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quinta-feira, 12 de outubro de 2017

HARRY POTTER E O PRÍNCIPE MISTERIOSO (2009)

PONTUAÇÃO: RAZOÁVEL
Título Original: Harry Potter and the Half-Blood Prince
Realização: David Yates
Principais Actores: Daniel Radcliffe, Rupert Grint, Emma Watson, Michael Gambon, Jim Broadbent, Helena Bonham Carter, Alan Rickman, Tom Felton, Julie Walters, Bonnie Wright, Evanna Lynch, Maggie Smith

Crítica:

O MISTÉRIO CINZENTO

This is beyond anything I imagine.

O Príncipe Misterioso é, facilmente, o capítulo mais decepcionante de toda a saga. Harry Potter sempre teve os seus mistérios intricados, o suspense crescia por meio de pistas e, no final, tudo acabava por fazer sentido. Mas a forma como a história era contada preocupava o espectador, envolvia-o, cativava-o para a investigação de forma activa. Ao sexto filme, o espectador é como que ignorado. A acção atropela-se de episódio em episódio, sem maturar os sinais, sem estabelecer ligações sólidas. A adaptação flui à deriva, desinteressante. Como se bastasse chegar ao ponto Y sem se esboçar como lá se chegou e porque lá se chegou. Sim, O Príncipe Misterioso é o mais esquecível de todos os filmes Harry Potter.

Nicholas Hooper distancia-se em demasia das sonoridades originais e o filme perde identidade. A música jamais se alia ao poder emocional das interpretações dos actores, despotenciando as cenas e lesando, irreversivelmente, o produto final. Tão-pouco a encenação é estudada, procurando arquitectar momentos icónicos ou minimamente marcantes. A linguagem é banal, como se se realizasse um episódio de uma série televisiva de terceira categoria, mas com um grande orçamento. Há pouco cinema, neste pedaço, e não esperaríamos isto de uma saga com o estrondoso impacto simbólico e cultural que Harry Potter alcançou, dentro e fora do circuito cinematográfico. Ainda para mais no ponto escaldante em que A Ordem da Fénix nos deixou; curiosamente, pelas mãos do mesmo realizador. Aqui tudo arrefece e os fait divers amorosos (que também constam do livro, é certo) ganham protagonismo sobre a história central e transversal aos vários filmes. Este desequilíbrio é um erro. E depois, sendo que todo este filme deveria preparar-nos para o seu trágico desfecho - para o adeus de uma das personagens mais queridas e importantes deste fantástico universo - O Príncipe Misterioso falha em apostar no elo entre o protagonista e o mártir, ausentando este último da maior parte da acção.

Bruno Delbonnel, criativo diretor de fotografia, pinta aqui um dos seus mais pobres trabalhos artísticos, caindo no facilitismo da saturação cromática, dos filtros e de um cinzentismo atroz, que suja e ofusca o eventual esplendor do design de produção e da mise en scène. O melhor do filme são mesmo os actores: Daniel Radcliffe, Rupert Grint e Emma Watson dão cada vez mais de si, conferindo profundidade às suas personagens. Michael Gambon conquista o seu lugar enquanto Albus Dumbledore e Jim Broadbent é um memorável Horace Slughorn, como aliás já são, por tradição, todas as adições ao elenco ditas secundárias.

Após uma continuação tão desconexa, resta a esperança de que a saga não esteja nas mãos erradas... e condenada a um clímax inglório.


terça-feira, 25 de abril de 2017

VISTO DO CÉU (2009)

PONTUAÇÃO: RAZOÁVEL
★★★
Título Original: The Lovely Bones
Realização: Peter Jackson
Principais Actores: Saoirse Ronan, Mark Wahlberg, Rachel Weisz, Stanley Tucci, Jake Abel, Susan Sarandon, Michael Imperioli, Reece Ritchie, Nikki SooHoo, Tom McCarthy, Rose McIver, Courtney Baxter

Crítica:

UM OLHAR DO PARAÍSO

I was here for a moment. And then I was gone.

O mínimo que se poderá dizer de um filme como The Lovely Bones é que é um filme desnivelado. A sua acção decorre entre universos paralelos, visualmente tão distintos que não só nos parecem perfeitamente desconexos, como a água e o azeite, como parecem pertencer, facilmente, a dois filmes completamente diferentes.

A perspectiva de Susie Salmon, assassinada aos catorze anos, mergulha a trama numa dimensão mística e sobrenatural - a visão de Jackson torna-a impressivamente surrealista e fantástica, sempre que a acção se passa no além, no limbo, onde a alma da jovem aguarda a entrada no Paraíso. As imagens são fruto da imaginação de uma rapariga pré-adolescente, depreendemos pelas cores vivas e pela generalidade das concepções criativas com que nos deparamos, mas a artificialidade dos efeitos digitais, em contraponto com a acção tão mais realista no plano terrestre, não deixa de ser insólita. Por mais que os anos 70 de Peter Jackson sejam coloridos, mérito do extraordinário trabalho de fotografia de Andrew Lesnie, do guarda-roupa de Nancy Steiner e da direcção artística (Naomi Shohan, Jules Cook, Chris Shriver, George DeTitta Jr., entre outros).

A experiência torna-se ainda mais inusitada quando pensamos na forma como um drama pessoal e familiar tão intenso, de mãos dadas ao perturbante thriller, pleno de suspense e crime, se desenrola, muitas vezes, ao som de músicas divertidas e leves, quando o humor, mais do que pontuar a acção, a passa a dominar. A dado momento The Lovely Bones acabou de nos mostrar um assassinato, uma família devastada pela perda e uma avó alucinada e caricatural (apesar de tudo, brilhante Susan Sarandon) chega a casa, virando-a do avesso e aligeirando o filme na mais berrante comédia. Por tudo isto, penso que o filme de Jackson perde pela multiplicidade de tons: abraça demasiados registos em tão pouco tempo e, ao invés de ganhar personalidade, perde-a, descarrilando aqui e ali para a novela pop.

