quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

VOANDO SOBRE UM NINHO DE CUCOS (1975)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM
★★★★★
Título Original: One Flew Over The Cuckoo's Nest
Realização: Milos Forman
Principais Actores: Jack Nicholson, Louise Fletcher, William Redfield, Will Sampson, Michael Berryman, Danny DeVito, Sydney Lassick, Christopher Lloyd, Louisa Mortiz, Marya Small, Brad Dourif

Crítica:

ENSAIO SOBRE A LOUCURA

You all crazy?

Do riso às lágrimas, Voando Sobre Um Ninho de Cucos concretiza um estudo assaz pertinente sobre as ténues fronteiras entre a saúde e a doença mental. Tudo começa com a chegada de R. P. McMurphy (brilhante Jack Nicholson) ao hospital psiquiátrico. McMurphy não é senão um criminoso incurável, novamente apanhado pelas autoridades, e que, como forma de evitar a prisão e abraçar uma vida de luxo e de conforto, alega insanidade mental. É recebido pelo Dr. Spivey, que lhe analisa o relatório e o histórico. O documento revela uma personalidade conflituosa, preguiçosa e que fala sem autorização, presa pelo menos cinco vezes por agressão e violação de menores. Contudo, McMurphy aparenta ser um homem muito inteligente, disposto a colaborar a 100% com os técnicos: I'm here to cooperate with you a hundred percent. A hundred percent. I'll be just right down the line with ya'. You watch. Sofre ou não de distúrbio mental? Rapidamente se aperceberá de que, naquela clínica, a resposta pouco importa.

McMurphy encontra uma ala de homens claramente perturbados, cada um com as suas particularidades: o feio Mr. Fredrickson, viciado em cigarros, o índio-chefe Bromden, falso surdo-mudo e com talento para o basket, o frontal Taber, que adora fazer apostas, Billy Bibbit, o gago apaixonado, o sorridente Martini, o infantilóide Mr. Cheswick ou o culto Mr. Harding. Os pacientes são permanentemente supervisionados por seguranças e enfermeiras, entre as quais a intransigente e insensível Ratched (Louise Fletcher, magnífica), e tratados como crianças, privadas de livre arbítrio, obrigadas a cumprir horários, rotinas e medicamentos que outra coisa não são senão drogas. Arrisco-me a dizer que mesmo que não sejam doidos, os pacientes são de tal forma tratados que ou se convertem à loucura, por sua livre vontade, ou se condenam a si próprios, a um sem fim de castigos que os deixarão irreconhecíveis. Refiro-me, nomeadamente, ao tratamento por choques elétricos. Os internados vivem com medo constante, obedientes a todos os estímulos que nem cãezinhos de Pavlov, sujeitos à autoridade de um sistema que os exclui e destrói.

A enfermeira Ratched convoca, diariamente, a terapia de grupo. Todos se reúnem em semi-círculo com fim ao diálogo, para evitar o isolamento. Mas as conversas não surgem espontanea ou naturalmente. Temendo represálias, os doentes abdicam das suas privacidade e vontade próprias e respondem, ficando ainda mais ansiosos. McMurphy apercebe-se desta mosntruosa realidade e fica revoltado, empenhando-se para trazer a razão de volta ao hospital. Mas ninguém quer saber de irreverências ou de provocações. Muito menos a enfermeira Ratched, que desde logo entra em conflito com ele.

McMurphy tentará quebrar a ordem imposta, tentando recordar a liberdade, o livre arbítrio e a saúde mental que daí resulta: afinal, a liberdade e a capacidade de decisão individual são aquilo que nos torna humanos.

What do you think you are, for Chrissake, crazy or somethin'? Well you're not! You're not! You're no crazier than the average asshole out walkin' around on the streets and that's it.

