolkien, mas também se apropria daquele mágico universo para criar uma ou outra personagem, uma ou outra situação. Aquele universo também é dele (não será só dele? Lembro a eterna questão: o livro é o livro, o filme é o filme). O que nos mostra é eficaz? Muito, tanto para a história como para assegurar a sua épica duração. Os filmes jamais se arrastam, perdendo a capacidade de enriquecer o seu e o nosso imaginário, perdendo a capacidade de nos maravilhar... Quem julga a nova trilogia do cineasta baseado no preconceito (ou tomado por ele) não sabe os filmes que perde. Eles existem e é ver para crer.
O Hobbit - A Desolação de Smaug não cumpre, porventura, todas as expectativas sobre ele criadas e consegue a proeza de levantar outras tantas. Ainda assim, soergue-se que nem o dragão, possante e banhado a ouro, como um grande filme de fantasia e aventuras. Resta-nos esperar pela incógnita da terceira e última parte.