Compreendo que seja a adaptação do aclamado romance de Alice Sebold... mas o livro não mostra o limbo como um parque de diversões. E é muito mais sério e aprofundado. No filme, corta-se o caso da avó com o detective policial (Michael Imperioli), por se considerar que seria informação acessória e por isso desnecessária para a história, mas corta-se também a violação, assassinato e desmembramento de Susie pelo monstruoso vizinho George Harvey (Stanley Tucci, irreconhecível e arrepiante), por demais nuclear, dado o tema principal... São decisões de adaptação absolutamente questionáveis, parecem-me. Compreendo inclusive que se almejasse um determinado rating, até aos 13 anos - o filme tal como está fala directamente aos adolescentes. Mas tinha potencial para ser um filme mais adulto, mais negro - e, por isso mesmo, mais tocante e impactante.

Todavia, o livro é o livro. O filme é o filme. E o mais curioso no meio desta confusão toda é que, ainda assim, Peter Jackson assina um filme acima da média. E porquê? Não pelos desempenhos dos pais de Susie: a escolha de Mark Wahlberg para o papel de pai - um papel aqui tão importante - é lamentável. A sua interpretação é miserável. Rachel Weisz, a mãe, lá interpreta o texto, mas podia ser outra actriz qualquer. Então, porque não estamos perante um desastre completo? Essencialmente, pelas magnetizantes performances de Saoirse Ronan e de Stanley Tucci e porque Jackson sabe muito bem suscitar e gerir emoções. The Lovely Bones consegue, apesar de tudo, ser um filme bastante emocional. Ajuda a banda sonora de Brian Eno, por demais comovente, mas sobretudo o expressivo trabalho de câmera, do close-up aos planos mais abertos, e a inteligente montagem de Jabez Olssen. Quando Jackson deixa a comédia de lado e se foca no drama, na tragédia, mas sobretudo na personagem de Tucci e na investigação criminal encabeçada pela irmã da vítima, Lindsey (Rose McIver), no último acto, a atmosfera é tensa e capaz de nos fazer transpirar. Torcemos para que o psicopata seja desmascarado ou severamente punido. No final, fica-nos a ideia de um filme que deslizou entre o visualmente belo, o estimulante, o incongruente e o bacoco, mas que na sua essência - a história e as personagens - lá acabou de alguma maneira por triunfar, acabando por fazer sentido a sua ousada e tão sui generis proposta.

A crítica foi mais ou menos unânime quanto a este filme e, desta vez, a minha voz não destoa do coro. Por mais que goste de Peter Jackson e das suas propostas megalómanas. Aqui simplesmente parece ter andado à deriva e não ter encontrado o rumo certo ou mais apropriado para contar a sua história. Mas Jackson é Jackson e desde O Senhor dos Anéis que qualquer um dos seus filmes vale a pena.

sábado, 15 de abril de 2017

ALEMANHA, ANO ZERO (1948)

PONTUAÇÃO: RAZOÁVEL

Título Original: Germania Anno Zero
Realização: Roberto Rossellini
Principais Actores: Edmund Moeschke, Ernst Pittschau, Ingetraud Hinze, Franz-Otto Krüger, Erich Gühne

Crítica:

NAS CINZAS DA GUERRA

Una serena constatazione di fatti.

O olhar de uma criança é um olhar privilegiado para retratar a guerra ou a devastação que a mesma pode causar ao coração humano: as crianças são, sobre todos, o símbolo maior da inocência e do futuro da civilização, ambos corrompidos ou ameaçados pelo sangrento confronto. Os neo-realistas italianos sabiam disso e exploraram isso. Se pensarmos nas demais características do movimento artístico, identificamo-las facilmente num filme com Alemanha, Ano Zero, último capítulo da trilogia da guerra de Roberto Rossellini. É interpretado por actores não profissionais, é filmado nos locais reais da acção.

Não sou fã de nenhum movimento em particular, penso que qualquer escola tem as suas virtudes e que, através delas, pode expressar mais ou menos a sua arte. Acontece que Alemanha, Ano Zero, preso em demasia aos pilares da sua doutrina, serve-se mais do pretexto artístico para um registo histórico e documental do que do pretexto histórico para se afirmar como objecto iminentemente artístico. Nem sempre muito bem filmado, a cidade degradada em constante background grita o seu realismo, mas depois os indivíduos que fazem de actores são, na grande parte das cenas, tão pouco credíveis que o poder da história tende a cair por terra. A fotografia é, por vezes, tão miserável quanto a atmosfera em que os acontecimentos têm lugar. O desmazelo artístico é, na minha opinião, claro e evidente. Se a tal evidência me responderem: pois, mas neo-realismo é mesmo assim. Eu respondo com o também neo-realista Ladrões de Bicicletas, de Vittorio de Sica e do mesmo ano. Atentem-se, nesse magistral filme, à fotografia, à condução do conflito moral e à direcção dos indivíduos que fazem de actores. Basta compararem o carisma e o talento do Bruno de Enzo Staiola com o do Edmund de Edmund Moeschke - aliás, basta pesquisarem quantos filmes fez Enzo depois do filme de Sica e quantos filmes fez Edmund depois deste Alemanha. Não terá sido certamente por acaso.