O sistema não trata os loucos como humanos, independentemente das suas perturbações. McMurphy tenta com que Ratched lhes dê permissão para assistirem ao jogo de basebol pela televisão. Mas falha: não há horários para isso. A enfermeira ainda lhes concede o direito ao voto, mas os pacientes jamais a desafiariam. Mais tarde, McMurphy tenta levantar uma bacia para quebrar as paredes e fugir para o exterior, para assistir ao jogo. Mas falha novamente. Contudo, não cessará de encorajar os homens. Na sessão de terapia de grupo do dia seguinte, insiste na votação. Ganha mais votos, mas Ratched certifica-se de que o prazo de votação termine antes que McMurphy reuna os votos suficientes. McMurphy falha, pela terceira vez. Não desanima, porém. Vai para a frente do televisor e fantasia um jogo imaginário, qual maluquinho, gritando e vibrando com as emoções do jogo. E, desse modo, alegria torna à ala psiquiátrica.

Um dia, McMurphy escapa-se pela vedação. Faz-se passar por motorista de um autocarro e sequestra os doentes para uma viagem ao alto mar. Embarcam todos num pesqueiro de propriedade privada, com fim à aventura. E sentem-se vivos! Uma amiga de McMurphy, que com eles apanhou boleia a meio do caminho, ainda alerta:

- They'll throw you in the can again, you know?
- No, they won't. We're nuts! They'll just take us back to the feeb farm, see?

Mais tarde, viremos a descobrir que muitos dos hóspedes da clínica são voluntários. Ou pelo menos, começaram como voluntários. Um pouco como McMurphy. Contudo, é fácil entrar. O difícil é sair. Há sempre uma forma de subverter a realidade e considerar alguém louco. Os médicos podem não ver um louco em McMurphy, podem ver alguém extramamente perigoso - e isso basta-lhes para justificar um distúrbio, para justificar a sua perpétua clausura naquele centro. Quem não é doido, passa-se por doido, mas acaba inevitavelmente doido e sem autonomia, digno de descrédito. Veja-se o que acaba por acontecer a McMurphy, quando tem a oportunidade de escapar e deixa-se ficar, naquele refúgio do mundo.

Grande, grande filme. Clássico intemporal, sobriamente realizado por Milos Forman.

21 comentários:

  1. Provavelmente é melhor filme já feito sobre o tema loucura. Grandes interpretações, Nicholson sem comentários e tb do falecido Will Sampson.

    Abraço

    ResponderEliminar
  2. É uma das melhores atuações do cinema, essa do Nicholson...

    ResponderEliminar
  3. Origem do meu gosto cinéfilo e objecto de culto da minha admiração por cinema.

    OBRA-PRIMA


    Abraços

    ResponderEliminar
  4. HUGO: Provavelmente. Excelentes interpretações, sem dúvida.

    O CARA DA LOCADORA: Estou de acordo.

    ÁLVARO MARTINS: É de facto um grande filme, mas não o considero uma obra-prima.

    Cumps.
    Roberto F. A. Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

    ResponderEliminar
  5. as interpretações são do melhor que podemos encontrar. nicholson construiu um peronagem absolutamente intemporal que sera sempre recordado pela rebeldia, sentido de liberdade e mesmo de grande amizade...no meio de muita loucura. ehe

    grande filme. dava'lhe talvez um 9 em 10

    ResponderEliminar
  6. CLOSE-UP: É de facto um filme brilhante, que encontra nas interpretações o seu cerne mais genuíno.

    Cumps.
    Roberto F. A. Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

    ResponderEliminar
  7. Sim aqui acho que vale muito pela interpretação de Jack Nicholson.
    Porque, e sinceramente, o argumento é audaz e bem caracterizado mas algo repetitivo e pouco desenvolvido. Talvez seja o facto de ser um filme sobre a mente e a loucura que faça com que se debruçe muito nas relações e nos avanços e recuos. É possível, e sendo assim, não é lá muito do meu agrado.

