terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

CRIMSON PEAK - A COLINA VERMELHA (2015)

PONTUAÇÃO: BOM 
★★★★ 
Título Original: Crimson Peak
Realização: Guillermo del Toro
Principais Actores: Mia Wasikowska, Jessica Chastain, Tom Hiddleston, Charlie Hunnam, Jim Beaver, Burn Gorman

Crítica:

A MANSÃO ASSOMBRADA 

A house as old as this one becomes,
in time, a living thing.
 

Crimson Peak - A Colina Vermelha é um romance gótico - não propriamente um filme de terror. A diferenciação ou precisão parecem-me não só urgentes e importantes como absolutamente imprescindíveis no que toca à gestão das expectativas que conduzirão o espectador ao filme e ao entendimento que depois o mesmo fará dos contornos dramáticos que a obra ganhará, em crescendo, ao longo da sua duração.

De um dos mais belos filmes de 2015 jamais se poderá esperar - tão-somente - o susto pelo susto, o macabro pelo macabro ou o brutal pelo brutal - ou seja, a gratuitidade que, não raras as vezes, estupidifica e diminui o género terror. Ao deambularmos - e na possibilidade de nos perdermos - pelos ruidosos e incontáveis corredores de Allerdale Hall, cruzar-nos-emos, na verdade, com todos eles: com o susto ao virar da esquina, com o macabro atrás de cada porta e com o brutal um pouco por todo o lado, mas sempre prioritária e poderosamente sustentados num background, numa história cujo alicerce é, imperioso, o amor. Os ecos do género terror estão omnipresentes no conteúdo, no contexto e até na forma, é certo, mas é a natureza da história e o que a motiva que a diferencia. Acompanharemos a viagem emocional das personagens e no final perceberemos: os monstros não são, como julgávamos, os fantasmas e os espíritos inquietos dos que morreram e que por ali pairam. Os verdadeiros monstros - e os que mais nos apavoram - são os que por cá ficaram, vivos, desferindo golpes e feridas e manchando de sangue a neve, tanto mais do que qualquer argila-vermelha que das profundezas da terra possa surgir. O que seria de esperar de Guillermo del Toro, aliás, ou não tivéssemos nós assistido ao maravilhoso O Labirinto do Fauno, onde as personagens da vida real eram tão mais cruéis e assustadoras do que as de qualquer fantasia.

But the horror... The horror was for love. The things we do for love like this are ugly, mad, full of sweat and regret. This love burns you and maims you and twists you inside out. It is a monstrous love and it makes monsters of us all.

Há toda uma dimensão feminina, típica do sub-género: Edith Cushing, a protagonista (Mia Wasikowska), desde pequena que tem canal aberto com o além e é assombrada pelo fantasma da mãe falecida. Lucille Sharpe, a antagonista (arrepiante desempenho de Jessica Chastain), tem um passado misterioso que tenderá a revelar-se, à medida que a investigação de Edith ganha força e os segredos, mergulhados, vêm ao de cima. No centro, Thomas Sharpe, irmão de Lucille (Tom Hiddleston, charmoso e carismático), disputado pelas duas mulheres. O amor, que justificará - como sempre - todos os actos psicóticos de Lucille, desencadeará toda a acção e precipitará, inevitavelmente, a tragédia. Com a morte do pai, Edith vê-se sozinha no mundo e embarca para a Europa, entregando-se, desesperançada, ao casamento - um casamento, da parte dela, claramente mais por escape à desilusão da realidade, fruto de uma paixão romântica que a cegou e a impediu, com lucidez e inteligência, de analisar o carácter novelesco de Thomas, o homem aparentemente perfeito. Rapidamente essa paixão se esfumará, dando lugar à desconfiança e ao desencanto de um relacionamento escaldado, mecânico, que se degradará por imperativo das circunstâncias. Ela, que sempre se achou à frente do seu tempo, ver-se-á agora encarcerada e sufocada no mais funesto pesadelo. Temos ainda o bondoso e apaixonado doutor Alan (Charlie Hunnam), único elo ao passado de Edith na América, que arrisca tudo pela amada na tentativa de, ciente da natureza vil dos Sharpe, alterar o desfecho da trama. Um elenco ao mais alto nível, pelo que podemos dizer que estamos perante um portentoso filme de actores.

Crimson Peak 
tem o cunho e a assinatura inconfundíveis de del Toro. Não admira, portanto, que seja um filme extraordinariamente estilizado. E embora recorra ao digital, del Toro resiste-lhe, como de costume, com uma tenacidade criativa e uma visão por demais inspirada. Note-se o detalhe e perfeccionismo dos cenários e decoração (Thomas E. Sanders, Jeffrey A. Melvin e Shane Vieau) - o palacete é, todo ele, um organismo vivo, arquejante. É como se cheirasse a morte. Sangra de argila e tem, em cada recanto, a memória do tempo e do sofrimento das pessoas que por lá viveram. Tudo o que por lá se passou e tudo o que por lá se passa é mais do que suficiente para afastar qualquer hóspede ou curioso. No entanto, tem toda uma aura mística, um lúgubre magnetismo, que chama, enleia e aprisiona as suas vítimas, adoecendo-as, apodrecendo-as. O isolamento geográfico e o rigor do inverno são, na pior estação, os mais fiéis e terríveis aliados da casa. O primor e requinte artísticos estendem-se aos figurinos (Kate Hawley), também eles essenciais para a criação da atmosfera e daquele imaginário e a fotografia (Dan Laustsen) eleva e apura, definitivamente, o esplendor visual de toda a obra. A sonoplastia e a banda sonora magistral (Fernando Velásquez) são essenciais para orquestrar o suspense e as emoções, potenciando a carga dramática e criando um elo emocional com a história e com os espectadores. Os temas musicais são absolutamente belíssimos, capazes de  nos provocar a mais genuína e sentida comoção.

Por tudo isto, Crimson Peak é um filme do coração. Abrimo-lo, primeiramente, para entrar naquele misterioso e sinistro universo, que nos atrai - e que cedo nos adverte: Beware of Crimson Peak - e depois envolvemo-nos, angustiamo-nos e por fim sangramos, qual casa, quais personagens. Não sendo, propriamente, um ás da câmera - e é certo que, narrativamente, a história merecia um pouco mais de densidade - Guillermo del Toro apresenta-nos um belo e emotivo pedaço de cinema, forjado, como poucos, num faustoso e elegante ambiente gótico. Um deleitoso festim para os nossos sentidos.

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