Ainda assim, o argumento salva o filme da total tragédia: no rescaldo da guerra e antes do eventual renascimento da fénix, a sobrevivência entre os escombros da moral. Na mais plena amoralidade, uma criança não é uma criança: é obrigada pelas circunstâncias a corromper-se, a jogar um jogo demasiado cruel e monstruoso para a sua idade, para a sua maturidade. O caminho não é só perigoso, é irreversível.

Por tudo isto, um filme com interesse sobretudo histórico. Arte... arte é outra coisa.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

EXODUS - DEUSES E REIS (2014)

PONTUAÇÃO: RAZOÁVEL
★★★ 
Título Original: Exodus - Gods and Kings
Realização: Ridley Scott
Principais Actores: Christian Bale, Joel Edgerton, John Turturro, Ben Kingsley, Aaron Paul, María Valverde, Sigourney Weaver, Golshifteh Farahani, Isaac Andrews, Dar Salim, Ben Mendelsohn, Ghassan Massoud, Indira Varma, Ewen Bremner, Andrew Tarbet

Crítica:

ATÉ QUE O MAR OS SEPARE 

 Follow me and you will be free.

Nada há de errado em rivalizar com Cecil B. DeMille. A derrota está, à partida, assegurada. A superação talvez. O tempo e as circunstâncias fizeram de DeMille um rei do género mas, sejamos francos, não um deus. E, afinal, Ridley Scott é o mestre por detrás de Gladiador ou Reino dos Céus. Tudo seria possível. Sabemos que a versão final de Exodus, antes do corte que definiu a versão de 150 minutos estreada nos cinemas, tinha aproximadamente 240 minutos. Lembra o caso insólito de Reino dos Céus, estreado com 144 minutos, a que se seguiu a versão do realizador com 190 minutos - e a diferença entre um filme e outro foi abismal. A edição de Exodus em blu-ray adianta 15 minutos de cenas eliminadas, que claramente não melhorariam muito o resultado final. Scott falou na eventualidade de uma versão estendida do filme, mas, até à data, não viu a luz do dia. Se essa nova montagem somaria ou não cenas fundamentais, capazes de regenerar e fortalecer a narrativa, fica por descobrir. Para já, em termos de duração, Exodus perde para os 220 minutos d'Os Dez Mandamentos - o que nada diz, obviamente, a respeito da qualidade da obra.

Todavia, perderá em todo o terreno. O problema é que Exodus - tal como nos chegou, na sua versão de 150 minutos - é um filme de falhas e excessos, o que resulta num desequilíbrio tremendo e tudo menos favorável. Se, por um lado, nada há a apontar à sofisticação técnica da produção - design de produção de Arthur Max e guarda-roupa de Janty Yates (parceiros habituais de Scott e dos melhores da indústria nos seus respectivos departamentos), assombrosa fotografia de Dariusz Wolski (outro que tal) e impressionantes efeitos digitais - temos depois um argumento que sabemos retalhado pela montagem e uma realização desinspirada, que cai no erro - crasso - de repetir fórmulas facilmente detectáveis e já usadas nos épicos anteriores. Soa a mais do mesmo. Sabem a parte em que Ramsés chega à cama do filho, que tão pacificamente dorme, e lhe diz: you sleep well because you know that you're loved. Pois bem, em Gladiador há uma mesmíssima cena em que Commodus (Joaquin Phoenix) chega à cama do filho e lhe diz: he sleeps so well because he is loved. Estão a perceber onde quero chegar? Já Robin Hood sofria do mesmo mal. Não queremos ver o mesmo filme várias vezes, mudando apenas o tempo e o espaço histórico. Nós queremos ver filmes diferente, singulares; o que me leva a pensar no que terá levado Scott a concretizar este filme. Sabemos da sua predilecção por fazer um filme de determinado tipo para provar a si próprio que consegue, para fazer a sua versão. Será isso? Queria fazer a sua versão d'Os Dez Mandamentos? Insisto: rivalizar com DeMille? O que é que Exodus tem para contar que já não saibamos, que já não tenhamos visto? Qual é a sua proposta artística? Em 1998, a Dreamworks produziu aquela que para mim é, à data, a melhor versão da história de Moisés: O Príncipe do Egipto e Scott nem dessa chegou aos calcanhares. E já não vou falar de imprecisões históricas como hebreus a construir pirâmides (quando estas foram edificadas muito antes), mortes por enforcamento em tempos de crucificação ou incêndios tão explosivos como que provocados por pólvora. Aí estou de acordo com Scott, ele não faz documentários e se fôssemos por esse critério rejeitaríamos e desprezaríamos uma significativa parte da História do cinema.

Ao encetar o argumento, o filme foge à entrega do bebé às águas do Nilo. No seu lugar, aposta numa épica batalha, visualmente apoteótica, mas sem qualquer carga emocional, uma vez que a história ainda não nos forneceu background suficiente para percebermos as motivações do confronto e das personagens, para além do facto de a batalha, claramente, não ter grandes consequências narrativas. Percebemos qualquer coisa da relação daqueles dois irmãos, mas nada que não venhamos a constatar depois. A batalha é um pretexto para exibir recursos e para dizer que se trata de um épico com uma batalha, não fossem dizer que nem uma batalha tinha. O mais grave é que o que se segue depois não confere tridimensionalidade às personagens. Os eventos sucedem-se e não nos envolvemos com elas, não torcemos por elas, e desligamo-nos do que estamos a assistir - por mais bonito que seja e por mais potencial que tenha. Sobram planos aéreos e, na maioria deles, a cidade parece tão imensa que nos custa a crer que fosse assim naquele tempo. E, de repente, Scott alheia-se da história e foca-se no romance - mais uma vez, porque parece que era necessário que o filme tivesse um pedaço de romance -, perdendo orientação e, sobretudo, economia narrativa. No elenco, nenhum actor brilha. Nem Bale, nem Edgerton, nem Kingsley... os restantes desfilam-se, marcam presença e às vezes quase não se nota que lá estão. Sabemo-los grandes actores, mas a culpa não é claramente deles. A ideia de representar Deus como uma criança, admito, não desgostei. A interpretação de Isaac Andrews chega a ser das melhores do filme.