    No entanto, e apesar de tudo, não posso dizer que desgostei. A banda sonora está boa, as interpretações magníficas e aqui e ali tem cenas memoráveis. A título de curiosidade fartei-me de rir com a cena em que o McMurphy está desesperadamente a tentar convencer mais alguém para a sua causa (faltando só um), chega e defronta-se com o personagem talvez mais disforme de cara e demência e....cala-se, nem sequer tenta ou fala, segue então para outro. :D:D

    abraço

    ResponderEliminar
  8. O Shock Corridor é um filme bastante melhor sobre a loucura.

    ResponderEliminar
  9. Um belo filme. Nicholson está demais. Mais brilhante que o filme é a história por trás dele, a vontade dos Douglas de levar o texto às telonas.

    Ah, é também um exemplo de filme que recebeu um título brasileiro melhor que o original. "Um Estranho no Ninho" caiu bem melhor.

    ResponderEliminar
  10. Grande crítica, li-a com muito prazer. Alertas para alguns aspectos que, sinceramente, me escaparam. Também só o vi uma vez.

    Realmente o filme oscila entre o riso e as lágrimas...particularmente acho o riso imperial aqui, apoiado com a interpretação de Nicholson.

    Há cenas hilariantes, e para além daquela dos votos, destacava também a descoberta do segredo do Chefe. Enganou todos, até o espectador.

    abraço

    ResponderEliminar
  11. Ainda não vi este filme, mas tenho motivos de sobra para conferi-lo. Primeiro, eu tenho uma certa "tara" por personagens malucos e filmes completamente sobre este assunto (leia-se laranja mecânica, rs). E outra, é com Jack Nicholson, ou seja, já dá pra perceber que o filme é foda, rs

    Ainda esta semana quero vê-lo. Ótimo texto, atiçou mais ainda minha curiosidade!

    Abs.

    ResponderEliminar
  12. JORGE: Obrigado ;) É sem dúvida um grande filme. Não vejo nele a obra-prima da qual muitos dão conta, mas é um clássico inspirador.

    CARLOS NATÁLIO: Não conheço.

    MATEUS SOUZA: Não acho que a sua história de produção seja mais brilhante ;)

    JOÃO GONÇALVES: Não ocupa um lugar tão importante no meu ranking pessoal, mas é um muito bom filme.

    @RASPANTE: Obrigado! Veja, vai gostar certamente.

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - A Estrada do Cinema «

    ResponderEliminar
  13. Clássico por tantos motivos... entre eles, as atuações e o roteiro - brilhante.

    ResponderEliminar
  14. WALLY: Sobretudo por esses dois motivos, que tão pertinentemente destacou ;)

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD – A Estrada do Cinema

    ResponderEliminar
  15. Ainda não vi, não me batam. Mas tenho-o aqui à espera ;)

    ResponderEliminar
  16. FLÁVIO GONÇALVES: Claro que ninguém te bate ;) Não conseguimos ver tudo aquilo que queremos de uma só vez, não é! ;D Cada um segue a sua estrada... É um muito bom filme, vais amar... mas pelo que conheço de ti não vais amá-lo, propriamente.

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - A Estrada do Cinema «

    ResponderEliminar
  17. Que filme e que final, um dos mais fortes que me lembro :)

    Cumps

    ResponderEliminar
  18. Delícia esse filme. Do roteiro fascinante às atuações impecáveis.

    ResponderEliminar
  19. A parte final do filme é definitivamente a melhor.
    Bom resumo do filme CINEROAD! Isto vai-me dar imenso jeito para um teste que vou fazer amanhã.

    ResponderEliminar
  20. grande filme ! grande actor ! grande historia !

    ResponderEliminar
  21. Vi este filme em Braga no cinema S.Geraldo. Até hoje já lá vão 30 e tal anos nunca vi nada melhor do género! Artista perfeito uma grande caraterização e uma grande história!

    ResponderEliminar

Comente e participe. O seu testemunho enriquece este encontro de opiniões.

Volte sempre e confira as respostas dadas aos seus comentários.

Obrigado.


<br>


CINEROAD ©2020 de Roberto Simões