Exodus ganha interesse quando já é demasiado tarde. Vêm os vorazes crocodilos e tornam o Nilo num rio de sangue e a água impotável, morrem os peixes que atraem os insectos e estes as rãs, apodrecem as colheitas e o ar, fétido, fica irrespirável. Propagam-se as doenças, instala-se o caos e amotinam-se, nas ruas, os mortos. A sequência das pragas é francamente boa e impressiona. Os efeitos jamais comprometem. A última meia hora então, desde que o povo abandona o Egipto até às margens do Mar Vermelho, está finalmente ao nível expectado. Aqui todos os elementos do filme colidem e se transcendem num pedaço de arte superior. A banda sonora, que por vezes pareceu visitar lugares comuns, sublima agora a proeza dos efeitos digitais, aliando-se à fotografia para pintar autênticos quadros em movimento. Diria que o final de Exodus consta entre as sequências mais audazes e visualmente estimulantes da carreira de Scott. Pena que o filme não a acompanhe.

Fica mais um retrato da salvação dos hebreus. Se o filme tem ou não salvação não sabemos, temo que não - mas já fui surpreendido. Se tiver e caso Scott procure redenção, é esperarmos pela versão alongada. O realizador acaba por dedicar o filme ao irmão falecido e percebe-se que homenageou a relação entre irmãos ao longo de todo filme. Pena que não num filme melhor e mais digno.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

DIA DA INDEPENDÊNCIA (1996)

 PONTUAÇÃO: RAZOÁVEL
★★★
Título Original: Independence Day
Realização: Roland Emmerich
Principais Atores: Will Smith, Jeff Goldblum, Bill Pullman, Randy Quaid, Judd Hirsch, Vivica A. Fox, Margaret Colin, James Duval, Mary McDonnell, Robert Loggia, Adam Baldwin, Harvey Fierstein

Crítica:

O ATAQUE ALIENÍGENA

 That's what I call a close encounter.

O cinema também anuciou, em meados dos anos 90 do século XX e de forma tão marcante, a globalização ao mundo. Dia da Independência, mega blockbuster de Hollywood, é disso um caso inequívoco: a ação é global. A invasão extraterrestre revela-se uma ameaça massiva, destrutiva, capaz de exterminar da face da Terra toda a Humanidade, alheia a culturas ou a civilizações.

É, Dia da Independência, um triunfo? É. $817,400,891, worldwide. Triunfa o espetáculo imagético, inesquecível - a imponente, negra e flutuante nave sobre as cidades ou sobre a Casa Branca sobressai de entre as memórias do filme. Há, por isso, shots memoráveis. As criações da direção artística são assombrosas e a fotografia deslumbra a espaços - os efeitos especiais, qual som, potenciam a beleza e a alucinante experiência. A ação é explosiva, plena de adrenalina. Ecoa Spielberg, Lucas. Ecoa John Williams na enérgica banda sonora de David Arnold. O entretenimento está, pois, assegurado. Emmerich pega nas naves dos filmes de série B e eleva-as ao mais espetacular e mainstream dos filmes.

Peca pela duração excessiva ou pela leveza com que aborda a tragédia, faltando-lhe, às tantas, uma maior maturação dos episódios. Sucedem-se os lugares comuns. Não há personagens modeladas (a melhor, ainda assim, é a do presidente Whitmore, de Bill Pullman). Will Smith e Jeff Goldblum partilham um protagonismo superficial, alternando o bom humor com o elenco secundário (Randy Quaid, Judd Hirsch).

Quando nos apercebemos, contudo, que os americanos é que sabem e que os americanos é que descobrem os melhores meios e técnicas para destruir os invasores, apercebemo-nos de que o filme vende por demais a bandeira e a liderança americana a todo o planeta. Cai por terra aquele ideal de globalização que o filme parece abraçar inicialmente, sobrepondo-se o ego americano, irresistível a tanto do seu cinema comercial. Mas enfim, esta é uma questão secundária, de abordagem. O filme não é sobre a globalização, é sobre o ataque alienígena. Nesses termos, o filme faz-nos voar no imaginário, no nosso e no da visão de Emmerich, o que é meritório. Agradou exponencialmente a milhares e milhares de espetadores, marcou um tempo. Por isso, missão cumprida; apesar dos - para mim, detetáveis - desequilíbrios.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

TRÓIA (2004)

PONTUAÇÃO: RAZOÁVEL
Título Original: Troy
Realização: Wolfgang Petersen
Principais Actores: Brad Pitt, Eric Bana, Orlando Bloom, Sean Bean, Rose Byrne, Diane Kruger, Brian Cox, Brendan Gleeson, Peter O`Toole, Julie Christie, Saffron Burrows, Garrett Hedlund

Versão do Realizador

Crítica:

A GUERRA PELA IMORTALIDADE

This war will never be forgotten, nor will the heroes who fight in it.
Odisseu

Na Director's Cut, Wolfgang Petersen intensifica o fulgor da batalha - o confronto torna-se muito mais violento e sangrento: há muito mais sangue a jorrar, mutilações, violações, enforcamentos, etc. - e há mais tempo para aprofundar a sua visão sobre a cultura e a cidade - os cenários são imponentes e impressionantes, Tróia resplandece mais bonita do que nunca. As alterações no emprego da banda sonora de James Horner conferem maior seriedade aos momentos dramáticos e àqueloutros em que a acção é por demais vibrante e empolgante - se há coisa em que o épico de Petersen brilha é nas sequências de acção -, ainda que deixe saudade a canção final Remember, pela voz de Josh Groban, aqui radicalmente eliminada do desfecho. Os trinta minutos adicionais sustentam melhor o retrato e a robustez da história e a sua construção, ainda que as cenas cruciais já lá estivessem desde a versão lançada nos cinemas em 2004. Tróia torna-se, assim e por tudo isto, um melhor filme do que a versão inicial. O que não quer dizer, necessariamente, que ascenda à qualidade de um bom filme. Aliás, apesar de lhe reconhecer as melhorias, acabo por atribuir a mesma classificação a ambas as versões. A ambição e megalomania do realizador são claras - há CGI a perder de vista, como se houvesse a necessidade de superação em relação a outros épicos, de fazer ainda maior - o que não deixa de ser constrangedor porque se há guerra que o filme não ganha é a da imortalidade.

Os valores seguros:
- a componente artística (cenários, adereços, figurinos, penteados, caracterização), a fotografia de Roger Pratt (embora preferisse enquadramentos e composições de planos mais ricos e interessantes, eventualmente uma melhor e mais intensa exploração da paleta de cores);
- a banda sonora de James Horner (bastante criticada, considerada exagerada ou inadequada a muitas situações e momentos narrativos, questão a que Petersen atendeu na Versão do Realizador, claramente em acordo. Há que salientar que a Warner Brothers recusou anteriormente a banda sonora de Gabriel Yared, que o compositor concebeu durante um ano, por considerá-la antiquada e fora de moda. Petersen usou excertos dessa banda sonora ao finalizar esta sua versão, assim como excertos de bandas sonoras de outros filmes como Planeta dos Macacos, Soldados do Universo ou O Conde de Monte Cristo);
- a destreza do cineasta para filmar cenas de luta (excepcionalmente coreografadas, note-se a título de exemplo esse notável duelo entre Aquiles e Heitor, pleno de suspense e sem recurso a duplos);
- a estrela Brad Pitt e alguns nomes sonantes entre o elenco secundário, célebres no género, como Peter O'Toole, Sean Bean, Brian Cox ou Brendan Gleeson.

Gostaríamos que o filme fosse abençoado pelos deuses, alheio a calcanhares de Aquiles, já para não pedirmos uma adaptação minimamente digna do poema sagrado da literatura que é a Ilíada de Homero. Apesar de tudo o que tem de bom, não é propriamente o que acontece em Tróia. Falemos, então, das falhas ou dos aspectos menos positivos.

Comecemos por um descuro técnico que, considerando os grandes estúdios em causa, o grande orçamento e o ano de produção do filme, me parece indesculpável: refiro-me aos escabrosos efeitos especiais, especificamente aqueles que, sobre o mar, comprometem a credibilidade exigida (ainda para mais quando a visão evita os eventos mitológicos a bem da autenticidade). Mas a algum espectador terá sido indiferente o facto de mil barcos sobre o Egeu parecerem tão falsos, tão artificiais e tão feitos a computador, comprometendo o arranque da história? Falemos pois da história, precisamente, porque o maior calcanhar desprotegido é esse. Nem vou falar da má adaptação à epopeia homérica, porque sabemos das liberdades criativas que determinaram que os deuses ficassem confinados ao Olimpo e se retratasse uma guerra de homens. E não de dez anos, porque as grandes massas que pagariam um blockbuster destas proporções nas bilheteiras de todo o mundo não o compreenderiam; afinal, passe a ironia, só teriam capacidade para atribuir a lógica ao acolhimento de um enorme cavalo de madeira portões adentro, no interior do qual se escondem gregos brutais, aguçados pelo engenho de Ulisses. Tróia não adapta, inspira-se livremente, portanto.

Já acima elogiei a construção narrativa, pelo que não cairei em contradição, ao criticar o argumento pelos diálogos, que limitarão os actores na modelação de personagens. Faltam mormente personagens, a Tróia. Personagens bem dimensionadas. Vejamos Menelau e Agamémnon, desempenhados por extraordinários actores (Gleeson e Fox), mas que se vêem confinados ao overacting, à grandiloquência bacoca das suas declamações, de personagens maniqueístas, sem especial complexidade dramática, que não existem nem poderiam existir, sem diálogos que as tornassem reais. Se o guião faz com que actores como estes falhem, imagine-se o que acontece com actores menores ou menos experientes como Orlando Bloom (por mais cobarde que seja o jovem príncipe troiano, o Páris de Bloom é de uma inexpressividade tal capaz de envergonhar todo o produto), Diane Kruger (reduzida à sua beleza, o que é imcompreensível dado o seu papel narrativo) ou Rose Byrne (irritante porque só geme, a coitadinha). Mesmo Eric Bana, já com outra maturidade e talento, só nalgumas cenas consegue escapar à retórica da sua personagem e ao boneco. Apenas Peter O'Toole, a lenda de Lawrence da Arábia, igualmente imerso em retórica (alguma dela teatral, que lhe é tão característica) consegue transmitir-nos alguma verdade; só o seu olhar, consumido pela tragédia, consegue espelhá-la realmente.

I've fought many wars in my time. Some I've fought for land, some for power, some for glory. I suppose fighting for love makes more sense than all the rest. 
Príamo

As motivações para a guerra são efectivamente muito diferentes: Menelau luta pela restituição da honra, o irmão por sede de poder, Páris (a medo) por amor, Príamo decididamente por amor (aos filhos e à pátria) e gregos e troianos lutam porque... pois, não sabemos, o povo aqui não tem perspectiva, mas depreendemos que por dever moral e pela defesa dos seus, como sempre acontece nestas circunstâncias. Os mirmidões lutam por Aquiles e Aquiles luta pela imortalidade. Crente no presságio da mãe Tétis, Aquiles supera-se a si próprio não por ouro, não por reis ou por amor, somente para que o seu nome seja lembrado depois da sua morte, para sempre, enquanto os Homens tiverem memória. Aquiles é o herói: bonito, influente e poderoso, mas não tanto o tradicional herói porque não luta em defesa de outrém. Na sua tempestuosa independência, luta pela fama, para proveito próprio. É, porventura, o mais individualista e egoísta dos heróis, longe dos ideais cristãos. Neste aspeto, Tróia de Petersen respeita os ideais da antiguidade clássica. Brad Pitt é sempre uma escolha acertada e tem um grande desempenho; tinha papel para isso. Curioso que Pitt tenha abandonado The Fountain para protagonizar este épico, cedendo o lugar a Hugh Jackman.

Tróia foi um colossal sucesso de bilheteiras, mas não é um épico tão memorável e sobretudo credível quanto isso. Chega a ser, a espaços, ridículo. Vale, no entanto, pela acção, pela estruturação dos actos narrativos e por variadíssimos méritos artísticos que compõem a totalidade dos quadros.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

PLANETA DOS MACACOS (2001)

PONTUAÇÃO: RAZOÁVEL
Título Original: Planet of the Apes
Realização: Tim Burton
Principais Actores: Mark Wahlberg, Tim Roth, Helena Bonham Carter, David Warner, Michael Clarke Duncan, Kris Kristofferson, Paul Giamatti, Estella Warren, Charlton Heston, Lisa Marie

Crítica:

O HOMEM QUE VEIO DO FUTURO

They all want to see this human who defies the apes.

Planeta dos Macacos recupera o imaginário do filme de 1968, protagonizado por Charlton Heston, que originou várias sequelas e que tem conquistado os mais acérrimos fãs ao longo das décadas. O lendário ator interpreta aqui o moribundo Zaius, que antes do último fôlego revela ao filho - o temível Thade de Tim Roth (a criação mais extraordinária de todas as caracterizações de Rick Baker e restante equipa) a profecia de Calima e as origens do seu povo. Planeta dos Macacos é, provavelmente, das mais interessantes propostas da ficção científica, pela visão e questões sociológicas que levanta. Afinal, inverte a condição humana e por meio dela a perspectiva das coisas: algures num futuro não tão distante quanto isso, um astronauta americano despenha-se num planeta incógnito, onde os mais variados símios são as espécies dominantes e mais evoluídas, no topo da cadeia e da lógica, e os humanos são a espécie primitiva que abunda pelas florestas, subjugada à escravidão brutal dos macacos. A reflexão impõe-se à medida que acompanhamos um grupo de humanos, feitos prisioneiros, e observamos as características culturais, sociais e religiosas dos mais poderosos. Aqui, somos os outros -  é impossível negar as semelhanças que temos com os nossos parentes evolutivos e perguntarmo-nos a nós próprios e se?

Lamentavelmente, a narrativa que Tim Burton encena não aprofunda o seu potencial, antes abandona-o em nome de uma versão juvenil e pouco dada a inquietações filosóficas, que se atropela de episódio em episódio sem maturar o essencial, ao som de uma banda sonora exagerada e usada em demasia. Há três personagens interessantes: a Ari de Helena Bonham Carter (irreconhecível como qualquer outro ator por detrás da excelência das próteses), defensora dos direitos dos animais; perdão, dos humanos (a questão é mesmo essa: até que ponto os animais têm alma e em que é que isso os diferencia) You kill him, and you'll only lower yourself to his level. (...) It's disgusting the way we treat humans. Pelo cómico de personagem, o Limbo de Paul Giamatti, caricatura dos mercenários. Pelo terror que cada olhar dos seus lança, o capitão chimpanzé de Tim Roth, confinado no entanto ao maniqueísmo. Três personagens limitadas, porque a história não lhes dá espaço para maior dimensão. Quanto ao protagonista, Mark Wahlberg é inexistente, predestinado a não transmitir coisa nenhuma, nem tão-pouco carisma. Não admira portanto que não sintamos a sua liderança na batalha, com que culmina a ação; uma resolução fácil e por demais óbvia do argumento, frustrando o desejo épico. De Tim Burton muito pouco... uns famigerados espantalhos, um céu com tons de negra fantasia e não mais que isso. Os cenários são de um trabalho criativo notável, embora nem sempre contribuam para a autenticidade da cultura e do planeta. O ambiente parece, por vezes, demasiado plástico; sobre essa séria ameaça triunfou a caracterização, como atrás referi. Que espanto! Parecem macacos reais, os sujeitados atores e figurantes, e como este fator seria determinante para o sucesso do filme.

O epílogo é qualquer coisa de insólito e inesperado,
em certa medida provocador e desconcertante, preparando uma sequela que não veio a acontecer. Mas enfim, não admira, o filme tenta ser tanta coisa e abraçar tantos géneros sem se preocupar em ser francamente bom em nenhum deles. Planeta dos Macacos de 2001 não teve provavelmente o realizador certo. Merecerá um remake ou uma revisita ao seu inesgotável e intemporal imaginário, à altura das suas imensas potencialidades.


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

TIO BOONMEE QUE SE LEMBRA DAS SUAS VIDAS ANTERIORES, O (2010)

PONTUAÇÃO: RAZOÁVEL
Título Original: Lung Boonmee Raluek Chat
Realização: Apichatpong Weerasethakul
Principais Actores: Thanapat Saisaymar, Sakda Kaewbuadee, Matthieu Ly, Vien Pimdee, Jenjira Pongpas

Crítica:

A REENCARNAÇÃO E O DELÍRIO

  O céu não vale o que dizem. Não há lá nada. 
(...) Os fantasmas não estão ligados a sítios e sim a pessoas, aos vivos.

O cinema de Apichatpong Weerasethakul desafia muitos limites: os da compreensão, os da imaginação e, não raras as vezes, os da aceitação e os da paciência. Em boa verdade, o realismo mágico que o cineasta tão incessantemente explora (tão íntima e profundamente enraízado na crença budista da reencarnação) coloca em desconcertante e frontal coexistência - e inequívoco diálogo - o plano sobrenatural (os fantasmas e as criações fantásticas) e o real quotidiano das suas personagens. Como se tudo fosse realidade. 

As sequências são especialmente morosas e, na maior parte delas, não acontece nada. É como se o tailandês fizesse o seu filme com fragmentos de vazio, com os intervalos entre as cenas em que realmente se passou alguma coisa. Não obstante - e aí resíde o fascínio dos seus filmes - parece sentir-se uma omnipresença inexplicável, indefinível... com toda a certeza religiosa e espiritual. Muitos dos planos são afastados, pelos quais damos connosco como observadores, enquanto as personagens (por sua vez) observam e meditam a envolvência. A selva verdejante, a noite e o dia, os grilos e as cigarras... uma natureza gritante existe no vazio. Contradição. Enquanto Boonmee se perde em sucessivas alucinações, aproxima-se a morte. A doença e os fantasmas do passado chamam-no para a viagem. A doença apodera-se do filme - tropical malady - e, às tantas, tudo é delírio, tudo é exótico e estranho. Há quem lhe detecte alegorias - quão relevantes serão elas para justificar a sua orgânica? Não sei. A verdade do filme parece-me tão inatingível quanto o significado da existência.

Unânime, a sentença, de que o filme é uma experiência daquelas; embora nunca consigamos explicar ao certo que experiência é. Ficará algures entre o encantamento e o bocejo. Excitante, excitante só mesmo o orgasmo da princesa com um peixe entre as pernas. Essa sim, cena de mestre, para a qual vale a pena estar conscientemente acordado. E ainda dizem que não há originalidade no cinema.

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS (2010)

PONTUAÇÃO: RAZOÁVEL
Título Original: Alice in Wonderland
Realização: Tim Burton
Principais Actores: Mia Wasikowska, Johnny Depp, Helena Bonham Carter, Crispin Glover, Anne Hathaway Vozes (versão original): Stephen Fry, Michael Sheen, Alan Rickman, Christopher Lee, Michael Gough, Timothy Spall

Crítica:

UM OUTRO LADO DO ESPELHO

The only way to achieve the impossible,
is to believe it's possible.

Visualmente deslumbrante, mas desmesuradamente artificial (ou melhor, digital), confusão de maravilhas coloridas com bizarrias excêntricas e tenebrosas e combinação-limite de animação com live action, Alice no País das Maravilhas explode com a chancela mágica da Disney, mas também com a assinatura única e inequívoca de Tim Burton.

Estão lá os seus actores fetiche, Johnny Depp e Helena Bonham Carter, a degladiarem-se entre a imensidão do seu talento e a vertiginosa e mal-(di)gerida narrativa, que se atropela de episódio em episódio à velocidade estonteante e extenuante da acção. Mia Wasikowska, julgo, cumpre eficazmente o seu papel. O maior encanto, creio todavia, irradia do guarda-roupa de Colleen Atwood, barroco e requintado, da inacreditável caracterização dos actores e da criatividade sem limites da produção artística. A banda sonora de Danny Elfman faz jus ao recriado universo de Lewis Carroll, tão exótico e divertido quanto perigoso e imprevisível (muito mais perigoso e imprevisível sob a visão de Burton, claro).

Sabe-nos bem, revisitar aqueles lugares que nos povoam a imaginação desde crianças (quais sonhos ou pesadelos de Alice), reencontrar aquelas personagens estranhas que se mantêm plenas de mistério. Mas a fatia deliciosa do bolo acaba aí. Tanta ousadia tem, por fim, um sabor um tanto ou quanto amargo, de tão insólita que se revela a experiência. Mais do que maravilhado, é provável que o espectador se sinta aliviado, no final, por ter sobrevivido a tanta correria e golpe de espada e ter regressado à realidade com a cabeça intacta.


quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

IMORTAIS (2011)

PONTUAÇÃO: RAZOÁVEL
Título Original: Immortals
Realização: Tarsem Singh
Principais Actores: Henry Cavill, Mickey Rourke, Stephen Dorff, Freida Pinto, Luke Evans, John Hurt, Joseph Morgan, Isabel Lucas

Crítica:


OS DEUSES E OS HOMENS

Fight! For immortality!


Para os admiradores maiores da mitologia clássica, Imortais soar-lhes-ia, logo à partida, como uma proposta irresistível e absolutamente irrecusável. Não morre, afinal, a esperança de encontrar no cinema uma adaptação à altura do nosso fascínio pela cultura grega. O trailer, contudo – e sejamos francos - já nos fazia temer um produto com pouco mais interesse do que o meramente comercial, apesar da promessa de prodígio visual. Na verdade, aquilo que temos em Imortais é um épico gorado, tremendamente eloquente na sua retórica inócua, profundamente ridículo para os puristas que esperariam o impossível da reconstituição histórica, com base num mito amplamente cultuado através dos séculos, mas aqui um tanto ou quanto desvirtuado em prol de um filme para adolescentes, assente no maniqueísmo das suas personagens e no facilitismo dos seus processos narrativos. Imortais é, sobre todas as coisas, espectáculo. Espectáculo que se quer rentável. Os deuses da indústria pouco se interessam, ao que parece, com a memória dos Homens.

Depois da obra-prima visual que é The Fall – Um Sonho Encantado, num circuito mais independente, Tarsem abraça finalmente o cinema de massas. Já em 2000 havia dado que falar com o seu filme de estreia, protagonizado por Jennifer Lopez, A Cela, onde cruzou, pela primeira vez, o thriller policial centrado num bizarro psicopata – muito ao género de Silêncio dos Inocentes e de Sete Pecados Mortais – com o seu universo perfeccionista, fantasioso e surreal, onde o esplendor visual atinge o mais elevado requinte. Imortais dá continuidade a essa estética, entregando-se finalmente às infinitas potencialidades do digital. Neste campo, Imortais é deslumbrante. Quem nos dera experienciar pessoalmente aquelas visões do Olimpo. O detalhado e assombroso trabalho de guarda-roupa, por fim, completa o raro vislumbre que o filme constitui e, por isso, merece todo o reconhecimento. Emanuel Levy diz que Tarsem Singh is a gifted, eccentric visual artist but he is certainly not a storyteller (Cf. http://www.emanuellevy.com/review/immortals/). Conclusão compreensível, se só tivermos visto este seu titânico filme.

Dos mesmos produtores de 300, o filme partilha várias características que aproximam ambos os filmes: a proeminência dos efeitos digitais na construção dos cenários e no acabamento da fotografia (contribuindo para uma maior similitude com os jogos de computador), a exploração da violência e da brutalidade como recurso estilístico, em sequências de acção plenas de sangue e testosterona, as impressionantes (e muitas vezes excelentes, inclusive) coreografias de lutas (onde o slow motion se impõe como um verdadeiro trunfo), a pouca profundidade e desenvoltura das personagens e a fraca articulação dos episódios, tendo como compensação um excesso de movimentos de câmara, a utilização abusiva dos efeitos sonoros (um pouco como nos filmes de terror, aos quais recorrem para prender desesperadamente o espectador) ou uma operática banda sonora (nada de novo, somente a cópia da cópia, da etc., do original). Henry Cavill e Freida Pinto, emanando sensualidade e erotismo, são, independentemente das suas qualidades como actores, criaturas por demais abençoadas pelos deuses, tão belos e perfeitinhos em cada uma das curvas dos seus corpos. Particularmente na cena do discurso para a multidão (lugar-comum incontornável, no qual Teseu (Cavill) incita os soldados para a guerra) é notável a inconsistência na construção da personagem: até ali jamais demonstrara possuir o dom da palavra e de, um momento para o outro, assume-se como um herói fluente. Somente Mickey Rourke, Stephen Dorff e Joseph Morgan (escusado será referir John Hurt) nos lembram, de tempos a tempos embora aprisionados nas limitações dos seus papéis, que existem actores nesta produção; sabem, daqueles que representam. Em ambos os filmes, o físico dos protagonistas é cuidado e determinante; todavia, com um look actual em demasia para um filme que, por mais fantástico que seja, almeja a viagem no tempo, de regresso a tempos idos. . Ecoam ainda as influências de megalomanias recentes, como Tróia, Alexandre, o Grande ou Confronto de Titãs, que Tarsem luta por superar em escala e grandeza. Para isso, nada como expandir exércitos e paisagens e edificar mais uns metros de muro.

Não partilhando de especial entusiasmo pelo 3D, há que salientar a notória evolução da tecnologia, cada vez mais funcional, alcançando o seu propósito original, muito embora a sua utilidade se resuma a isso: possibilitar que o espectador entre no mundo do filme, tela adentro.

No seu todo, eis uma embalagem por demais sugestiva e atractiva para o público jovem, que encontra nestes escapes lúdicos as mais memoráveis (ainda que por pouco tempo) experiências cinematográficas. Para o público que dispensa entretenimento espalhafatoso e que está mais habituado a obras sublimes – entre os quais também existem jovens, outros jovens - o filme tornar-se-á num bocejo tão encantador quanto entediante. A concretização de uma epopeia em filme, baseada na mitologia clássica, fica para outro dia. Quanto a Tarsem, esperemos que ganhe a credibilidade suficiente junto dos grandes estúdios (que sabemos ser fundamental, em Hollywood) para voltar às grandes obras de arte, daquelas verdadeiramente imortais; talento e visão não lhe faltam e isso já deixou mais do que comprovado. Não sei é se será para já. Que é como quem diz, com Mirror, Mirror… O trailer já circula por aí – e sejamos francos – não nos incentiva por aí além.


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Originalmente publicada na edição 28 da revista Take.

domingo, 7 de setembro de 2008

PIRATAS DAS CARAÍBAS - NOS CONFINS DO MUNDO (2007)

PONTUAÇÃO: RAZOÁVEL
Título Original: Pirates of the Caribbean - At World's End
Realização: Gore Verbinski

Principais Actores: Johnny Depp, Orlando Bloom, Keira Knightley, Geoffrey Rush, Chow Yun-Fat, Bill Nighy, Jonathan Pryce, Jack Davenport, Stellan Skarsgard, Naomie Harris, Tom Hollander, Kevin McNally


Comentário: O navio afundou. Até Johnny Depp andou perdido na mediocridade do argumento.


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CINEROAD ©2020 de Roberto Simões